Há quatro anos, numa tarde chuvosa, Moro sentia-se entediado com seu trabalho. Ao invés de pedir uma remoção, resolveu engendrar uma grande operação, a pretexto de combater a corrupção no país, mas que na verdade teria o único objetivo de condenar e prender o ex Presidente Lula, alijando-o da disputa eleitoral. Assim agindo, esperava obter um cargo no novo governo eleito.
Nem Aécio, nem Dilma, pensou ele, o próximo Presidente será o deputado Jair Bolsonaro, mas para isso Lula não deve disputar a eleição! Procurou, então, a sede da Polícia Federal. Orientou centenas de agentes a forjarem provas, depoimentos, testemunhas e laudos para que o ex Presidente fosse condenado criminalmente.
“Mas por que faríamos isso?”, perguntaram os agentes em coro.
“Porque quero um cargo no novo governo a ser eleito”.
Achando justa a pretensão do magistrado, as centenas de agentes passaram a forjar as provas.
A seguir, Moro procurou o Ministério Público e orientou os procuradores a oferecerem denúncia sem provas, já que pretendia obter o tal cargo. Os procuradores acharam razoável a idéia do Juiz e ofereceram a denúncia, sem qualquer prova.
Não era suficiente. Moro sabia que a sentença condenatória deveria ser mantida em Segunda Instância. Há 27 desembargadores no TRF4, mas Moro sabia em qual Câmara o recurso contra sua sentença seria julgado. Procurou os desembargadores e os avisou.
“Sei que minha sentença condenou o réu sem provas, mas os senhores devem mantê-la tal como está, porque quero um cargo político no próximo governo”.
Entusiasmados com a idéia, os desembargadores não apenas mantiveram a sentença condenatória sem provas,mas também exasperaram a penalidade imposta.
Mas.. não era suficiente. Moro sabia que seria interposto recurso no STF. Incansável, comprou passagens e rumou para Brasília. Reuniu todos os ministros e foi direto ao ponto:
“Os senhores deverão manter minha sentença e também alterar a jurisprudência da Corte, para que seja admitida a prisão após condenação em Segunda Instância, porque quero um cargo no próximo governo, quiçá o de Ministro da Justiça!”.
Os ministros pensaram consigo: “Lascou-se! Se esse juiz de Primeira Instância quer tanto o Ministério da Justiça, vai acabar conseguindo. Melhor fazermos logo o que ele quer, para não haver indisposição com o futuro Ministro da Justiça!”.
—
Se você achou essa história plausível, a questão não é mais política, mas psiquiátrica. Procure um médico. Teorias da conspiração em excesso podem acarretar sérios danos à saúde mental.
A Lava-Jato vai subir a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro.
Depois de ter derrubado um presidente, desorganizado o sistema político da Nova República e eleito um presidente, nada mais natural do que a Lava-Jato ir para o centro do poder político.
No entanto, é natural também que se questione a conveniência de que uma operação que mexeu com interesses tão arraigados no sistema político tenha o seu maior símbolo envolvido diretamente com esse sistema.
A questão é justamente essa: Moro estaria colocando a sua isenção em dúvida ao ter aceitado o convite de Bolsonaro? A sua atuação como juiz teria, de alguma maneira, sido influenciada pelo seu sentimento anti-PT, compartilhado com Bolsonaro? A operação Lava-Jato estaria finalmente mostrando a sua cara?
A mulher de César deve parecer honesta além de ser honesta, isto é verdade. Por outro lado, vivemos uma situação em que os críticos da mulher de César a criticarão independentemente do que ela faça. Ou seja, a mulher de César é considerada desonesta e não adianta nada parecer honesta.
Moro julgou e condenou Lula. Este é o fato que o torna suspeito. Afinal, como pode alguém condenar Lula, o ser humano mais inocente que já passou por esta Terra? Óbvio que a única explicação possível é de que há interesses escusos envolvidos. O fato de Moro ter aceitado o convite de Bolsonaro somente reforça esta narrativa, não a cria. Ou alguém imagina os petistas falando algo do tipo: “é, o Moro não aceitou o convite, então o Lula deve ser culpado mesmo”. Se e quando Moro fosse indicado para uma vaga no STF, a acusação seria a mesma.
