O patriotismo do mercado

Ontem Bolsonaro fez uma longa live sobre o tema do momento: teto de gastos.

Mostrou consciência de que se trata de aumento de endividamento, o que é bom. Mas (e sempre tem um ‘mas’), mostrou também ignorância sobre um tema básico: como funciona o mercado financeiro.

Não vou culpá-lo. Afinal, trata-se de tema difícil, que a maioria dos brasileiros realmente desconhece. Claro, poderíamos dizer que do presidente da República se deve exigir que pelo menos tenha noções básicas de como funciona a economia. Afinal, são dele as decisões que, em última instância, influenciarão a vida de todos os brasileiros. Mas deixa prá lá. Aqui no meu humilde espaço, vou tentar explicar porque é uma imbecilidade pedir “patriotismo” para o mercado.

O que é o mercado financeiro? Se fizéssemos uma pesquisa com brasileiros comuns, leigos, a resposta seria provavelmente algo parecido com “os grandes bancos” ou “os especuladores” ou ainda “os operadores da bolsa”. Estes são os personagens que encarnam essa entidade etérea chamada genericamente de “mercado financeiro”.

Sim, o mercado é isso também. Mas é muito mais do que isso. Vamos nos ater apenas à questão da dívida pública, que é o que nos interessa aqui. Afinal, o teto de gastos só existe para controlar a dívida pública.

A dívida pública brasileira totalizou 4 trilhões, 389 bilhões e 940 milhões de reais no final de junho. Ou, R$ 4.389.940.000.000, em números redondos. Isso representa mais ou menos 85% do PIB. Devemos chegar no final do ano com uma dívida de aproximadamente 5 trilhões de reais.

Vira e mexe os partidos mais radicais de esquerda levantam a bandeira da “auditoria da dívida”. Mas não tem segredo nenhum. Esta montanha de dinheiro não surgiu do nada. Foi fruto de um trabalho perseverante, em que necessidades muito nobres foram sendo empurradas para dentro do orçamento ao longo de décadas. Como diz o presidente em outro trecho de sua fala de ontem, é dinheiro “para a água no Nordeste, revitalização de rios, Minha Casa Minha Vida”. É óbvio que nunca se pede mais dinheiro para pagar lagostas no STF ou para alimentar as emas do Alvorada, mas, por algum motivo ainda misterioso, este dinheiro de fim tão nobre acaba pagando por este tipo de coisa.

Mas meu ponto aqui é outro. Quem são os financiadores desta dívida? Afinal, se há um devedor, há também um credor. Aí é que entra o famigerado “mercado financeiro”. Este seria o pérfido credor, aquele que pensa antes em si do que no país. Um anti-patriota, por assim dizer.

Vamos analisar a questão mais de perto. O Tesouro Nacional publica um relatório mensal em que divulga os detentores da dívida pública. Em junho, estes detentores eram os seguintes:

  • Previdência: 24,5%
  • Instituições Financeiras: 27,5%
  • Fundos de Investimento: 25,8%
  • Estrangeiros: 9,1%
  • Governo: 3,9%
  • Seguradoras: 3,9%
  • Outros: 5,4%

Observe que apenas 27,5% da dívida pública está nas mãos dos bancos. E, mesmo estes, não são “donos” desse dinheiro. O dinheiro que os bancos investem em títulos públicos pertencem aos depositantes e poupadores. O banco é apenas o intermediário entre o cliente e a dívida pública. Quando você deposita dinheiro na caderneta de poupança, ou compra CDB de um banco, este usa o dinheiro para emprestar para outras pessoas, inclusive para o governo.

O mesmo acontece com os Fundos de Investimento. Você aplica o seu rico dinheirinho em um fundo, e o fundo compra títulos públicos.

No caso da Previdência, os títulos públicos servem como lastro das aposentadorias a serem pagas. Os credores da dívida pública, neste caso, são os aposentados atuais e futuros.

