Lavagem de biografia

E continua o esforço de lavagem da biografia de Fernando Haddad, de forma a torná-lo palatável aos agentes econômicos. Hoje, temos um Haddad que criticou os dogmas da esquerda e condenou o sistema soviético. Como se isso, por si só, o transformasse no mais liberal dos petistas.

Vamos lá. Não posso opinar sobre sua monografia pois não consegui achá-la. O máximo que consegui foi o resumo na base de dados da USP, em que o futuro ministro da Fazenda afirma algo que nos é familiar: o sistema soviético não era socialista, era só uma forma primitiva de acumulação de capital. Só faltou usar o termo “real” (o sistema soviético não era o socialismo real).

Sabemos o que isso significa. O verdadeiro socialismo nunca foi implementado de verdade. Se tivesse sido implementado como manda o figurino, estaríamos no paraíso. Mas o sistema soviético desvirtuou o conceito e se perdeu.

Criticar o despotismo stalinista é bacana, mas chegou com 34 anos de atraso: Khrushchov já havia feito isso em 1956. Mas, antes tarde do que nunca. Eugênio Bucci, meu guru para assuntos das esquerdas, afirma que a tese de Haddad foi corajosa, porque “desafiou os dogmas da esquerda”.

Só se for da esquerda tupiniquim, que estava, para não variar, algumas décadas atrasadas em relação ao que acontecia no mundo.

Haddad escreveu a sua tese em 1990, depois, portanto, da queda do muro de Berlim. Naquele momento, apontar para os problemas do sistema soviético era fácil, e até necessário para livrar a cara do socialismo real. Isso, obviamente, não torna Haddad um champion da economia capitalista, como quer sugerir reportagens como as de hoje. Suas ideias sobre como funciona a economia continuam tão retrógradas quanto as de Dilma Rousseff e outros economistas do PT.

A nossa esperança é que Lula cumpra a sua promessa e seja ele mesmo o responsável pela condução da política econômica. A que ponto chegamos.

A democracia custa caro

A democracia é um bem público, mas nem por isso não custa dinheiro para ser mantida.

A democracia representativa, que é o modelo adotado pelas principais democracias ocidentais, exige a manutenção de partidos políticos. O modelo de financiamento dos partidos varia de país para país. Aqui no Brasil, depois do escândalo da Lava-Jato, o STF decidiu jogar o bebê fora junto com a água suja da bacia, proibindo a doação de empresas para os partidos e restringindo a doação de pessoas físicas. Como os partidos precisam continuar funcionando, o Fundo Partidário foi turbinado desde então, de algo como R$ 500 milhões em 2015 para R$ 1,3 bilhões agora em 2022. Não confunda esta verba com o Fundo Eleitoral, que é de R$ 4,9 bilhões somente para bancar a campanha eleitoral deste ano. O Fundo Partidário serve para manter o dia a dia dos partidos.

Em tese, ter recursos públicos para bancar os partidos políticos tem sentido. Trata-se de blindar os políticos eleitos da influência de quem tem mais dinheiro e pode financiar partidos e campanhas eleitorais. Mas isso é só em tese. Na prática, a corrupção continua sendo uma possibilidade, independentemente de quem doou o dinheiro. Na verdade, a proibição de doações empresariais foi uma benção para as empresas, não para a democracia, pois as honestas ficam livres de achaques de políticos e as desonestas continuam a corromper a um custo mais baixo.

Os partidos têm total discricionariedade no uso do fundo partidário. Por isso, todos esses gastos “denunciados” pela matéria são absolutamente legais. E, no caso em tela, também são morais, dada a particular moral dos partidos de esquerda. A vanguarda do proletariado merece (e sempre teve) um padrão de vida superior. Tentar encontrar contradição na hospedagem de Lula e Janja na suíte presidencial ou de Carlos Lupi em um resort de alto padrão no Caribe para uma reunião da Internacional Socialista (?!?) é perda de tempo. As dachas dos dirigentes soviéticos seguiam na mesma linha. Eles, assim como todos os dirigentes desses partidos, doaram suas vidas para que o proletariado tenha, em algum ponto no futuro, a felicidade da riqueza distribuída entre todos. Nada mais justo, portanto, que os dirigentes já adiantem a sua parte no pagamento desse “outro mundo possível”.

