Pegadinha do malandro

Caí na “pegadinha” de João Doria. Segundo ele, foi uma “estratégia” para angariar apoio de seu partido. Bruno Araújo, vendo naufragar o barco do PSDB na joia da coroa do partido, o estado de São Paulo, assinou uma carta reiterando o apoio do partido, do qual é presidente, à candidatura Doria. No entanto, quem é um pouco alfabetizado em política sabe que essa carta vale tanto quanto uma nota de 3 reais.

Em primeiro lugar, o esforço foi no sentido de o atual governador deixar o governo de SP para o seu vice, não necessariamente o de Doria assumir a candidatura presidencial. Não faltam bons nomes ao PSDB, pelo contrário. Doria renunciando ao governo de SP e à candidatura presidencial era o melhor cenário. Doria permanecendo no governo sem concorrer à reeleição, o pior. O arranjo possível foi “convencer” Doria com uma cartinha de amor. Segue o jogo, até a convenção do PSDB, onde tudo pode acontecer.

Não satisfeito com a lambança, Doria adicionou o insulto à injúria, ao dizer em entrevista que tudo não passava de um plano para testar o apoio do partido à sua candidatura. Uma espécie de Jânio de calça apertada. E, como cereja do bolo, chamou de “golpistas” os que não querem a sua candidatura. Doria está seguindo metodicamente o manual “Como Fazer Inimigos e Não Influenciar Pessoas”. Depois do dia de ontem, o PSDB tem o dever moral de não lhe dar a legenda para disputar a presidência.

Como nota final, se a saída de Doria da disputa não representava muita coisa, como defendi em meu comentário de ontem, o mesmo não se pode dizer da saída de Sergio Moro do páreo. Sem experiência política e tendo chegado 4 anos atrasado para empunhar a bandeira da Lava-Jato que Bolsonaro empunhou em 2018, Moro foi vítima de sua própria ilusão, a de ser o justiceiro universal do Brasil. Foi engolido pelo sistema político, que tem suas próprias regras. Se for humilde, concorrerá a uma vaga de deputado federal, onde terá a oportunidade de começar o jogo da planície, desenvolvendo suas habilidades políticas para depois, se for o caso, tentar voos mais altos.

Ao contrário da eventual desistência de Doria, a saída de Moro do páreo embaralha as cartas da “terceira via”. Lula e Bolsonaro certamente não gostaram desse movimento.

Romper o ferrolho

William Waack é um dos poucos analistas políticos no Brasil, hoje, em que eu presto atenção. Suas análises normalmente descortinam ângulos novos a respeito das mesmas questões, lançando uma nova luz sobre velhos problemas.

Em sua coluna de hoje, Waack, depois de descrever a tática adotada por Lula e Bolsonaro e suas dificuldades, foca na questão da 3a via. Moro, Ciro e Doria têm encontrado muita dificuldade para romper o que ele chama de “movimento de pinça”, feito pelas tropas petistas e bolsonaristas. Os três candidatos têm muitos passivos, amplamente explorados pelos dois exércitos. Então, como quem não quer nada, Waack solta o nome de Simone Tebet como uma possibilidade real, aventada por “setores da 3a via”, o que quer que isso signifique.

Sobre os outros três nomes da 3a via, Tebet tem a vantagem de não ter passivo conhecido. O problema é que a candidata do PMDB tampouco tem ativos conhecidos, a não ser o fato de ser mulher e de ter participado na CPI da COVID, em que estrelou o episódio de “assédio moral” que supostamente sofreu de um depoente. Na verdade, tenho dúvida de que seja um ativo, mas vá lá.

Simone Tebet, portanto, seria uma folha em branco, ideal para ser trabalhada pelo marketing político, e mais difícil de ser alvo de um movimento de pinça.

Estamos apenas em janeiro, há ainda muito tempo para as eleições, e tudo pode acontecer, inclusive nada. O balão de ensaio de Simone Tebet pode murchar ou pode inflar, difícil dizer. Mas o fato de William Waack ter levantado a bola me fará prestar mais atenção a seus movimentos.

Batendo na pessoa certa

Até um relógio parado acerta a hora duas vezes ao dia. É o caso da colunista Eliane Catanhêde, que já mereceu alguns posts carinhosos nessa página, mas que desta vez acertou, ao fazer o diagnóstico de que bater em Lula é a chance de Moro (e, de resto, de qualquer candidato da chamada “3a via”) de chegar ao 2o turno.

Já tive oportunidade de escrever várias vezes aqui: bater em Bolsonaro, como insistiu Alckmin em 2018 e insistem todos os “defensores da democracia” até aqui, é inútil. Esse campo pertence à esquerda. A única chance é bater em Lula, para tirar de Bolsonaro a coroa de único antipetista de verdade da praça. E Moro tem esse figurino natural, dado que foi o juiz que colocou Lula na cadeia.