Em resumo: os detentores da dívida pública somos todos nós que poupamos. A nossa poupança, de uma maneira ou de outra, acaba por financiar a dívida do governo. Ou seja, o mercado financeiro somos todos nós.

Esta noção é muito importante. O mercado financeiro, entendido de maneira estrita como o conjunto dos seus operadores, é apenas a ponta do iceberg. Os operadores do mercado são empregados daqueles que poupam e investem, e fazem o que estes desejam.

Tenho certeza que o presidente tem lá os seus investimentos. Será que ele seria patriota o suficiente para abrir mão de seus rendimentos? Ou, até melhor, doar o seu dinheiro para abater a dívida pública? Pois é disso que se trata. Os operadores do mercado são pagos pelos investidores para maximizar os ganhos e evitar perdas. Quando se diz que “o mercado não vai gostar disso ou daquilo”, o que se quer dizer é que os operadores vão tentar proteger os seus clientes de perdas. E os clientes somos todos nós que investimos.

Portanto, nada contra fazer as coisas por patriotismo. Trata-se de um sentimento muito nobre. Só tome o cuidado de saber quem é o patriota que vai colocar a mão no bolso pelo país.

O porquê do teto de gastos

O Teto de Gastos virou o novo vilão dos defensores dos fracos e oprimidos. Há alguns anos era o superávit primário. Como este não passa hoje de uma miragem, o Teto de Gastos passou a ser o inimigo a ser combatido.

Neste artigo, Luís Eduardo Assis, ex-diretor do BC e ex-executivo do mercado financeiro, coloca-se no lado escuro da força, e une-se às vozes, entre as quais a mais estridente é a de Mônica de Bolle, que defendem o fim do Teto de Gastos como política fiscal.

Os defensores do fim do Teto de Gastos se dividem basicamente em dois grupos: o primeiro afirma que não é preciso colocar nada no lugar, enquanto o segundo admite que alguma coisa precisa substituir o Teto.

O primeiro grupo acredita que não há limite para o endividamento de um país que emite a sua própria moeda. Afinal, os agentes pagam seus impostos nesta moeda, retornando para o governo aquilo que foi emitido.

Para o segundo grupo, há algum limite para o endividamento e, portanto, o Teto de Gastos precisa ser substituído por alguma outra regra ou dinâmica que limite esse endividamento.

Assis não se decidiu bem em que grupo está. Primeiro fala que o orçamento de um país não é comparável ao orçamento de uma família, pois o país emite a sua própria moeda. Está implícita nessa afirmação a não limitação para o endividamento. Mas depois, o autor do artigo diz que há um limite. Fiquei confuso.

De qualquer maneira, não vou perder tempo discutindo com o primeiro grupo. Se não há limite, a própria Economia, que é o estudo da aplicação de recursos escassos, perde o seu sentido. Afinal, basta imprimir dinheiro suficiente para que todos fiquem felizes neste mundo sem restrição orçamentária.

Vamos para o mundo real, em que existem limites. Para tanto, vamos fazer uma pequena digressão.

O Plano Real foi o único plano bem-sucedido de estabilização monetária da história do Brasil. O seu sucesso veio não tanto do truque da URV, que superindexou a economia para depois transformar o próprio indexador em moeda, mas principalmente da disciplina fiscal que se seguiu. Inúmeros esqueletos fiscais, principalmente nos Estados, foram tirados dos armários, e a carga tributária foi aumentada de maneira significativa para bancar os gastos do Estado. Ou seja, houve uma formalização da carga tributária, que estava escondida sob a forma de inflação.

Já na década dos 2000, a política de superávits primários foi mantida graças não mais ao aumento da carga tributária, mas pelo aumento das receitas proporcionado pelo grande ciclo das commodities, que surfamos durante vários anos. As despesas aumentaram no mesmo passo, mas como era a época das vacas gordas, a conta fechava.