A verdadeira consciência social

Tenho um amigo que votou em Bolsonaro em 2018 e vai votar em Lula em 2022. Não pude acompanhar o seu processo de transformação, mas hoje ele se diz com muito mais “consciência social”. Ele continua usufruindo de todos os confortos de sua vida de pequeno burguês, mas passou a falar mal da “classe média” e do “imperialismo estadunidense”. Foi então que me caiu uma ficha.

Muitos apontam esse comportamento como hipócrita ou contraditório. Seria o popular “socialista de iPhone” ou “esquerda caviar”. Nada mais errado. Estes pequenos luxos são absolutamente compatíveis com a vida de quem tem “consciência social”. Ter “consciência social” não significa abrir mão da vida classe média, ou abrigar sem-teto ou menores infratores em casa ou viver em Cuba. Essas coisas são irrelevantes quando se tem “consciência social”.

E no que consiste, então, essa “consciência social”, se não em atos concretos? Simples: em empurrar a sociedade para um “outro mundo possível”. E como se faz isso? Votando em candidatos alinhados com essa agenda, que implementarão a desconstrução da “classe média escravagista, patriarcal, heteronormativa”.

Assim, a única forma de uma pessoa demonstrar que tem “consciência social” é o seu voto. Os seus atos pouco importam. Nesse sentido, por exemplo, a filantropia burguesa não passa de uma forma hipócrita de “consciência social”, se a pessoa que faz caridade não vota em um partido de esquerda. De que adianta dar migalhas do que cai da mesa dos ricos se não se vota em candidatos que vão “mudar as estruturas da sociedade”?

Escolas como a Avenues, quando convidam políticos de esquerda para dar palestras, estão justamente procurando desenvolver a “consciência social” dos seus alunos. E essa “consciência social” os levará ao ato que define a “consciência social”: o voto em candidatos de esquerda.

É irrelevante o fato de governos de esquerda terem sido desastrosos para os pobres em países como Brasil, Argentina e Venezuela. Isso é apenas um detalhe, assim como o iPhone. O que importa é desfilar “consciência social”, almejando “um outro mundo possível”, somente possível quando entregamos o governo nas mãos de políticos de esquerda. Portanto, se você ainda vê contradição e hipocrisia na “esquerda caviar”, é porque você não entendeu o real significado de “consciência social”.

Ligue os pontos

Três notícias hoje no jornal:

1. PT e PSOL se pintam para a guerra contra a proposta do prefeito de São Paulo de reforma da previdência dos servidores municipais. Hoje o déficit do sistema é de R$ 6 bilhões por ano.

2. Membros do MTST ocupam a B3 em protesto contra a fome.

3. A prefeitura diminui de 1000 para 750 as marmitas diárias distribuídas no programa Rede Cozinha Cidadã.

Ligue os pontos.

Depoimento do repórter da Globo que cobriu a queda do Muro de Berlim, que completa 30 anos amanhã.

Conta de sua emoção de estar testemunhando a história, apesar de “outros muros ainda estarem sendo construídos hoje”.

É do balacobaco!

O sujeito quer comparar o Muro de Berlim com o muro do Trump entre EUA e México. É mais ou menos como comparar o muro de um presídio com o muro que certamente protege o condomínio onde o repórter mora. E essa comparação não é nem a ideal, pois os condenados estão cumprindo pena pelos seus crimes, enquanto os alemães orientais só tiveram o azar de cair no lado errado da história.

O repórter celebra a queda do Muro de Berlim como um “congraçamento dos povos”, o que justificaria a comparação. Nada de muros que dividem as pessoas!

Congraçamento meus ovo. A queda do muro foi a libertação dos alemães orientais de um regime opressor, com resultados econômicos pífios. Até hoje os alemães orientais são mais pobres que os ocidentais, apesar dos esforços hercúleos de integração.

A queda do muro de Berlim deixou desorientada a esquerda no mundo inteiro. Transformar este evento em um “congraçamento dos povos” é uma forma de atenuar o seu real significado: o fracasso do socialismo como sistema econômico e de governo. Assim como dizer que o socialismo soviético não foi o “verdadeiro socialismo”, trata-se de uma forma de lidar com uma realidade muito dura, que destrói convicções longamente formadas.

O socialismo caiu com o muro, mas ainda vive nos corações e mentes de muitos.

Socialismo utópico

O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) apresentou projeto de lei para acabar com o desemprego no Brasil. Recortei abaixo alguns dos trechos mais interessantes.

