A sentença de Sergio Moro

Acabei de ler a sentença do juiz Sergio Moro em sua integridade.

Em resumo, há uma série de provas documentais, que são corroboradas pelos depoimentos de uma série de testemunhas. Atenção: há provas documentais. As testemunhas (inclusive Leo Pinheiro) apenas as corroboram. A ligação dessas provas com a corrupção é necessária, senão nada mais faz sentido, fica uma história sem pé nem cabeça.

A última cartada da defesa (a de que a OAS teria usado o apartamento como hipoteca ou garantia de empréstimos e no seu acordo de recuperação judicial) é desmontada sem piedade pelo juiz (quem tiver interesse, está entre os números 808 a 818 da sentença).

Vai ser difícil, bem difícil, reformar essa sentença.

A alucinação e a realidade

Nestas últimas semanas estou me sentindo como o matemático John Nash, que foi muito bem retratado no longa “Mente Brilhante”.

(Atenção! Spoiler!)

Nash, ganhador do Prêmio Nobel de Economia por sua Teoria dos Jogos, sofria de esquizofrenia. Ele convivia com personagens criados por sua imaginação que, de tão reais, chegam a confundir o próprio expectador.

Uma dessas personagens é uma garotinha de seus 10 anos de idade, que o trata como um tio carinhoso. No clímax do filme, quando Nash encontra-se dividido entre a realidade e suas alucinações, ele nota que a garotinha não envelheceu, mesmo depois de anos de convivência. Esta é a chave que o convence de que aquele universo paralelo é falso.

Lembrei desse filme porque a quantidade de narrativas vem se acumulando exponencialmente nas ultimas semanas. Temer é o chefe da quadrilha? E Lula? Gilmar Mendes é bandido, ou quer manter a governabilidade? E Rodrigo Janot, está querendo derrubar Temer em conluio com a Globo? A Lava-Jato está extrapolando suas atribuições, ou todas as críticas não passam de cortina de fumaça? Quem tem razão? Quem não tem? Onde está a realidade e onde está a alucinação?

No meio disso tudo, parece-me que existe um, e somente um, elemento que pode fazer o papel da garotinha que não envelhece, aquela que nos ajudará a distinguir a realidade da alucinação: o juiz Sérgio Moro.

Moro não tem agenda política. Moro julga de acordo com as provas nos autos dos processos. Moro não dá declarações para a imprensa. Moro é um estudioso dos crimes do colarinho branco, aqueles em que as digitais dos bandidos são sutis.

Não é à toa que todos se pelam de medo de ir para Curitiba. Lá, as narrativas não colam. Lá, o que vale são as provas. Lá, distingue-se realidade de alucinação.

Abusando da paciência

Lula arrolou 87 testemunhas de defesa. Moro aceitou ouvi-las todas, desde que Lula esteja presente em todas as audiências.

Pergunta: foi Moro que abusou de sua autoridade, ou foi Lula que abusou de nossa paciência?

A garotinha que não envelhece

Já ouvi gente boa e honesta colocando reparos à operação Lava-Jato. Que haveria prisões arbitrárias. Que os procuradores se colocariam como “salvadores da Pátria”. Que o Moro atuaria na zona cinzenta da lei.

A Lava-Jato veio desafiar as estruturas de poder baseadas no crime? Ou não passam de um bando de Savonarolas, que atropelam o Estado de Direito sob o pretexto puritano de “purificar” o país?

Este “choque de narrativas” me faz lembrar do filme Mente Brilhante, que conta a história do matemático e prêmio Nobel John Nash. Nash (atenção: spoiler!) sofria de esquizofrenia, e vivia, desde a juventude, uma vida dupla: a real e a imaginária. Na imaginária, havia alguns personagens com os quais Nash convivia, entre as quais uma garotinha. No ápice do filme, quando Nash desespera-se por não saber distinguir a realidade de suas alucinações, de repente se depara com a evidência que vai definir a distinção entre uma coisa e outra: a garotinha não envelhece. Ele nota isso, e descobre o seu mundo de alucinações.

A narrativa construída, em primeiro lugar, pelo PT, e abraçada gostosamente por baluartes da moralidade como Renan Calheiros, é de que o Ministério Público e o juiz Sérgio Moro estão destruindo o Estado de Direito no Brasil, achacando testemunhas, prendendo sem provas, liberando escutas, espetacularizando a justiça, imiscuindo-se nos assuntos “interna corporis” de outros poderes da república.

Segundo esta narrativa, as 10 medidas contra a corrupção seriam, na verdade, o instrumento final da Ditadura do Ministério Público. Pior que a ditadura militar, como várias vezes ouvimos dos “defensores do Estado de Direito”.

Articulistas influentes, como Reinaldo Azevedo, e fontes insuspeitas, como o editorial do Estadão, já alinharam-se, em maior ou menor grau, a esta leitura da realidade. Não é à toa que se produziu, como definiu Deltan Dalagnol outro dia, uma “fissura” entre a opinião pública e a operação Lava-Jato. E os procuradores da operação sabem que esta fissura é a morte da operação. Sem a opinião pública a seu lado, os procuradores e os juízes são nada perto dos interesses poderosos que estão sendo desafiados.

Mas, afinal, como distinguir alucinação de realidade? Onde está a “garotinha que não envelhece”, que nos dará a certeza de que a Operação Lava-Jato está agindo dentro da lei, ou, ao contrário, está destruindo o Estado de Direito no Brasil?

