Pouca gente deu importância a essa notícia. Eu guardei. A senadora Damares Alves, bolsonarista raiz e incorruptível, não teria motivo para elogiar Zanin, a não ser que fosse um elogio sincero.
Em qualquer teste de alinhamento ideológico, temos 4 quadrantes, divididos em posicionamentos sobre economia e sobre costumes. O sujeito pode ser conservador em termos de costumes e estatista em termos econômicos, por exemplo. Ou, ao contrário, ser progressista em termos de costumes e liberal em termos econômicos. Esse é o caso de Luís Roberto Barroso, por exemplo.
Zanin, em seu papo com Damares, deve ter deixado claro seu posicionamento conservador em matéria de costumes. De outro modo, não teria merecido um elogio público da senadora. Claro que ele poderia ter defendido posições conservadoras apenas da boca para fora, mas o voto dos bolsonaristas não eram realmente necessários para a sua aprovação. Então, desconfiei que o posicionamento era sincero. As duas votações de Zanin na seara de costumes até agora confirmaram minha desconfiança. E desconfio também que ele está no time de Barroso e Fux no campo econômico, mas isso só saberemos ao longo das votações sobre temas correlatos.
De qualquer modo, os petistas estão pistola com a indicação de Lula. E se eles estão tristes, eu estou contente.
Fico cá imaginando como vai se sentir uma das partes de um julgamento, sabendo que o juiz de sua causa é casado com o advogado da outra parte. Não deve ser uma sensação muito confortável.
O argumento para o liberou geral é risível: seria “impossível”:fazer esse controle. Como se fosse difícil para o juiz saber onde seu cônjuge ou seus filhos trabalham. E, mesmo que fosse realmente difícil, a lógica não para em pé: se a norma é difícil de ser cumprida, não é acabando com ela que se resolve o problema. O representante da Transparência Internacional lembra que, hoje, é relativamente tranquilo fazer o tracking de relações entre CNPJs. Ou seja, há formas de lidar com a questão sem que o bom princípio seja jogado no lixo.
O STF inaugurou o país em que um juiz é considerado parcial com base em provas obtidos de forma criminosa, mas é considerado imparcial mesmo que o advogado de uma das partes durma em sua mesma cama.
A empresa nunca fez muita questão de parecer correta. Ao contrário de Meta ou Google, com sedes na disneylândia do politicamente correto, o Telegram pertence a um empreendedor russo. Já viu, né? Se nem a lei é propriamente um guia, quanto mais detalhes de convivência civilizada. O Telegram, como dizemos, está C&A para o que pensam ou dizem as autoridades brasileiras.
No entanto, mesmo com esse background, seu texto de hoje pareceu algo fora de contexto. Apesar de o PL das Fake News já ter sido retirado de pauta, e ter se decidido fatiá-lo para votar somente a parte de remuneração da mídia, vem o Telegram e entra com os dois pés no peito, lembrando muito um volante estabanado que faz uma falta violenta completamente descenecessária no meio de campo, em um lance sem perigo, e recebe o cartão vermelho.
Mas, com todo esse burburinho sobre jogadores que protagonizam lances estranhos, é de se desconfiar quando um jogador provoca a própria expulsão, assim, do nada. E foi mais ou menos isso que o Telegram fez.
Nem a maçaneta da porta de entrada da sede do Telegram achava que uma mensagem daquela iria passar incólume. No entanto, tratava-se de um risco calculado: o STF teria que ser muito macho para suspender o serviço no Brasil (usado por milhares de pessoas), ou mesmo estabelecer uma multa bilionária (milionária ok, valeria pela causa). A reação do STF foi aquela esperada, e acho que saiu melhor que a encomenda: a censura do conteúdo postado pelo Telegram, e a imposição de um texto escrito pelo próprio ministro, em uma demonstração on the job daquilo que o ministro diz não existir.
A pergunta que deve ser feita é a seguinte: depois dessa demonstração de força do STF, os deputados estão mais ou menos propensos a votarem a favor do PL das Fake News? A depender da resposta, saberemos quem se aproximou mais do seu objetivo, o Telegram ou Alexandre de Moraes.
O Telegram chutou o pau da barraca, e resolveu enviar para toda a sua base de usuários um texto descascando o PL das Fake News. Eu printei a mensagem antes que o aplicativo fosse obrigado a retirar a mensagem de sua página ou, pior, fosse tirado do ar. Vamos analisá-la.
O Telegram começa de maneira pouco diplomática, afirmando que a democracia estaria sob ataque no Brasil. Trata-se de uma opinião forte, que não se espera de uma comunicação corporativa, mas, ainda assim, uma opinião. A empresa não determina quem estaria atacando a democracia, mas entende-se que sejam os patrocinadores do PL.