A ideia é simples: fazer um Fundo (que seria gerido pelos sindicatos) com dotação de 20 salários-mínimos anuais por desempregado. Esse dinheiro seria distribuído aos municípios, que contratariam mão de obra pagando um salário-mínimo por empregado. Como tem 13o, férias, FGTS, etc, resulta em 20 salários mínimos por ano por empregado.

Considerando que temos 11 milhões de desempregados, o impacto fiscal da criação desse fundo seria de R$220 bilhões/ano no 1o ano. Como a imensa maioria dos desempregados não ganharia um salário mínimo na iniciativa privada, estes desempregados, agora “empregados” pelo Estado, teriam pouco incentivo em sair do Fundo. Portanto, podemos extrapolar este gasto para os anos seguintes. Seriam algo como R$2,2 trilhões em 10 anos. Lembre que estamos comemorando economia de R$800 bilhões na reforma da Previdência nesse mesmo período.

O que me chamou a atenção é que esse projeto tem toda a pinta de ter sido elaborado por “técnicos”. Há preocupação em mostrar que “haverá um choque positivo de oferta” e que “não causará desequilíbrio externo”. São respostas a questões técnicas importantes, que vão além do “saber” de um deputado federal. Obviamente, essas “respostas” não respondem nada. “Choque de oferta” existe quando se investe em capacidade produtiva. Desde quando distribuir um salário mínimo por desempregado aumenta a capacidade de produção do país? Só em mentes perturbadas.

Mas o mais interessante foi a utilização do MMT – Modern Monetary Theory – para justificar o projeto. Estava demorando. André Lara está sendo citado nominalmente, porque foi o responsável por trazer essa estrovenga para o Brasil. Segundo a MMT, o governo não teria restrição fiscal, pois é o emissor da moeda que tem curso forçado, e é a única possível de ser utilizada para o pagamento de impostos. Assim, pode emitir moeda à vontade, todos são obrigadas a aceitá-la.

O que dizer? Bem, o próprio André Lara diz que não é qualquer gasto governamental que se justifica, é preciso que sejam gastos de “boa qualidade”, o que quer que isso signifique. De qualquer forma, o próprio autor do projeto reconhece que o governo tem restrição: a própria “realidade”, que é a capacidade de produção do país. Por isso, diz, é preciso tributar os agentes econômicos, não para financiar o governo, mas para DIMINUIR SUA CAPACIDADE DE CONSUMO. Então, o país funcionaria do seguinte modo: o governo investe em salários, não aumenta a capacidade produtiva e diminui o poder aquisitivo da população via impostos para não pressionar a inflação. No final, estaremos todos sem produção mas com o salário em dia, pago pelo governo que emite moeda sem restrição. O problema será somente ter o que comprar. Mas isso é só um detalhe.

Nesse contexto, como não poderia deixar de ser, a austeridade é demonizada. Como o país pode emitir moeda à vontade, a austeridade somente serviria para aumentar o desemprego, “domando” assim a mão de obra, e para diminuir o papel do Estado na diminuição das desigualdades. Coisa de gente muito má. Não custa lembrar que a não restrição orçamentária já foi testada. O laboratório foi a Venezuela. Basta ver o que aconteceu por lá.

Por fim, o trecho que mais me chamou a atenção. Vou transcrever: o projeto “avança na construção de uma lógica de administração de caráter participativo e inclusivo, substituindo a ênfase na concorrência entre indivíduos pela cooperação social. Dessa forma, dissemina-se uma lógica de comportamento que PREPARA A SOCIEDADE PARA UMA TRANSFORMAÇÃO MAIS PROFUNDA” (ênfase minha).

Ou seja, toda essa baboseira de soberania monetária, choque de oferta, MMT, tudo isso serve, na verdade, para preparar o país para uma “transformação mais profunda”. Leia-se socialismo, onde o governo paga o salário de todo mundo, e todos são obrigados a serem felizes. O fato dessas ideias estapafúrdias, que já fizeram a infelicidade de muitos países e jogaram o Brasil em sua mais profunda recessão, estarem sendo patrocinadas por um partido que quer explicitamente implantar uma sociedade socialista, não é mera coincidência.

Lógica incompreensível

O território da Venezuela situa-se sobre as maiores reservas de petróleo do mundo. Maiores até do que as dos países do Oriente Médio. Mas falta gasolina nos postos de Caracas.

As gigantescas reservas de petróleo da Venezuela são comumente associadas à cobiça dos EUA, e motivo último de seus interesses sobre a região. Segundo a narrativa esquerdo-debiloide, os estadunidenses estariam interessados em implantar ali um governo-fantoche de modo a controlar as reservas. Por isso, estão estrangulando o regime chavista com um bloqueio econômico que está deixando à míngua a pobre população venezuelana.

