O que quer dizer que a Lava-Jato pode deixar de existir quando o Supremo assim o quiser.
Ambiciosa pauta do STF
“Ambiciosa pauta do STF”
“Papel moderador do tribunal”
“Excessos da Lava-Jato”
Para bom entendedor, não precisa nem de meia-palavra: o STF está pronto para enterrar a Lava-Jato. É o momento propício, dada “a grande insatisfação com Jair Bolsonaro”, segundo a Veja.
Toffoli, ex-advogado do PT, instalou inquérito para intimidar quem fala mal do STF, suspendeu todos os inquéritos com base em dados do Coaf e mandou investigar auditores da Receita que estariam perseguindo magistrados. É este que é apresentado por Veja como um estadista moderado, um contra-ponto ao desgoverno Bolsonaro.
Mais não falo porque não quero me arriscar a ter a polícia do Alexandre Moraes batendo aqui na minha porta.
Os intocáveis da República
O COAF e o sigilo dos dados
Não sou especialista em processo legal, então não posso dar uma opinião técnica sobre esse assunto do repasse de dados do COAF. O que posso fazer é raciocinar em termos lógicos.
Existem duas grandes partes envolvidas nessa história: governo e cidadãos. Todos os atores envolvidos na decisão de Toffoli são governo: COAF, Receita, Polícia Federal, Procuradoria. Quando o COAF repassa dados para a Receita, os dados continuam dentro dessa grande entidade chamada governo. Há dois pontos nevrálgicos no caminho desses dados: o momento em que eles adentram a esfera governamental e o momento em que são usados para processar cidadãos.
O governo toma conhecimento dos dados sigilosos dos cidadãos através de vários canais: declaração do IR, registro de imóveis e automóveis e, o mais importante aqui, o reporte que os bancos fazem de movimentações acima de um determinado patamar para o COAF. Essas sim, representam invasão de privacidade dos cidadãos pelo governo. Não vi Toffoli preocupado com esse ponto.
O segundo ponto é ainda pior: a Receita Federal pode usar esses dados para autuar os cidadãos, ao largo do Poder Judiciário. A Receita multa os cidadãos em um processo administrativo, sem a autorização de um juiz. O cidadão pode entrar na justiça a posteriori, como fizeram os donos do posto de gasolina autuados. Mas a dor de cabeça já está instalada.
Agora, vamos ao caso em tela: a Polícia Federal e a Procuradoria não podem, ao contrário da Receita, iniciar processo sem autorização judicial. Esses órgãos usam os dados do COAF justamente para instruir esses processos. Ou seja, impedir o repasse de dados do COAF para órgãos de investigação sem autorização judicial é simplesmente antecipar a autorização à etapa anterior à própria investigação. O efeito prático disso será entupir o judiciário com um monte de pedidos de quebra de sigilo que eventualmente não chegariam à fase processual. Tornará a justiça ainda mais lenta no combate à corrupção.
Novamente: o sigilo já foi quebrado, sem autorização judicial, no momento em que os bancos repassam dados para o COAF. Que o COAF repasse dados para órgãos de investigação é apenas o corolário natural do processo. Exigir decisão judicial nessa fase da investigação servirá apenas aos interesses dos corruptos e sonegadores.
O início de tudo
O caso que deu início à suspensão do processo contra Flavio Bolsonaro chegou à Suprema Corte há dois anos, junho de 2017. Trata-se de uma prosaica sonegação de impostos por donos de um posto de gasolina em Americana.
Acompanhe comigo: 10 meses depois, em abril de 2018, a Corte julgou que se tratava de um caso de repercussão geral, e marcou julgamento para 11 meses depois, março de 2019. Ocorre que em março, o julgamento foi adiado para novembro, 6 meses depois. Se tudo desse certo, portanto, o recurso do casal de Americana seria julgado 2 anos e 5 meses depois de ter chegado à Corte.
Mas aí acontece a mágica: o advogado de Flávio Bolsonaro descobre que o seu cliente está sendo acusado com provas obtidas da mesma forma com que foram conseguidas as provas contra os proprietários do posto de Americana. Entra com um recurso no Supremo e… voilá, tudo suspenso. Fosse depender do curso “normal” das coisas, é possível que os anônimos de Americana morressem sem ter um veredito do Supremo Colegiado.
A Nova Política, aos trancos e barrancos, vem ganhando seu espaço no relacionamento com o Legislativo. Mas quando se trata de proteger os seus da longa mão da justiça, ainda vale a lógica da Velha Política.
Muito reconfortante
Só tem um pequeno detalhe: Dias Toffoli tem ainda mais 15 meses de mandato.
As novas políticas do STF
Sim, o STF pode legislar sem receber a pressão dos eleitores, esse detalhe na democracia. Assim, leis mais puras e corretas podem sair das 11 brilhantes mentes que formam nossa egrégia Corte Suprema.
Esse é FHC, a democracia brasileira encarnada.
Ingenuidade?
Um detalhe para o qual vi pouco destaque nas coberturas jornalísticas e nas análises em geral: as privatizações de subsidiárias de estatais ganharam aval do STF pela elástica margem de 9 votos a 2. Em todas as previsões que eu havia lido e ouvido, os mais otimistas apostavam em vitória da tese por uma apertada margem de 6 x 5. Somente Lewandowski e Fachin ficaram do lado da pré-história.
Isso pode significar que, para temas econômicos, o STF esteja revelando um perfil mais liberal, o que pode ser muito útil para a agenda futura deste governo.
Estou sendo muito ingênuo?
Otimismo
Tem dias que autorizam otimismo com o futuro.
Coerência
Ao proibir o trabalho insalubre de gestantes, o STF reconhece o status legal dos nascituros. Sim, porque a única diferença entre uma mulher grávida e uma não grávida é o nascituro. Se a primeira não pode trabalhar em condições insalubres e a segunda pode, então só pode ser por causa da existência do nascituro.
O ministro Marco Aurélio Mello foi o único a divergir, defendendo a “liberdade da mulher no sentido maior”. Nenhuma referência ao nascituro. Marco Aurélio Mello passa a ser o único ministro do STF que pode defender o aborto sem cair em contradição.