Veio o início dos anos 2010, e o grande ciclo das commodities perdeu a sua força. Continuamos a pedalar a bike por um algum tempo, primeiro queimando a gordura e, depois, como sabemos, fazendo fraude contábil, que acabou sendo o detalhe técnico para o impeachment. A partir de 2015, começamos a fazer déficits primários, o que significa que gastamos mais do arrecadamos antes mesmo de pagar os juros da dívida. O resultado é o aumento da dívida pública.

Alguma coisa precisava ser feita para dar a sinalização para os credores (aqueles seres que insistem em ter alguma garantia de que terão o seu dinheiro de volta em algum momento no futuro) de que a dívida estava sob controle. Daí nasce o Teto de Gastos.

Abre parênteses: vou falar aqui com aqueles que concordam que há restrições orçamentárias tanto para famílias quanto para países, ok? Aliás, quanto mais pobre for um país, quanto mais a sua história for de calotes e volatilidade, mais essas restrições se aplicam. Os EUA, o Japão, a Alemanha têm menos restrição orçamentária que países como o Brasil, pois são mais estáveis e confiáveis. Aliás, isso vale também para famílias, não é mesmo? Fecha parênteses.

Existem quatro maneiras de um país estabilizar a sua dívida. Duas são virtuosas, duas são viciosas.

As virtuosas são aumentando receitas e/ou diminuindo despesas. As viciosas são inflação e calote. Nós estamos discutindo as formas virtuosas porque não queremos chegar nas formas viciosas. A Argentina, por exemplo, tem uma inflação de 50% ao ano mesmo com uma recessão tão profunda quanto a nossa, e está, neste momento, “renegociando” a dívida com seus credores. Ou seja, dando calote.

Nas décadas de 90 e 2000 nós aumentamos receitas, seja através do aumento de impostos, seja através de crescimento econômico. Na década de 2010, as receitas pararam de aumentar, pois não havia mais espaço para o aumento da carga tributária e crescimento econômico é apenas uma miragem. Resta apenas o controle dos gastos. Essa é a lógica do Teto de Gastos.

Assis, assim como De Bolle e outros que defendem o fim do Teto, quando confrontados com a pergunta sobre a alternativa, apenas balbuciam platitudes que servem para qualquer ocasião. É o que vemos no último parágrafo do artigo, onde o colunista diz que o país deveria acabar com o corporativismo e ser mais justo na distribuição dos impostos. Sim, e eu sugiro também a paz e a harmonia entre os povos. Também sugere aumento da carga tributária, uma das maiores do mundo e a maior dentre os emergentes, mas isso não vou nem comentar.

Que há problemas de corporativismo e de distribuição dos benefícios sociais não há dúvida. Mas o Teto de Gastos não se propõe a resolver isso. Seu objetivo é simplesmente controlar a trajetória da dívida pública. Dizer que existem outros problemas que o Teto não resolve e, por isso, deveria ser eliminado, não é uma solução, é só um sofisma.

O Brasil é um alcoólatra, e o álcool são os gastos públicos. Tirar o Teto de Gastos significa deixar a garrafa ao alcance. Se não houver outro mecanismo de controle, precisaríamos confiar na palavra do governo e do Congresso de que não tocariam mais na garrafa. Acredite se quiser.

De Bolle volta a atacar

Monica de Bolle volta a atacar com mais um artigo mistificador. Destaquei o trecho em que a colunista diz que o teto de gasto vai acabar com a saúde e a educação no país.

De Bolle fala como se as despesas com educação e saúde representassem 100% dos gastos do governo e não houvesse mais nada, nadinha, para cortar. Usa o espantalho da falta de recursos para áreas sensíveis para convenientemente esquecer-se de que 25% dos gastos da União dirigem-se ao pagamento do funcionalismo público. Claro, é mais fácil mandar pelos ares a única âncora fiscal do país do que mexer com a vaca sagrada.