Em seguida, a empresa afirma que o PL, da forma como está, poderia forçar, inclusive, o encerramento das suas atividades no Brasil. Alguns poderiam alegar que se trata de uma chantagem barata, mas a empresa pode, por suposto, ameaçar fechar suas portas a qualquer momento. Esta ameaça pode ou não ser crível, mas não parece ser um crime.
A seguir, afirma que o PL “concede poderes de censura ao governo”. Parece uma afirmação exagerada ou imprecisa, na medida em que este “poder” do governo é apenas indireto, ao exigir que as plataformas removam conteúdos inadequados. O problema do PL (e veremos isso no próximo parágrafo) é delegar às plataformas o poder de definir o que pode ou não pode ser publicado, elevando as plataformas ao status de juízes de conteúdo, sob pena, e esta é a crítica do Telegram aqui (e, de resto, de todas as outras plataformas), de serem consideradas coniventes. Ou seja, não é exato dizer que o governo será um censor, mas na medida em que as plataformas forem penalizadas por não removerem conteúdos que juízes ou agências do governo considerem inadequados, o governo passa a ter um poder discricionário sobre as plataformas que, na prática, as obriga a serem a longa manus do governo quando se trata de conteúdo na internet.
No parágrafo seguinte, o Telegram é exato ao afirmar que o PL “transfere poderes judiciais aos aplicativos”, ponto que eu já havia levantado no post em que analiso o PL. O resultado, como adiantei, é que as plataformas aplicarão critérios apertados, levando a uma hipercensura de conteúdos. Uma ameaça de morte é relativamente fácil de classificar como crime. O problema, claro, ocorre quando opiniões políticas ou de costumes podem ser classificados como “discurso de ódio” ou “ataques à democracia”. As plataformas não querem esse tipo de responsabilidade, pois não têm os instrumentos nem a legitimidade para tanto. Aliás, o próprio tratamento dado pelo STF a este texto do Telegram mostra o quão pantanoso é esse terreno.
Em seguida, a empresa afirma que o PL “cria um sistema de vigilância permanente”. Bem, isso é verdade, não opinião, está lá no art. 11: “os provedores devem atuar diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços, envidando esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros, que possam configurar:”, e seguem-se os crimes que as plataformas precisam vigiar, incluindo “crimes contra o Estado Democrático de Direito”, com base em decreto de 1940, editado por ninguém menos do que o ditador Getúlio Vargas!
O problema é que o Telegram ousou afirmar que este é um sistema “semelhante ao de países com regimes antidemocráticos”. Bem, isso é a opinião do Telegram. Pode estar certa, pode estar errada, mas não me parece que esta afirmação em si atente contra o Estado Democrático de Direito.
Por fim, o Telegram diz que o PL seria desnecessário, pois o país já “possui leis para lidar com as atividades criminosas que esse projeto de lei pretende abranger”. Daí, em seu estilo incendiário, o Telegram afirma que o PL “visa burlar essa estrutura legal, permitindo que uma única entidade administrativa regule o discurso se supervisão judicial independente e prévia”. Bem, o Telegram está desatualizado, pois essa parte (o da entidade supervisora) foi retirada do PL. Mas, mesmo assim, parece forte demais afirmar que o PL tem como objetivo “burlar” a atual estrutura legal, o que poderia ser interpretado como uma acusação de desonestidade por parte dos congressistas que estão por trás do PL.
No fim, o Telegram sugere que o que vai acima “apenas toca a superfície” do problema. Trata-se de recurso retórico, é óbvio que o problema está todo descrito aí acima. Além disso, menciona Google e Meta, trazendo para a arena outras empresas que também publicaram suas análises sobre o PL, inclusive com o link para essas análises. Obviamente, Google e Meta trataram de dizer que não têm nada a ver com o discurso incendiário, mas os links não mentem.
O STF (ministro Alexandre de Moraes) ordenou que o Telegram tirasse a mensagem de sua página, e substituísse por um texto em que afirma que a mensagem anterior do Telegram caracterizou FLAGRANTE e ILÍCITA DESINFORMAÇÃO” (assim mesmo, em caixa alta) contra nada menos que “o Congresso Nacional, o Poder Judiciário, o Estado de Direito e à Democracia Brasileira”, pois teria cometido fraude ao distorcer a discussão e os debates sobra o PL, “na tentativa de induzir e instigar os usuários a coagir os parlamentares”.