Hoje, Moro estreia uma coluna quinzenal no site O Antagonista (link nos comentários). A estratégia é a mesma já percebida por Catanhêde: bater em Lula. Não há uma mísera menção a Bolsonaro. Moro não se coloca como um típico 3a via, equidistante do demônio e de belzebu. A sua estratégia é mostrar que pode ser o antipetista que as viúvas de Bolsonaro (aqueles que votaram no capitão e se arrependeram) estão à procura.

É claro que ser antipetista não se restringe a bater em Lula. É preciso ter uma agenda antipetista, conservadora e liberal. Isso se verá ao longo da campanha. Mas esse primeiro passo parece promissor, diferente de tudo o que os chamados candidatos da 3a via estão fazendo.

Sempre haverá um núcleo duro, que vê no capitão o Messias que veio salvar o Brasil. Estes não votariam em outro candidato nem que Jesus Cristo disputasse a eleição. Mas há uma massa de simpatizantes do capitão que poderiam migrar para uma candidatura Moro se este ganhar terreno nas pesquisas ao longo dos próximos meses e mostrar que pode agregar mais contra Lula em um 2o turno.

Sergio Moro, hoje, tem a grande vantagem, sobre todos os outros candidatos da chamada “3a via”, de ter um patrimônio eleitoral inicial não desprezível, algo como 8% das intenções de voto, a depender da pesquisa. Este primeiro passo acertado lhe dá uma segunda vantagem. Vamos ver se isso se traduz em aumento das intenções de voto nas próximas pesquisas.

PS.: ainda estou longe de ter candidato. Isto que vai acima é apenas uma análise, não uma torcida.

O dia em que o MBL virou #elenão

As manifestações do dia 12 caminhavam para um retumbante fracasso. Só isso pode explicar como uma manifestação que tinha como objetivo demonstrar a viabilidade de uma terceira via abrir os braços para os lulistas. Este é o dia em que o MBL virou #elenão e, a exemplo de FHC, apertou a mão de Lula. Vai ganhar alguns balões e perder o apoio de quem sinceramente deseja uma terceira via. Não consigo pensar em alegoria melhor para ilustrar a inviabilidade de uma terceira via.

O motivo da irrelevância do PSDB

Semana passada, comentei aqui entrevista de Sérgio Fausto, diretor executivo da fundação FHC e uma das principais vozes da intelligentsia pe-esse-de-beiana. Em uma entrevista, o entrevistado pode ser pego de surpresa e não conseguir expressar exatamente o que queria dizer. Hoje, Sérgio Fausto escreve um artigo, o que permite entender de maneira mais fidedigna o seu pensamento. E a coisa, acreditem, piorou.

Depois de discorrer sobre o caráter democrático do PT, apesar de seus pecadilhos, como apoiar ditaduras como as de Cuba e Venezuela, e de colocar as diferenças entre PT e PSDB no campo das políticas econômicas, Fausto chega ao núcleo de seu artigo, destacado abaixo. Não consegui encontrar, até o momento, melhor demonstração, a um só tempo, de porque o PSDB se tornou um partido irrelevante no nível nacional e de porque Bolsonaro foi eleito presidente da República.

O articulista defende uma oposição ao PT, mas sem um “antipetismo furibundo e preconceituoso”. Ou seja, uma oposição do jeito que o PT gosta, de modo que o partido de Lula possa fazer, sozinho, uma oposição furibunda e preconceituosa a tudo o que se opõe ao partido. O trecho mais inacreditável do artigo é a atribuição a uma suposta “polarização autodestrutiva” entre PT e PSDB o fato de Bolsonaro ter chegado ao poder. É justo o oposto: o fato de o PSDB não ter feito polarização durante 15 anos fez com que os eleitores caíssem no colo do primeiro antipetista “furibundo e preconceituoso” que apareceu na praça. Bolsonaro é, antes de mais nada, cria desse PSDB civilizado que Sérgio Fausto tão bem representa.

Não é de se admirar, portanto, que, partindo de um diagnóstico falho, a tática eleitoral sugerida seja mais um furo n’água: Fausto sugere que o candidato do PSDB ataque Bolsonaro para chegar ao 2o turno, como se os anti-Bolsonaro já não tivessem o seu candidato de coração, Lula. Para deslocar Bolsonaro, é preciso convencer o eleitorado antipetista de que não se está votando em uma quinta-coluna do PT. O discurso de Sérgio Fausto mostra que o PSDB não é este partido.

É sintomático que, em um artigo de 5.000 caracteres, o articulista não tenha encontrado espaço para condenar o PT pela roubalheira da Petrobras. O máximo foi uma menção à “estigmatização da Lava-Jato” pelo PT, mas em um contexto de condenação do PT como um partido populista. O grosso do antagonismo foi descrito no campo econômico, o que, convenhamos, está longe de levantar as massas.

Vivemos em um país polarizado por causa do PT. Bolsonaro foi apenas a reação natural em um vácuo que se criou pela inapetência do PSDB. O final do artigo demonstra, com excelência, este ponto: “A terceira via […] perdendo ou ganhando, é importante que tenha força política para participar da construção do futuro do país”. Perdendo ou ganhando. É isso. Ao PT não interessa nada que não seja a vitória, enquanto o PSDB quer “participar da construção do futuro”. Não consigo pensar em nada melhor para explicar porque o PSDB se tornou um partido nanico nas eleições presidenciais.

