A saúde tem preço?

Essa é uma discussão ética muito complicada: a saúde tem preço? Quanto vale uma vida humana? Seria ético deixar uma pessoa morrer pelo simples fato de não poder pagar por um leito de UTI? Questões, no mínimo, embaraçosas.

A saúde não tem preço. Mas custa muito caro.

No limite, a lógica da fila única não deveria valer apenas para o Covid-19. Afinal, doença é doença, independentemente do nome. A discussão se dá agora porque há possibilidade real de faltarem leitos no SUS. Mas, conceitualmente, deveria valer para tudo.

Não vou entrar na discussão ética, vou abordar o problema do ponto de vista estritamente econômico.

O que aconteceria se houvesse fila única nos hospitais? Ou seja, se todos os leitos estivessem à disposição de um sistema estatal de saúde? O resultado seria óbvio: não valeria mais a pena pagar por um serviço privado e seria o fim dos hospitais privados e dos convênios e seguros-saúde. Toda a saúde seria fornecida pelo Estado.

Há quem goste dessa solução. Afinal, a saúde não tem preço, e não é justo que o dinheiro determine quem vai ter mais ou menos saúde. Deveria ser tudo igual.

Sim, verdade. Mas não se iluda. Em sociedades onde o dinheiro não manda, manda quem está mais próximo do poder político. A nomenklatura se trata bem, e não tenha dúvida de que, na “fila única” da saúde, alguns teriam um fast pass, como naquelas filas da Disney. O dinheiro pode não ser o critério mais justo para se escolher quem vive ou quem morre. Mas pelo menos é mais transparente.

Saúde não é mercadoria, mas custa caro

Em artigo de hoje no Valor, o pesquisador da Fiocruz, Nilson do Rosário Costa, defende uma maior presença do Estado na assistência à saúde. O título do artigo já diz tudo: “Saúde não é mercadoria”, reverberando a presidente do STF, Carmen Lucia.

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Segundo o autor, a saúde não pode ser tratada como uma mercadoria como outra qualquer. A sua falta pode ter efeitos devastadores na vida das pessoas, e a sua necessidade pode chegar sem aviso prévio, acabando com as finanças familiares. Além disso, quem manda no tratamento são os médicos; ou seja, o consumidor não tem muita escolha sobre o que vai precisar comprar.

O autor, no entanto, reconhece que o SUS não tem sido uma boa resposta a essa demanda. Para ele, os gastos estatais com saúde deveriam aumentar substancialmente, para diminuir a dependência dos planos privados, “que são mais caros para os grupos de maior risco”, que seriam justamente os que mais precisam de assistência.

Vejamos.

O gastos da União com saúde devem totalizar algo como R$ 125 bilhões em 2018. Dividindo-se este valor por 205 milhões (população brasileira), temos o montante aproximado de R$50/mês/habitante.

Ou seja, o SUS equivale a um plano de saúde que cobrasse, na média, R$50 de mensalidade. Quanto teria que ser investido adicionalmente para que o sistema público pudesse oferecer serviços minimamente aceitáveis?

Qualquer plano mequetrefe cobra, no mínimo, R$200/mês. Estou aqui fazendo uma média entre os mais jovens e os mais velhos. Quem paga plano de saúde sabe que um plano de R$200/mês deve ser uma josta, mas é só para fazer o exercício.

Digamos, então, que aumentássemos os gastos em saúde para R$200/mês/habitante. Isso significaria quase R$400 bilhões a mais em gastos nessa rubrica. Sem cortar nada de outras rubricas, isso significaria um aumento da carga tributária de aproximadamente 6% do PIB. Obviamente, inviável. E isso, para ter um plano de saúde, repito, beeeeem mequetrefe.

Qual a solução? Não tem solução. O Brasil é um país pobre. Qualquer gasto com saúde sempre ficará muito aquém das necessidades. Enriquecer é a solução.

Uma forma de mitigar o problema é deixar que o mercado distribua os riscos através do oferecimento de seguros, e deixar aos consumidores a escolha de que tipo de risco querem correr. E garantir que, uma vez que o consumidor tenha assumido um determinado tipo de risco, a operadora não seja obrigada judicialmente a cobrir aquele risco a posteriori. Dessa forma, com os riscos devidamente precificados, o sistema seria mais eficiente, maximizando a utilização dos parcos recursos existentes.

A outra alternativa, em que papai Estado paga tudo para todos, só existe na cabeça de quem acha que o governo cria o seu próprio dinheiro.