A mistificação é tamanha que De Bolle não enrubesce ao citar a necessidade de recursos para o “treinamento de professores para dar aulas on-line” no orçamento de 2021, quando provavelmente as aulas presenciais já terão retornado. Vale tudo quando se trata de emocionar o leitor leigo.

Saudades do blog do Mansueto Almeida, em que ele desmontava a contabilidade criativa do Arno Augustin (secretário do Tesouro da Dilma) com meia dúzia de números. Tomara que volte, agora que ele saiu do governo. Estamos precisando de alguém com conhecimento para desmistificar esses “profetas do gasto público” que, com suas ideias, nos levaram ao buraco onde nos encontramos.

O moto-perpétuo, mais uma vez

Monica de Bolle volta a atacar o teto de gastos. Extraí os 3 primeiros parágrafos de sua coluna, que já dão uma boa ideia das ideias da moça.

Primeiro, e talvez principal, De Bolle deixa à mostra sua inclinação autoritária, ao dizer que os técnicos da equipe econômica não estão “pensando no País”. É típico de mentes autoritárias confundir suas ideias com verdades absolutas, ficando os seus opositores com o papel de “inimigos da Pátria” e não simplesmente pessoas honestas que têm ideias diferentes para o bem do País. Combina bem com o seu eterno candidato à presidência, Ciro Gomes. Em uma postura típica do coronel, De Bolle joga a afirmação falsa de que o teto prejudicou o repasse de verbas para o SUS, com uma frase que inicia com um “há quem argumente”. Ou seja, nem para assumir a autoria da inverdade.

Mas vamos à questão em si.

De Bolle se diz a favor da “ideia do teto”, mas não desse que está aí. É uma forma elegante de dizer que não é a favor de teto algum. O mesmo argumento que usavam os mais civilizados que eram contra a reforma da Previdência. E o que De Bolle mudaria no teto? A permissão para fazer investimentos. Bem, se for para isso, o teto já está furado. O governo Bolsonaro descobriu a brecha, ao capitalizar em R$7 bilhões a Emgepron, para que a Marinha pudesse construir seus brinquedos de guerra. Mas De Bolle quer uma permissão oficial, não chicanas.

Há dois problemas com essa ideia, um com relação ao teto em si e o outro com relação ao papel dos investimentos públicos.

Com relação ao teto em si, o problema é que não existe “meio-teto”, assim como não existe “meio-grávida”. Ou o teto existe e serve para tudo, ou não existe. Liberar “investimentos” é liberar tudo, no país do jeitinho. Por onde passa um boi, passa uma boiada, como diz o ditado. E o mercado sabe disso. Um teto furado não segura a chuva.

Em relação aos investimentos públicos, temos duas questões: a qualidade do investimento público e o seu papel no crescimento do país. Com relação à qualidade, é público e notório que o investimento público deveria se chamar “desperdício público”, pela sua incapacidade de seguir cronogramas e orçamentos. Isso, sem contar a roubalheira. Em relação ao seu papel no crescimento do País, acho que já tivemos exemplos suficientes de como isso não funciona. Sempre repito isso: fosse fácil assim, não existiria país pobre: bastaria se endividar até as tampas, investir o dinheiro, e depois recolher os impostos para pagar a dívida. Pena que ainda não inventaram o moto-perpétuo.

Não por outro motivo, De Bolle ficou indignada com as comparações que fizeram entre o programa Pró-Brasil e o PAC ou o PND. Esses programas demonstraram todos os pontos acima: desperdício de dinheiro público e incapacidade de fomentar o crescimento, com efeitos perversos sobre o endividamento. Mas, por alguma misteriosa razão, o Pró-Brasil seria diferente. É sempre aquela ilusão de que é possível construir um Estado nórdico no Brasil-sil-sil.

Dissonância

Segundo o título da matéria do Estadão, o governo estaria estudando mexer no teto de gastos, “em caráter excepcional”.

Aí, pra não variar, você vai ler a matéria e é o justo oposto. Há estudos de todas as naturezas, MENOS sobre o teto de gastos.