Pois bem. Quão prejudicial para a Lava-Jato é este reforço da narrativa petista? Os resultados alcançados pela operação ficam comprometidos? Parece-me pouco provável. Às vezes nos perdemos na narrativa política e esquecemos que a operação Lava-Jato é técnica: é necessário percorrer várias etapas no processo, colher indícios e provas, fazer audiências e interrogatórios, montar uma peça de acusação que sobreviva ao escrutínio de três desembargadores em 2ª instância e, eventualmente, em instâncias superiores. Cada um acredita no quer ou no que lhe convém, mas é preciso um grande esforço para acreditar que todo este aparato esteja a serviço da causa antipetista. E a ida de Sergio Moro para o governo não muda uma vírgula essa situação, para pior ou para melhor.
Não é o primeiro lance controvertido e ousado do juiz-símbolo da Lava-Jato. O mais famoso foi o levantamento do sigilo telefônico do papo cabeça entre Lula e Dilma, e que impediu a nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil. Atuando na zona cinzenta da lei, Moro impediu a potencial paralização da operação. O juiz de Curitiba já mostrou que não tem medo de assumir riscos calculados quando se trata de combater a corrupção. Ele sabe que não há outro modo de enfrentar crimes cometidos nas altas esferas governamentais. A sua entrada no ministério de Bolsonaro é mais um desses lances ousados, com o mesmo objetivo de sempre.
O que aterroriza o sistema político (e o PT é apenas a voz mais estridente, mas não a única) é que, ao contrário da cantilena habitual dos políticos que assumem ministérios e presidências, o combate à corrupção não é da boca para fora. Moro não assumiria o posto para deixar tudo como está. Pode ser que fracasse, mas não será por falta de tentar. E talento para isso já mostrou que tem de sobra.
Minha primeira fake news está na minha certidão de nascimento. Consta lá que nasci às 7:20 hs de um certo dia de dezembro. Agências de checagem chegaram à conclusão de que, na verdade, pode ter sido às 7:19 ou 7:21. Ou mesmo qualquer outro horário, porque o relógio da sala de parto estava atrasando por aqueles dias.
Claro que é uma piada. Mas não tem dúvida de que a chance de eu ter nascido exatamente às 7:20 é muito baixa. Trata-se de um horário aproximado, suficiente para dizer: Marcelo Guterman nasceu no início da manhã de um certo dia de dezembro. Mas com toda probabilidade, essa informação seria classificada como fake news pelas agências de checagem.
Essa comparação me ocorreu quando li um artigo onde a agência Lupa selecionou as 8 fake news mais compartilhadas via Whatsapp. A primeira está abaixo e é bastante curiosa: mostra uma suposta Dilma Rousseff jovem na companhia de Fidel Castro. A agência conclui que se trata de fake news, porque Dilma teria, na data da foto, apenas 11 anos de idade. O fake está em que aquela moça da foto não é Dilma, apesar da engraçada semelhança física.
Ora, mas o ponto da foto não é este. Não é que Dilma, a vida inteira, tenha jurado de pés juntos que não apoiava Fidel, que achava Cuba um lixo, que deplorava a revolução cubana e, de repente, encontraram uma foto que desmentia tudo isso. Não! É pública e notória a simpatia de Dilma pelo regime cubano.
Assim, a foto serve, até de maneira jocosa, para reafirmar uma verdade: Dilma é próxima de Fidel e do regime cubano. Não, Dilma não esteve com Fidel em 1959. Isso é falso, assim como é falsa a informação de que eu nasci à 7:20. Mas sim, é verdadeira a informação de que Dilma e Fidel tem tudo a ver.
Esta foto serve para reforçar uma verdade, apesar de ser, em si, mentirosa. Ao checar exclusivamente a veracidade da foto, a agência de checagem perde (proposital ou inadvertidamente, não vou julgar) o “big picture”.
Outro ponto, o reverso da medalha: tirar uma foto ao lado de uma personalidade não é prova de apoio àquela personalidade. Ficou famosa a foto de Sérgio Moro ao lado de Aécio Neves.
Esta foto foi usada ad nauseam para “provar” que Moro favoreceria o PSDB em seus julgamentos. As agências de checagem não diriam que é fake. Afinal, a foto é verdadeira, de fato Moro foi fotografado ao lado de Aécio, dando risadas. O problema são as inferências que se fazem a partir da foto. No caso de Dilma, a foto é falsa mas a inferência é verdadeira. No caso de Moro, a foto é verdadeira, mas a inferência é falsa. As agências de checagem se limitam a julgar as fotos, mesmo porque seria subjetivo julgar as inferências. Mas são essas que importam, no final.
