Shame on you, Musk!

Ah lá, o Elon Musk de novo se aproveitando das benesses do Estado para impulsionar seus negócios. Dessa vez são os contribuintes europeus que vão pagar a conta desse capitalista até a página 2. Só porque a estatal europeia de foguetes, a Arianegroup, não está conseguindo entregar seus foguetes no prazo? Shame on you, Musk! Você deveria recusar essa encomenda e deixar os europeus para trás na corrida por colocar satélites em órbita. Assim, não seria acusado de crescer “às custas do Estado”.

O empresário é insubstituível

Já tive oportunidade de escrever aqui sobre uma falácia que sempre acompanha o nome de Elon Musk: a de que ele não seria nada não fosse a mão visível do governo dos Estados Unidos, em oposição à mão invisível do mercado. Está mãozinha estatal se daria na forma de subsídios para carros elétricos e polpudos contratos da NASA para as espaçonaves da Space X. Sobre os subsídios, recomendo a leitura do meu artigo Os Negócios de Elon Musk com o Governo Americano.

No jornal de hoje, ficamos sabendo que o governo brasileiro vai contratar a Starlink para conectar escolas na região amazônica, pois é a única empresa que fornece velocidade de 50 Mb. Bem, acho que vou substituir meu plano da Vivo por um da Starlink também…

Piadas à parte, é bem possível que, daqui a algum tempo, os crentes do Estado dos barzinhos Vila Madalena venham com a história de que Musk não prosperaria não fosse a mãozinha do governo brasileiro. Eu sei, é ridículo, mas, como sabemos, não há limites para o ridículo.

De qualquer forma, o contrato da Space X com a NASA chegou a ser uma parte relevante do negócio de Musk (hoje não mais). Ele próprio, em uma entrevista, reconheceu a importância desse contrato para a sobrevivência de seu negócio. Mas eis que, em reportagem publicada na sexta-feira, ficamos sabendo que a Boeing também firmou contrato com a NASA para o fornecimento de espaçonaves. A diferença para a empresa de Elon Musk é que a Boeing não entregou nada. Zero.

O grande erro de avaliação do papel do Estado é achar que sua ação é necessária E suficiente, e que empresários como Elon Musk seriam dispensáveis ou, no máximo, intercambiáveis. No limite, o próprio Estado poderia ser o empresário, dado que esse personagem, na melhor das hipóteses, não faria diferença, e na pior, cobraria sua parcela de lucros para não fazer nada que o Estado não pudesse fazer.

O outro extremo, o de que o Estado não seria necessário nem suficiente, também não é verdadeiro. Em certos setores embrionários e estratégicos, como é o caso das viagens espaciais, ou em que o Estado tem um papel relevante, como o da educação pública, ações do Estado podem fazer a diferença. Não como empresário, mas como financiador e consumidor.

Os episódios da Boeing e da Starlink mostram que o empresário faz TODA a diferença. No caso específico da internet nas escolas, causa uma sensação curiosa ver os nomes da Starlink e da Telebras no mesmo parágrafo. É a mesma sensação de estranheza que teríamos ao ver um homem das cavernas chegando em uma máquina do tempo ao século XXI. Se nem a Boeing conseguiu competir com Musk, imagine a Telebras. Pois é esse tipo de ilusão que mantém vivas as estatais brasileiras. Todas elas, sem exceção.

Os negócios de Elon Musk com o governo americano

O colunista Pedro Doria pratica, em sua coluna de ontem, um de seus esportes favoritos: criticar os grandes Titãs da tecnologia. No capítulo de hoje, temos a questão do perigo representado por Elon Musk, um sujeito instável com um poder estratégico além da imaginação. Mas aqui não vou analisar esse “problema”. Vou me ater a uma crítica bastante comum ao criador do PayPal, da Tesla, da SpaceX e da StarLink: a de que Musk não seria nada se não fossem os subsídios do governo e, portanto, sua crítica ao Estado grande e generoso seria uma incoerência e, no final das contas, uma falta de gratidão.

Sempre achei pouca lógica nesse raciocínio. Afinal, os subsídios estão lá, em tese, para todos, mas existe um só Elon Musk. Ou seja, não é que os subsídios tenham sido dados para Musk porque só poderiam ter sido concedidos para sul-africanos com nome começado por “E”. Não. Todos tiveram acesso, mas nem todos aproveitaram. Além disso, certamente outros empresários se beneficiaram de subsídios, mas somente um criou a Tesla. Subsídios não necessariamente fazem bilionários. É preciso também ter o dom.

Mas, vejamos pelo ângulo oposto: a Tesla teria sido possível sem os subsídios? Ou, de outra forma, teriam sido os subsídios condição necessária, ainda que insuficiente? Fui atrás dos números: a Tesla obteve cerca de US$ 3,3 bilhões entre subsídios e empréstimos governamentais. Por outro lado, levantou cerca de US$ 19 bilhões em capital desde que foi fundada, em 37 rodadas de captação de recursos, sendo a última no dia 15/08 passado.

Você realmente acredita que, não fossem os subsídios, a Tesla não conseguiria o capital necessário para as suas operações? O que aconteceu é que esses US$ 3 bilhões de subsídios estavam na mesa, e Musk foi lá e pegou. Se não estivessem, ele poderia ter levantado esses recursos como levantou os outros U$ 19 bilhões. Hoje, a Tesla vale US$ 750 bilhões na Nasdaq. US$ 3 bilhões? Faça-me o favor…

Os contratos com a NASA são uma coisa diferente. No caso, não se trata de subsídios, mas de um cliente que viabiliza a empresa, no caso, a SpaceX. O próprio Musk admitiu em uma entrevista que, sem o contrato com a NASA, a SpaceX teria quebrado.

Musk tem um objetivo claro com a SpaceX: colonizar Marte. Para viabilizar esse objetivo, a empresa precisa, antes, mostrar viabilidade comercial. Para tanto, precisa conquistar clientes, em um mercado onde a concorrência é feroz. A NASA decidiu contratar a SpaceX não como uma benemerência, mas porque a empresa oferecia o melhor custo/benefício para os serviços que a agência espacial precisava contratar, dentre todos os concorrentes da empresa de Musk. Deve ser realmente difícil se estabelecer nesse mercado sem conquistar contratos com o maior cliente do setor, que calha ser uma agência governamental.

É realmente curioso como as mesmas pessoas que clamam por subsídios e defendem o papel fundamental do Estado em determinados setores apontam um dedo acusador para os empresários que aproveitam essas vantagens para “vitaminar” suas empresas. O que querem, afinal? Que anjos celestes empreendam?

Há nisso tudo uma visão estilizada da realidade. Um empresário como Musk, que defende o primado da liberdade de empreender, só pode ser contra qualquer participação do Estado na vida da sociedade. Isso se chama anarquismo, não liberalismo. O que ocorre é que esses mesmos que esfregam na cara de Musk o fato de que suas empresas têm muitos pontos de contato com o Estado (como não tê-los?), na verdade usam essa “contradição” para defenderem a presença do Estado em âmbitos onde a iniciativa privada desempenha de maneira superior. Aliás, a própria NASA reconheceu isso, ao encomendar foguetes da SpaceX, e não fabricá-los ela própria. Trata-se de uma falsa dicotomia, explorada para fins meramente políticos. Só isso.