A coisa não tem a mínima lógica. Senão, vejamos.

Apesar de estar sentada sobre as maiores reservas do mundo, as bombas de gasolina estão vazias. Por que? Ora, petróleo não é gasolina. É preciso encontrá-lo, tirá-lo da terra e refina-lo, em um processo industrial complexo, para que o ouro negro tenha alguma serventia. Caso contrário, só servirá para sujar as mãos de presidentes populistas em ridículas campanhas de “o petróleo é nosso”.

Pois bem. Para prospectar, extrair e refinar petróleo, são necessários capitais de risco. Como toda atividade econômica, a indústria de petróleo envolve riscos. Risco de encontrar poços vazios, risco da queda da produtividade de poços já funcionando, risco da demanda por combustíveis fósseis, risco do preço do petróleo no mercado internacional. Roberto Campos dizia que era uma imbecilidade colocar em risco o dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos em uma atividade que poderia muito bem ser financiada por capitalistas de risco. Mas enfim, essa foi a opção na maioria dos países. Em países desenvolvidos, como a Noruega, o dinheiro do petróleo foi usado para fazer uma poupança de longo prazo. Nos países cucarachos, foi gasto em uma orgia populista até o país quebrar, como foi o caso da Venezuela.

Como dizia então, para que o petróleo saia do solo e chegue aos tanques de combustível são necessários capitais. Capitais esses que, em um regime capitalista, estão nas mãos dos capitalistas de risco. Já em um regime socialista, os capitais têm origem nos impostos pagos pelos cidadãos. Ocorre que, como sobejamente sabido, os capitalistas são muito mais competentes no uso de seu próprio capital do que o Estado no uso dos impostos. Sem contar a corrupção do sistema.

Bem, a Venezuela optou por um regime socialista, e o petróleo é deles. Ao mesmo tempo, os chavistas culpam o bloqueio econômico duzamericanu pela situação de penúria do país, inclusive pela falta de gasolina. Ora, se os capitais estadunidenses não são bem-vindos, por que reclamar do bloqueio? O Estado venezuelano não teria capitais suficientes para produzir sua própria gasolina? Aqui reside a falta de lógica da argumentação esquerdista: ao mesmo tempo que rechaça o capital dos capitalistas, aponta o bloqueio econômico como fator fundamental para a penúria em que o país vive, ao não deixar entrar o capital que não é bem-vindo pelos venezuelanos. Vai entender! (Não vou aqui nem entrar no mérito dos capitais chineses que vêm sustentando a ditadura chavista. Afinal, imperialistas são os EUA).

Eu sei que tentar extrair alguma lógica de narrativa esquerdista é uma tarefa complexa. Mas não desistirei, continuarei tentando.

O “verdadeiro” socialismo

Mujica condenando mais um regime de esquerda (no caso, o de Maduro) por não ter implementado o “verdadeiro socialismo”.

Gostaria sinceramente de saber a receita de como “socializar” sem antes “estatizar”. Mujica não nos brinda com nenhum exemplo de onde esse “socialismo utópico“ foi implantado com sucesso.

Mujica parece conhecer a diferença entre “socialismo utópico” e “socialismo na prática”. Por isso, ele continua sendo um utópico inofensivo. Porque enquanto o socialismo permanece preso aos livros, não faz mal a ninguém. O problema ocorre quando salta da teoria para a prática. A Venezuela é somente mais um exemplo.

A mentalidade socialista

A queda do muro de Berlim e a unificação da Alemanha completarão, no ano que vem, 30 anos.

Estes 30 anos não foram ainda suficientes para desfazer o mau que o socialismo fez em quase 45 anos de poder.

Claro, para fazer essa afirmação, é preciso saber a diferença de desenvolvimento entre as duas regiões antes da Guerra. Meu palpite é de que a região oriental era mais rica, dado que a capital, Berlim, se encontrava lá. Mas é um mero palpite, não tenho conhecimento a respeito.

De qualquer forma, os números sugerem que a questão não é meramente monetária. Não bastaram toneladas de investimentos para nivelar as duas regiões. A questão deve passar pela mentalidade: duas gerações cresceram sob o socialismo, em que o Estado provê tudo e o esforço individual conta muito pouco. A reversão dessa mentalidade exige mais do que dinheiro.