Poderia aqui entrar nas tecnicalidades. Por exemplo, a de que a essência do trabalho dos procuradores é acusar, e os empreiteiros/políticos acusados exercem plenamente o seu direito de defesa, pagando os melhores advogados do Brasil. Ou que Sérgio Moro pode ter as suas decisões reformadas pelas instâncias superiores, até o STF. Ou seja, há pesos e contrapesos, de modo que a história de “justiceiros” sem lei parece fora de lugar.

Mas, para mim, a “garotinha que não envelhece” fica evidente quando vejo, de um lado, Moro e Delagnol, e do outro, Lula, Renan, Temer, e toda a cambada do Congresso. Lula, Renan, Temer, são “a velha política que não morre”. Tem algo de muito estranho, mas muito mesmo, quando vemos um baluarte da moralidade como Renan defendendo o “Estado de Direito”. A “garotinha que não envelhece” é evidente.

Não se deixe enganar por alucinações. Temos uma oportunidade única de avançar no patamar civilizatório brasileiro.

Dia 4, nos encontramos na Paulista.

O herói nacional

Todos estão reverenciando Sergio Moro como herói nacional, e com razão. Mas, lendo a entrevista de Delcidio na Veja desta semana, não podemos deixar de reverenciar outro herói, injustamente esquecido: Bernardo Cerveró.

Narrativas

16/10/2014: terceiro debate presidencial entre Aécio e Dilma, no SBT. Aécio está especialmente agressivo, e Dilma termina o debate nocauteada. O massacre foi tão forte, que Dilma perde o rumo na entrevista pós-debate. Como se enrola diante da repórter (o que não é incomum, diga-se de passagem), Dilma começa a passar mal (ou faz de conta que está passando mal, tanto faz). Senta-se, e é socorrida por João Santana. Ali nasce a estratégia “Aécio maltrata mulheres”, que roubará preciosos pontos do tucano na reta final da campanha. A durona, aquela que havia sobrevivido à tortura, o coração valente, havia sido maltratada por um monstro misógino. A mistificação colou, e o resto é história.

16/03/2016: Dilma e Lula são gravados em uma conversa telefônica, aparentemente tramando a posse antecipada de Lula como ministro, para fugir da jurisdição do juiz Moro. O telefone grampeado era de Lula, com a devida autorização judicial. Mas Dilma começa uma campanha, martelando dia e noite que a presidente foi grampeada sem autorização do STF. E mais: que houve “vazamento seletivo”, e não levantamento legal do sigilo. A mistificação está sendo repetida dia e noite, por Dilma e por todos os militantes do PT, incluindo “juristas”, com o claro objetivo de colar em Sérgio Moro o rótulo de “juiz parcial, que age ilegalmente com fins políticos”.

Funcionou com Aécio em 2014. Vai funcionar com Moro em 2016?

Estamos escrevendo a história

Lula tem razão.

Os petistas têm razão.

A Lava-Jato é política.

O juiz Sérgio Moro, estudioso da Operação Mãos Limpas, sabe que, sem o apoio da opinião pública, um juizinho de primeira instância e alguns procuradores obscuros não iriam longe contra as forças mais poderosas da República. E este apoio da opinião pública se consegue construindo uma narrativa política. Claro, os pressupostos técnicos devem estar lá, mas estão longe de bastarem. É preciso contrapor a narrativa da “perseguição”, a narrativa do “golpe”, com a narrativa da “justiça para os poderosos”. Para isto, é mister algum “show midiático”, do qual faz parte a construção do mito “Moro herói” e do “Japonês da Federal”. Obviamente, um show midiático sem provas não iria muito longe. Mas provas sem um show midiático também ficariam pelo meio do caminho.

A história dos países é feita do encontro entre instituições e homens. O instituto da delação premiada encontrou Sergio Moro e os procuradores liderados por Deltan Dallagnol, em um alinhamento que está levando o país a um outro patamar civilizatório. Não, não tenho ilusão de que o Brasil mudou da noite para o dia. As mudanças culturais acontecem muito lentamente, em um tempo medido em gerações. Mas tampouco trata-se de um processo contínuo. Ele se dá aos saltos, por força da reação a tensões acumuladas ao longo do tempo. O Brasil de hoje é fruto da reação da sociedade brasileira à ditadura militar. O Brasil de amanhã será fruto da reação da sociedade brasileira ao assalto (em todos os sentidos) das instituições por um grupo político.

Estamos escrevendo a História.

13/03: te vejo na Paulista.

Os sem-advogados

A justiça brasileira é feita sob medida para os ricos, que podem pagar caros advogados, especialistas em operar as regras garantistas.

Moro, o povo dos “sem-advogados” está com você!

Honestidade

Zé Dirceu em depoimento a Sergio Moro, sobre seus contratos de consultoria:

“Eu não vou aqui ser desonesto, faltar com a verdade, dizer que eu fiz relatórios, que eu me reunia constantemente. Qualquer empresário brasileiro que me contratou, me pediu orientação, olha, tá acontecendo isso, isso e isso…”

Só faltou dizer “eu não sou nó-cego que nem o Lulinha, que forjou um relatório de consultoria fazendo copy/paste da Wikipedia. Aqui eu falo que não tem relatório mesmo, e qualquer empresário brasileiro sabe disso quando me contrata”.