Que o Telegram, fiel ao seu estilo, não foi nem um pouco delicado ao tratar o assunto, não resta dúvida. Seu texto é forte, acusando, de várias formas, os defensores do PL de atacarem a democracia. Agora, daí vai uma distância imensa ao cometimento de algum crime tipificado, que merecesse a intervenção do judiciário. O Google publicou um texto muito mais bem-educado, e mereceu o mesmo fatwa dos representantes do Estado brasileiro. De onde se conclui que o problema não foi a forma, mas o conteúdo.
Chego a duvidar que este texto entre aspas tenha sido mesmo escrito por um ministro da Suprema Corte. O tom do texto consegue rebaixar-se ao mesmo nível do texto do Telegram, em uma falta de serenidade que fica bem para panfletos, não para decisões judiciais. Isso na forma. No conteúdo, fico realmente preocupado quando um texto de críticas a um PL, por mais que seja de uma parte interessada, por mais que tenha frases fortes, é considerado um “ataque à Democracia Brasileira”. Se esse texto do Telegram não pode, o que pode? Quem define o que pode ou não pode? Qualquer texto contra o PL das Fake News seria, por definição, anti-democrático? Preciso começar a me preocupar com o que eu escrevo aqui?
Mas o que mais me faz desconfiar de que essa retratação do Telegram não foi escrito por Alexandre de Moraes é a crase antes do verbo em “à coagir”. Nunca um ministro do STF cometeria um erro gramatical desse naipe.
Na época do petrolão e da campanha pelo impeachment, um de meus esportes prediletos era sintonizar o Jornal Nacional nos dias de revelações “picantes”. Não tanto para me manter informado, mas mais para entender para onde estavam soprando os ventos dessa coisa chamada “opinião pública”.
Nesse sentido, é muito útil ler o editorial do Estadão. Não que eu concorde com tudo o que vai lá. Na verdade, se houvesse um concordômetro, talvez estivesse marcando algo como 70%. Mas não é este o ponto. A questão é entender para onde estão soprando os ventos da opinião pública. Por exemplo, foi nos editoriais do Estadão que, pela primeira vez, comecei a ler críticas à Operação Lava-Jato fora dos círculos petistas. Não concordava com nada do que lá se escrevia, mas não podia deixar de notar que a operação já estava incomodando uma parcela da opinião pública que não necessariamente era parte interessada. Comprovei este ponto quando me reuni com um cliente que não tinha nada de petista, e ele repetiu mais ou menos o mesmo arrazoado do editorial.
Este longo preâmbulo vem a propósito do editorial de hoje, que esculacha o ministro Alexandre de Moraes, a ponto de chamá-lo “Sr. Moraes” no título. Só faltou apodá-lo de “esse cidadão”. Isso significa que a resistência ao ministro do STF transbordou dos círculos bolsonaristas e vem ganhando a “opinião pública”. O editorial forma a opinião e é formado pela opinião pública, em uma simbiose com fronteiras de difícil definição.
O fato, e eu já venho chamando a atenção para isso há algum tempo, é que a chavinha de insatisfação com o Supremo na opinião pública está virando, e de Guardiões da Democracia, estão se tornando Ditadores da Democracia. Nada disso estaria acontecendo se os ministros fossem antes Guardiões da Constituição, antes de se preocuparem em defender a democracia.
Ouvi dizer que esse mesmo arrazoado de Felipe Neto vem sendo usado por jornalistas, como Natuza Neri. Faz sentido?
O artigo 19 do marco civil da internet reza o seguinte:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Seguem-se 4 parágrafos com detalhamento sobre como e em que condições se deve dar a ordem judicial.
Ou seja, o artigo 19 do MCI garante justamente a não responsabilização solidária dos provedores por danos decorrentes de conteúdo de terceiros, o que, convém destacar, tem o objetivo de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. O que tem a ver uma coisa com a outra, poderá perguntar o leitor. Respondo: no momento em que os provedores tornam-se responsáveis pelo conteúdo de terceiros, haverá uma tendência natural de auto-proteção por parte desses mesmos provedores, que ficarão hipersensíveis a qualquer conteúdo que possa ser considerado nocivo pelo órgão regulador ou pela justiça. Isso poderia resultar em uma ameaça à liberdade de expressão por parte dos provedores, pois, em seu afã de se auto-protegerem, poderiam hipercensurar os conteúdos da rede. O espírito desse parágrafo é justamente evitar que ocorra algo do tipo.