A foto da Dilma jovem com Fidel serve para reforçar uma verdade. Há outras, no entanto, que servem para reforçar preconceitos. Uma das fake news mostra mulheres defecando em uma igreja (não reproduzo aqui por pudor) com a legenda “Feministas invadem igreja, defecam e fazem sexo”. A foto foi classificada como fake porque foi tirada na Argentina, em um protesto contra Macri. Mas o problema não é este. O problema está em relaciona-la com “feministas”. Pode-se não concordar com a ideologia feminista no campo das ideias. Outra coisa, no entanto, é relacionar o feminismo com depravação dos costumes, coisa que ultrapassa em muito o admissível. Temos aqui um caso em que a agência de checagem novamente perde o big picture, pois afirma que a notícia é fake porque a coisa aconteceu na Argentina e não no Brasil, enquanto o busílis da questão não é se a foto é verdadeira ou falsa, mas sim se o feminismo pode ou não ser associado a este tipo de foto. Não se trata de fake ou não, mas de honestidade intelectual, coisa impossível de medir em um fact checking.
Um terceiro e último exemplo, muito parecido com minha certidão de nascimento falsa: uma determinada mensagem afirma que o os gastos do governo cresceram 4% entre os anos de 2011 e 2016 (governo Dilma), enquanto os gastos das famílias recuaram mais de 1% no mesmo período, em uma mensagem de que o governo tomou o lugar das famílias durante aqueles anos.
A agência de checagem verificou os números e sentenciou: é fake. Segundo a agência, neste período (2011-2016), o consumo do governo cresceu 3,1% enquanto o consumo das famílias cresceu 1,8%. Portanto, falso. Novamente, a agência perde o big picture ao se apegar à verdade dos números. Mesmo considerando os números reais, podemos concluir que os gastos do governo cresceram mais do que os gastos da família nesse período. Mas concedo que os números do gráfico são muito mais “chocantes” e levam a uma conclusão viesada.
Mas o ponto não é este. A agência de checagem se ateve ao período indicado no gráfico (2011-2016). No entanto, se o cálculo fosse feito até o 2o trimestre de 2016 (quando efetivamente o governo Dilma se encerrou) o resultado seria o seguinte: queda de 1,2% do consumo das famílias e crescimento de 2,5% do consumo do governo. Portanto, um resultado semelhante ao mostrado no gráfico. Ou seja, a agência de checagem, ao se limitar estritamente aos dados do gráfico, na verdade, está dizendo que o mais importante é saber se nasci exatamente às 7:20, sendo pouco relevante se nasci ou não.
Estava agora assistindo a uma entrevista na Bloomberg. O assunto eram as eleições no Brasil.
A entrevistadora fazia perguntas a dois analistas, um brasileiro (dava para perceber pelo sotaque) e o outro gringo.
A certa altura, o brasileiro (que era o mais otimista sobre oportunidades de investimento no Brasil), citou o avanço do combate à corrupção como um ponto positivo, sendo que o símbolo seria o fato de termos um ex-presidente preso.
Quando o entrevistado citou o presidiário de Curitiba, a entrevistadora (a loira da foto) fez um sim com a cabeça que quase a fez cair da cadeira, daqueles que não deixam margem a qualquer dúvida. Como se não pudesse haver argumento mais forte para provar o sucesso no combate à corrupção.
Quando eu ouço de gente boa que “não havia provas” para condenar Lula, me pergunto se estivéssemos nos EUA, um presidente que ganha duas cozinhas Kitchen no valor de R$150 mil de uma empreiteira com interesses em obras públicas estaria solto por aí.
“Ah, mas não dá pra ligar uma coisa à outra”. Sério? Sério mesmo? Sérgio Moro se esforçou para fazer essa ligação em uma sentença de mais de 200 páginas. Os três desembargadores do TRF4 acham que ele teve sucesso na empreitada. Eu li e analisei a sentença nessa página. Se aquilo não era suficiente para condenar o molusco, então o crime de corrupção da alta administração da República é inimputável, por ser impossível de ser provado.
É óbvio que nos EUA Lula já estaria em cana comum. Por isso, o gringo (no caso, a gringa) concordou enfaticamente com a “prova” de que no Brasil se combate à corrupção.