Para mim, continua sendo um mistério os motivos que levam um jornalista ou o próprio editor a dar um título que não corresponde ao que vai na reportagem, o que é facilmente verificável por quem a lê. É falta de atenção, analfabetismo funcional ou desonestidade intelectual mesmo?

O repórter ainda afirma que economistas “de diferentes espectros ideológicos” passaram a defender uma flexibilização do teto de gastos. Em primeiro lugar, não li um único economista mainstream que defendesse isso. Pelo contrário. A reportagem entrevista a indefectível Monica de Bolle, eleita pelos heterodoxos como “a economista liberal com bom senso”, supostamente representando a ala liberal que defende flexibilizar o teto.

Mas o que a repórter revela nesta frase é mais do que isso. Para ela, a questão não passa de “ideologia”, não tem nada a ver com expectativas dos agentes e restrições financeiras. Para quem viu a reação do mercado de títulos públicos ontem após a derrubada do veto à ampliação do BPC, ficou claro que a coisa é muito mais do que “ranço ideológico”. Mas a ideologia da jornalista explica a dissonância entre título e matéria.

As pessoas precisam entender

“As pessoas precisam entender que…”, e então vem aquilo no qual eu acredito e assumo como verdade universal.

Só que “as pessoas” entendem coisas diversas e reagem de acordo com o que elas próprias entendem, não com o que um luminar entende. Por exemplo, se o teto de gastos for eliminado, as pessoas não vão entender que a economia vai crescer porque o governo, como num passe de mágica, se tornou eficiente no investimento em infraestrutura. É mais provável que as pessoas entendam que a dívida do governo vai voltar a uma trajetória insustentável e vai ficar impagável.

Gostaria de ver a Monica como ministra da Economia, dando entrevista em dia de pânico nos mercados, dizendo que “as pessoas precisam entender que…”. O mercado não entende nada, só reage para salvar sua própria pele. E antes que perguntem quem é o mercado, respondo: somos todos nós. É isto que Monica de Bolle precisa entender.

Mais uma voz se alevanta

Esta fala não é de um economista qualquer. Esta fala é de Felipe Salto, diretor-geral do Instituto Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal. Felipe é um economista respeitado, da banda ortodoxa, mainstream. E dirige um órgão ligado a um dos poderes da República. Portanto, sua palavra tem peso.

Vejamos:

1) O BNDES não se retirou do papel de financiador. Quem se retirou foram os tomadores de empréstimos a juros subsidiados. O “papel” do BNDES perdeu sentido quando acabaram os subsídios. Não existe uma fila de tomadores desesperados por empréstimos do BNDES. Pelo contrário, sobra dinheiro no caixa, por isso o BNDES está devolvendo dinheiro para o governo.

2) Os juros subsidiados terminaram porque acabou o dinheiro. Não foi este governo que mudou isso, foi o governo Temer, que procurou arrumar a casa da mãe Joana que havia se tornado esse negócio de juros subsidiados, paraíso das empresas que tomavam dinheiro barato para aplicar no mercado financeiro.

3) Sim, os subsídios deveriam ser decididos pelo Congresso. E o foram. As dotações para o BNDES foram aprovadas pelo Congresso, e o custo dessas dotações era (ou deveria ser) do conhecimento dos congressistas. Mas estávamos na época do “Brasil Grande”, dos “Campeões Nacionais”, todo mundo feliz. Quem iria dizer alguma coisa contra, a não ser uns poucos heróis da resistência, que eram taxados de anti-patriotas?

4) Esta é mais uma voz que se alevanta para clamar por investimentos do governo. Só tem um pequeno detalhe, chamado “teto de gastos”. Os gastos obrigatórios do governo estão comendo aceleradamente a margem para investimentos e, daqui a pouco, não vai sobrar mais nada. A PEC emergencial, que poderia abrir alguma margem para ajustes, está parada no Congresso. E medidas mais estruturais, como a reforma administrativa, sequer foram enviadas pelo governo. Uma forma de “driblar” o teto de gastos é capitalizar as estatais, o que já foi feito com a Emgepron, por exemplo. Se isso realmente virar política comum, será o fim do teto de gastos na prática, com todas as suas consequências para os mercados.