O que propõe o PL 2360? Em seu artigo 6, o PL diz o seguinte:
Art. 6º Os provedores podem ser responsabilizados civilmente, de forma solidária:
I – pela reparação dos danos causados por conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma; e
II – por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros quando houver descumprimento das obrigações de dever de cuidado, na duração do protocolo de segurança de que trata a Seção IV.
Já tive oportunide de falar sobre esse tal “protocolo de segurança” em um post ontem. O fato é que, na prática, este artigo REVOGA O ARTIGO 19 DO MCI.
Então, o que Felipe Neto está dizendo é mais ou menos o seguinte: se você não der um tiro na cabeça agora, eu te mato. Obviamente, os provedores não vão dar um tiro em suas próprias cabeças, vão esperar que o STF os mate, desfilando seus doutos argumentos sobre o por quê o artigo 19 do MCI seria inconstitucional, quando seu objetivo é justamente proteger uma cláusula pétrea da Constituição, qual seja, a liberdade de expressão.
Mas o lado mais meigo desse argumento de Felipe Neto é a ameaça autoritária: se o PL não for aprovado pelos deputados, então a fúria do STF cairá sobre nossas cabeças. Como se os deputados só tivessem à disposição uma só opção, votar “sim”. Não sei porquê, lembrei da ameaça de fechamento do Congresso por parte do governo Costa e Silva quando os deputados se recusaram a cassar um colega por críticas à caserna.
Está aí como, em um único tuíte, medimos as convicções democráticas de nossos democratas.
PS.: Felipe Neto não entende de leis, entende de tuítes. Se ele escreveu isso aí, foi porque alguém assoprou. Quem será?
O ministro da Justiça, Flávio Dino, chegou à conclusão correta: toda essa discussão sobre a PL das Fake News é ociosa. No final, o STF e “outras agências do Estado” resolverão o problema. Ontem, o ministro Alexandre de Moraes já chamou na chincha os diretores das Big Techs. Daí para encontrar alguma alínea de nossa profícua Constituição que justifique multas e até prisão é piece of cake. Se até Flávio Dino, recém-chegado ao ministério, já encontrou uma forma de tascar uma multa de um milhão por hora ao Google com base no Código de Defesa do Consumidor (?!?), ao ministro do STF certamente não faltará criatividade.
Aliás, editorial do Estadão de hoje chama a atenção justamente para a invasão de competência do STF no caso da determinação do índice de correção do FGTS, assunto que deveria ser tratado pelo Legislativo.
A conclusão que chegamos é que tanto faz o que vai escrito na Constituição. No limite, poderia haver apenas um artigo, rezando algo assim:
Constituição do Brasil
Artigo único: é direito de todos os brasileiros serem felizes.
Parágrafo único: revogam-se todas as disposições em contrário.
Pronto. A partir daí, os luminares do STF decidiriam todas as questões com base no que acham que seja o belo, o bom e o justo. É basicamente isso que nos está dizendo o ministro da Justiça (não sem razão). Nesse mundo de Flávio Dino, a tarefa dos Congressistas se limitaria a aprovar emendas parlamentares, desde que cumprissem o mandamento de fazerem todos os brasileiros felizes. Senão, nem isso.
O sociólogo Jessé Souza defende, em artigo de hoje, a indicação de um jurista negro para a vaga a ser aberta pela aposentadoria de Ricardo Levwndowski. Mas, ele deixa claro, não pode ser qualquer negro. Precisa ser um legítimo defensor das “causas populares”, e não exercer o cargo para replicar o racismo, travestido de “luta contra a corrupção”. Uma clara alusão a Joaquim Barbosa, primeiro negro a alcançar a suprema corte e estrela máxima do processo do Mensalão.
Alguém como Joaquim Barbosa, apesar de seu exemplo de superação e de suas ideias à esquerda (como ficou claro em suas tentativas de candidatar-se à presidência) não serve. Barbosa cometeu a heresia das heresias, que foi condenar a cúpula do PT por corrupção. E isso seria “reproduzir o falso moralismo das elites brancas”. Foi o suficiente para ser merecedor do fatwa do movimento negro politicamente engajado.
Assim como Bolsonaro tinha o seu “negro de estimação” (assim como o seu índio e o seu gay), Lula também conta com um movimento que, acima de tudo, está ali para defender o “partido das causas populares”, mesmo que isso signifique compactuar com o crime, revestindo-o de belas teorias. No fundo, os negros e outras minorias se deixam usar na pura e simples política partidária.
Pode-se argumentar que a luta contra o racismo é, antes de mais nada, uma luta política. Portanto, para combatê-lo, é preciso engajar-se. Justo. O problema está em confundir o engajamento político com o apoio a determinado partido, como se partido e “causas populares” se confundissem. Joaquim Barbosa, ao condenar a cúpula do PT, não estava sendo racista. Estava cumprindo a lei. Se isso o descredencia para o cargo que ocupou aos olhos de certo movimento negro, fica clara a natureza desse movimento.