O Brasil é devedor de Sérgio Moro pela única evidência que nos coloca entre os países civilizados do mundo.
A utilização da palavra “político” como adjetivo pode ter significados em dois níveis: o autor da ação e a motivação da ação. Claro, existe um terceiro nível, obrigatório, que é o fato daquele que sofre a ação ser uma figura do mundo político. Mas isso está dado nos casos em foco.
Vejamos a questão do autor da ação. Para que um crime seja considerado político, para que uma prisão seja considerada política, é necessário que o seu autor seja um adversário político. Assim, quando o regime militar prendia ou matava os seus inimigos políticos, isso podia ser classificado como prisões ou atentados políticos. Ou quando o regime cubano prende ou mata os seus adversários, isso pode ser considerado prisões ou assassinatos políticos.
No caso da prisão de Lula, não há adversário político envolvido. O judiciário, em suas várias instâncias, agiu com independência. Pode até ter errado (uma sequência de erros em série), mas não agiu como uma organização política.
No caso do atentado de ontem, aparentemente (“até o momento”, como diz o Noblat), não se trata de um ataque encomendado por nenhum partido político. O sujeito aparentemente agiu sozinho, de acordo com sua própria consciência. Portanto, neste significado, de fato, não foi um atentado político.
Vejamos, agora, a motivação.
Para que uma prisão ou um assassinato tenha a conotação de prisão ou assassinato político, é necessário que a motivação seja política. Assim, se um vizinho mata um político porque este estava saindo com sua mulher, a motivação não é política. Portanto, o assassinato não pode ser classificado como político. Por óbvio, se o primeiro significado for verdadeiro (o agente é político) é ocioso buscar a motivação, que será sempre política. O problema ocorre quando o agente não é um adversário político institucional.
No caso da prisão de Lula, a grande batalha do presidiário de Curitiba e seus asseclas do PT é tentar provar motivações políticas por trás das sentenças de Moro e dos desembargadores do TRF4. Parece óbvio que não as há. Portanto, sem motivação política, não há prisão política neste caso. Trata-se, simplesmente, de um político preso.
O caso do atentado é diferente. O autor foi filiado ao PSOL e tem, em sua página no Facebook, suficientes provas de sua simpatia pela pauta da esquerda e ódio a Bolsonaro. Portanto, por mais que seja um maluco (e pra fazer o que ele fez, só tendo um parafuso a menos), a sua motivação foi claramente política.
Assim, chegamos ao busílis da questão: para classificar um atentado como político basta a motivação, ou é necessário que o seu agente seja também um adversário politico? As duas condições são necessárias, ou apenas a segunda condição (a motivação) é suficiente?Noblat, no tuíte acima, acha implicitamente que as duas condições são necessárias. Os apoiadores de Bolsonaro acham que apenas a motivação seria suficiente para caracterizar o atentado como “político”.
Parece-me que o paralelo entre a prisão de Lula e o atentado a Bolsonaro não é adequado. Lula está na prisão porque roubou. Bolsonaro sofreu um atentado porque é de um partido adversário. Só essa diferença já basta para distinguir os dois casos. A motivação é completamente diferente nos dois casos.
No entanto, é preciso colocar a coisa na sua devida dimensão. Não se trata, “até o momento”, de uma guerra de facções, o que, no limite, poderia levar a uma Guerra Civil. Não se pode confundir a simples motivação política com a organização sistemática para eliminar fisicamente o adversário político. Nenhum partido está sequer perto desse nível, enquanto organização política.
Claro, estamos em plena campanha eleitoral. Seria ingenuidade pedir aos envolvidos a não politização de um ato com motivação claramente política. Assim como Noblat, outros jornalistas já estão condenando Bolsonaro por querer tirar dividendos políticos do episódio. Sério? Ele perdeu parte do intestino e não pode ganhar nada com isso? Se Lula, que está na prisão por motivos não políticos, foi louvado por esses mesmos jornalistas por saber fazer do “limão uma limonada”, porque Bolsonaro não pode fazer o mesmo, com motivos muito mais concretos?
Isso é uma coisa. Outra coisa é achar que Bolsonaro foi vítima de uma grande conspiração orquestrada por seus adversários, pelo grande capital globalista e pela mídia para evitar que faça a limpeza na política brasileira. Menos. Foi apenas um maluco solto por aí. Com motivação política, é verdade, mas um maluco. Só isso. Por enquanto.