5) Imaginar que há um “meio-termo” para o uso de juros subsidiados é o mesmo que dizer para um alcoólatra em recuperação que ele deveria beber “só socialmente”. Os juros subsidiados viciam, e não existe isso de “caminho do meio” para o seu uso. A experiência que vivemos deveria ter sido suficiente para demonstrar isso.

Como disse, Felipe Salto não é um economista qualquer. Ele é ouvido pelos senadores. A pressão pelo “faça alguma coisa” só está começando. Com a consequente volta da trajetória insustentável da dívida. Não será bonito estar nos mercados quando o teto de gastos for flexibilizado.

Alguns são mais iguais do que os outros

Dias Toffoli pede, em ofício, reunião com o ministério da Economia. Pauta: furar o teto de gastos.

2020 será o primeiro ano em que o Executivo não compensará o Judiciário por gastos acima do permitido pela Lei do Teto de Gastos. Mas sabe como é: no Brasil, uma lei nunca foi barreira para fazer o que se quer fazer. Se dependesse das leis por aqui aprovadas, seríamos uma Suíça. Faltam só os suíços para cumprirem as leis.

O Judiciário é aquele poder em que os seus ilustres representantes gozam de férias de 60 dias, constroem sedes nababescas e têm o poder de transformar penduricalhos em salário. E, quando são pegos em “mal-feitos”, recebem como punição aposentadoria com salário integral. Isso tudo, para entregar uma justiça que demora décadas para resolver contenciosos, para a alegria dos bandidos que podem pagar bons advogados.

Sim, o judiciário não consegue viver com o Teto de Gastos. Afinal, na já antológica frase do procurador mineiro, como vão viver com esse miserê? O interessante é que a reação não veio da sociedade, ou mesmo de outros poderes, reconhecendo a necessidade de o Judiciário ter mais recursos. A reação veio do próprio Judiciário, que se auto-declara uma instituição tão importante que estaria dispensada de fazer sacrifícios. Não consigo pensar em definição melhor para a palavra corporativismo.

No ápice do desplante, Dias Toffoli exige “equilíbrio institucional”, pois os recursos do leilão do pré-sal teriam sido direcionados apenas para o Executivo. “Queremos mamar nessa boquinha também”, diz o presidente do Sindicato, quer dizer, do Supremo.

E com que autoridade o Executivo vai contrapor essa investida se, na primeira brecha, faz uma capitalização vergonhosa por fora da regra do teto para construir seus brinquedinhos de guerra?

A exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei do Teto de Gastos vai acabar se tornando inócua, de tantas brechas e atalhos que vão encontrar. E isso, obviamente, não tem como acabar bem.

Falta de vergonha na cara

Adriana Fernandes, colunista de economia do Estadão, levanta uma bola que eu queria ter comentado nessa semana mas não o fiz por falta de tempo: a capitalização de uma estatal chamada Emgepron, vinculado ao Ministério da Defesa. Foram R$7,6 bilhões autorizados por Bolsonaro no finalzinho do ano passado.R$7,6 bilhões para construir 5 navios de guerra! Sério que esta é a prioridade do Brasil?

Em reportagem de hoje (abaixo), o Estadão traça um quadro deprimente sobre os conflitos por água no Nordeste. No trecho que destaquei, ficamos sabendo que as obras de transposição do São Francisco consumiram R$10,8 bilhões nos últimos 13 anos. Desses, o governo Bolsonaro empenhou R$1,3 bilhão. São números com a mesma ordem de grandeza da construção de 5 navios de guerra.

O problema do Brasil não é falta de recursos. É falta de vergonha na cara.