Dois editoriais do Estadão começam a reconhecer que os democratas do país compraram gato por lebre.
No primeiro, lamenta-se que Lula não seja o estadista que a hora do País pede, mas apenas o chefe de um grupelho político revanchista, que insiste em chamar de golpe um processo absolutamente democrático.
No segundo, pede-se ao STF (leia-se Alexandre de Moraes) que seja mais específico na fundamentação de suas decisões em relação à cassação do direito de cidadãos expressarem-se em redes sociais.
Por enquanto, o tom é apenas de lamento e advertência. Mas são os primeiros sinais de que os democratas do País estão incomodados. Lula e Alexandre de Moraes foram instrumentais para que a democracia brasileira expelisse um corpo estranho, Bolsonaro. Agora, começam a “descobrir” que alimentaram um monstro.
Na trilogia Jogos Vorazes, ocorre uma revolução para a deposição do presidente autoritário que comanda o país com mão de ferro. Essa revolução é comandada por uma mulher que, ao assumir o poder, mostra que atuará com um revanchismo que se assemelha muito ao modus operandi do presidente deposto. Em determinado momento, em uma reunião, os democratas se entreolham, sentindo o mesmo desconforto do editorial do Estadão. No filme, dão um jeito no projeto de ditadora. E aqui no Brasil?
Excelente matéria hoje, no Estadão, relembra o histórico e analisa as ações do STF, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes, no combate aos chamados “atos contra o Estado Democrático de Direito”.
De todos os juristas entrevistados, o testemunho do desembargador aposentado, Wálter Maierovitch, é o mais simbólico de toda essa história. Maierovitch afirma que tudo o que Alexandre de Moraes está fazendo encontra-se à margem do sistema jurídico brasileiro, mas se justifica porque o “sistema de pesos e contrapesos” da democracia brasileira deixou de funcionar, com o Congresso não votando pelo impeachment do presidente.
Com esse cândido reconhecimento de que os fins justificam os meios, o ex-desembargador se junta à ministra Carmen Lúcia, que afirmou ser contra qualquer tipo de censura em uma decisão em que ela própria censurava um vídeo “pelo bem da democracia”. Maierovitch e Carmen Lúcia fazem parte daquele clube de juristas que acreditam que “a história deve ser empurrada para frente”, caso as instituições não cumpram o seu papel. No caso, trata-se do conceito, abordado na reportagem, de “democracia militante”, em que as instituições democráticas devem usr todos os meios para defender-se, mesmo aqueles fora do Estado Democrático de Direito. Trata-se de um bom debate.
A reportagem faz o paralelo com a operação Lava-Jato, que teria igualmente atropelado o devido processo legal para prender políticos corruptos. Esse paralelo é, obviamente, uma falácia. Basta três segundos de raciocínio para concluir que todas as decisões da Lava-Jato foram revisadas e referendadas por duas instâncias superiores da justiça. Por outro lado, a única instância revisora do inquérito do fim do mundo é o próprio colegiado do STF, que aprovou a sua continuidade com um acachapante 10 x 1. A partir daí, Alexandre de Moraes tem agido sozinho, sem revisão alguma de suas decisões, a não ser em casos muito particulares, como o da prisão do deputado Daniel Silveira. Não, não há termos de comparação entre o inquérito das fake news e a operação Lava-Jato.
A quebradeira em Brasília parece ter dado razão ao ministro e a todos os apoiadores de seus atos. Afinal, era disso que se tratava desde o início, evitar que os golpistas atentassem contra as instituições democráticas. Nesse sentido, no entanto, podemos dizer que Alexandre de Moraes falhou miseravelmente em sua missão, ao não evitar que as coisas chegassem a esse ponto. Cada caco de vidro no chão dos três poderes é testemunha de seu lamentável fracasso. Poder-se-ia pensar que o inquérito das fake news evitou algo ainda pior. Resta saber o que poderia ser pior. A reeleição de Bolsonaro?
A matéria começa afirmando que, quando um ministro do STF é tietado como Alexandre de Moraes o foi na diplomação de Lula, é sinal de que algo está fora de lugar nas instituições. Eu diria que, quando uma reportagem dessa natureza é editada na grande imprensa, é porque o desconforto com essa situação já começa a extrapolar os círculos bolsonaristas. O “arbítrio do bem” começa a ser questionado, e isso terá consequências.