Fazendo a coisa certa

Um dos vieses mais conhecidos na tomada de decisão é o viés de confirmação: o ser humano tende a procurar informações que confirmem a sua tese, e não o oposto, ou seja, construir a tese com base nas informações recebidas.

Confesso que caí com gosto no viés de confirmação ao ler matéria de hoje sobre mais uma pesquisa eleitoral, desta vez patrocinada pela Genial Investimentos em parceria com a Quaest Consultoria e Pesquisa.

Além dos dados repetidos de outras pesquisas (Lula na frente, Bolsonaro em segundo, Ciro em um distante terceiro lugar, traço para os outros), esta trouxe uma informação nova e interessante: o motivo pelo qual os eleitores de Bolsonaro votam no presidente. Apenas 27% votam em Bolsonaro pela qualidade de seu governo. Os outros 73% votam principalmente porque é o único candidato anti-PT, anti-esquerda, anti-comunismo.

Ao analisar esses dados, o diretor da Quaest chega à óbvia conclusão de que, para roubar votos de Bolsonaro não adianta atacar Bolsonaro. É preciso mostrar que se é tão anti-esquerda, anti-PT e anti-comunismo como Bolsonaro. É preciso atacar o PT.

Bem, vocês já leram isso aqui. Venho dizendo exatamente isso desde a campanha de 2018. A terceira via não vinga porque o povo quer polarização. E, para ocupar o lugar de Bolsonaro, é preciso polarizar com Lula.

É claro que essa mensagem precisa soar autêntica, e não uma mera estratégia eleitoral. De todos os candidatos que estão por aí, talvez João Doria seja o que mais transmite essa mensagem anti-PT. Não é à toa que Bolsonaro escolheu o governador de São Paulo como seu adversário preferencial. Doria caiu na armadilha, polarizando quase que exclusivamente com Bolsonaro, esquecendo-se do PT.

Estes 73% de eleitores de Bolsonaro (24% do total de eleitores) que não ligam para a sua administração (ou antes, justificam a sua administração em nome de uma causa maior) são suficientes para colocá-lo no 2o turno. Apoderar-se desses votos já é tarefa suficientemente difícil adotando a estratégia correta. Fazendo a coisa errada, torna-se missão impossível.

Escolhendo o barco

Outro dia, foi uma entrevista de Eduardo Paes, rasgando elogios a Lula (não cheguei a comentar aqui por falta de tempo).

Agora, é Rodrigo Maia que participa de um almoço oferecido por Eduardo Paes em homenagem a Lula e, segundo a jornalista Malu Gaspar, oferecendo seus préstimos ao ex-presidiário.

Eduardo Paes migrou para o PSD, partido de destino de Rodrigo Maia depois de ser expulso do DEM. PSD de Gilberto Kassab, que já foi ministro de Dilma, de Temer e de Doria, e que anunciou outro dia que seu candidato à presidência é o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (risadas de seriado ao fundo).

As raposas da política estão abandonando essa história de “terceira via” antes mesmo de começar. O aperto de mão de FHC e Lula não foi um acidente de percurso, foi um movimento nessa mesma direção. As forças políticas do país estão se aglutinando entre os dois polos, Lula e Bolsonaro. O DEM assumiu o lado de Bolsonaro na eleição para a Câmara, e Rodrigo Maia pulou para o outro barco. Não há solução intermediária.

Claro que podemos continuar sonhando, afinal falta ainda mais de um ano para as eleições, e o Inesperado sempre pode dar as caras. Mas o desenho é claro: se 2018 foi a eleição do lulopetismo vs. anti-lulopetismo, 2022 será a eleição do anti-lulopetismo vs. anti-bolsonarismo, decidida por aqueles que não são nem lulopetistas e nem bolsonaristas.

O capeta e o demônio

Estou cada vez achando mais graça nesse debate sobre a tal “terceira via”, que nos livraria de ter de escolher entre o demônio e o capeta.

Ocorre que a maioria das eleições brasileiras desde a redemocratização se deu entre o capeta e alguém do chamado “centro democrático”. E o país escolheu o capeta 4 vezes. Seguidas.

Em 2018, apareceu o demônio para desafiar o capeta. E o debate foi exatamente o mesmo que estamos tendo hoje: cadê a “terceira via”? Ora, a terceira via já havia perdido do capeta nas 4 eleições anteriores. Para desbancar o capeta, só o demônio.

Essa história de que a maioria quer uma “terceira via” é teoria. Se fosse maioria, tanto o demônio quanto o capeta já estariam de malas prontas para voltar ao inferno. Mas não. Tanto um quanto o outro tem legião de apoiadores.

Então, meus amigos, o tal “centro democrático” já teve a sua chance e a jogou pela janela. Agora, é a hora de belzebu.

PS.: eleitores dos dois lados vão protestar por chamar de coisa ruim o seu candidato de predileção. Paciência.