Dilma Rousseff costumava demonizar os economistas ortodoxos chamando-os de “planilheiros”. A ideia era de que a vida é muito complexa, e não cabe em uma planilha Excel.
Sim, verdade. A vida é muito complexa. São muitas e variadas as necessidades humanas. Não dá pra planilhar o ser humano.
Mas o gestor público tem um problema: ele lida com TODOS os seres humanos de um determinado território. É humanamente impossível tratá-los um a um, individualmente. Por isso, quando um político diz que vê “as pessoas” por trás dos números, ou está mentindo, ou está cometendo uma grande injustiça.
Ele está cometendo uma grande injustiça porque, como é impossível focar em TODAS as pessoas, ele necessariamente vai focar em algumas em detrimento de outras. Programas habitacionais sempre vão deixar muita gente de fora. Universidades públicas sempre vão deixar muita gente de fora. E assim por diante.
Programas verdadeiramente universais, como o SUS ou a educação básica, são de péssima qualidade. Porque, para atingir a TODOS, é preciso MUITO, mas MUITO dinheiro. Um dinheiro que um país pobre não tem.
Então, programas de excelência “sorteiam” as pessoas com critérios que sempre serão injustos para os que ficam de fora. Dirão que é melhor atender alguns do que nenhum. Ao que responderei: melhor atender a TODOS, mesmo que seja com pouco.
Para atender a todos, é preciso planilhar. “Todos” significa trabalhar com um imenso número de pessoas, e não se consegue fazer isso sem uma abordagem sistêmica. Não existe política pública individual.
Sim, sei que ferirei os espíritos mais sensíveis, mas o governo é mais justo quando transforma as pessoas em números. A planilha é um instrumento de justiça.
Óbvio que nada substitui o contato direto com as mazelas reais da população. Um governante sem esse contato corre o risco de se transformar em um tecnocrata. Mas, tendo tido esse contato, as políticas públicas precisam ser horizontais, atingindo o máximo possível de pessoas. E isso só se faz com planilha.
Tudo isso pra dizer que a planilha abaixo, indicando a superioridade do Chile em relação ao Brasil, não é coisa de “planilheiro”, no sentido pejorativo da palavra, sinônimo de alguém “insensível” aos problemas reais da população. Indicadores gerais de riqueza significam sim que um povo está melhor de vida do que outro. Os dados agregados contam melhor a história do que tristes fatos isolados.
Não podemos nos deixar levar pela “falácia do jornalista”. Qualquer repórter, quando vai escrever uma matéria, procura algum caso específico para “ilustrar” um suposto “problema geral”. Aquele caso específico pode ser muito triste, mas, sem dados agregados que o corroborem, é impossível dizer que aquilo é realmente um problema digno de uma política pública.
Existem, por óbvio, problemas específicos, como doenças raras, que merecem políticas públicas focadas em poucas pessoas. Mas, via de regra, as políticas públicas são voltadas aos mais pobres, que são numerosos. E a forma mais eficaz de avaliar o sucesso de uma política pública é o acompanhamento dos dados agregados. Em planilhas.