Ataques ao Teto de Gastos

Trecho retirado do jornal Valor Econômico

Está se formando o ambiente para a revisão da Lei do Teto de Gastos. Economistas ortodoxos, como Fábio Gianbiaggi e Cláudio Adilson defendem alguma revisão buscando preservar investimentos. Na carona, economistas da escola “gasto é vida” esfregam as mãos.

O Teto de Gastos é o Plano Real da dívida pública. A lógica deveria ser a seguinte: se não dá para fazer investimentos, vamos reduzir os outros gastos para aumentar o espaço para os investimentos. Caso contrário, a dívida pública (de 80% do PIB!) não vai diminuir nunca. Na verdade, vai continuar aumentando.

Os dois economistas autores de um artigo publicado hoje no Valor (O retorno dos bonds vigilantes) defendem a tese de que tanto faz o tamanho da dívida, o que importa é o apetite dos investidores externos. Se o apetite for bom, os investidores virão, independentemente da situação fiscal. E, ao reverso, se o apetite for ruim, eles irão embora, mesmo que tenhamos feito a lição de casa.

Isso é verdade, mas só até certo ponto. Países que não fazem sua lição de casa sofrem mais em uma crise internacional do que aqueles que fizeram. Todos sofrem, é verdade, mas uns mais do que os outros. Como dizem, é na hora que a água baixa que vemos que está nadando pelado. Então, não é indiferente fazer ou não a lição de casa. A Argentina que o diga.

O Teto de Gastos é aquela promessa de afastamento total da bebida por parte do alcoólatra. “Beber só essa dose”, como propõem alguns economistas ortodoxos, é a receita para a recaída. Enquanto não nos convencermos de que enough is enough em termos de gastos públicos, vamos nos arrastar em meias soluções que não solucionam nada, e só criam mais problemas para o futuro.

Tive uma ideia!

Tive uma ideia.

Por que não duplicar os salários dos funcionários públicos? Pelo raciocínio do economista da UnB, seria um impulso e tanto para a atividade econômica.

Para não aumentar a dívida (que já está em quase 80% do PIB, e continua crescendo) nem aumentar a carga tributária (que já está em 35% do PIB e continua crescendo), o governo poderia simplesmente imprimir dinheiro.

Faria isso escondido, na calada da noite, de modo que ninguém perceberia algo como 5% do PIB de aumento da base monetária. Assim, se evitariam os efeitos inflacionários da medida.

Pensando bem, acho que dá pra triplicar os salários do funcionalismo.

Prioridades

Sim, as duas notícias estão no mesmo jornal.

O “estudo conceitual” do museu do STF, onde estão as togas de antigos ministros, vai custar módicos R$240 mil, que serão pagos a um escritório de arquitetura de grife.

Não sei quanto é um salário de estagiário no STF, mas na iniciativa privada, esse dinheiro daria para sustentar 10 estagiários durante um ano. Mas o museu deve ser mais importante.

Em defesa do controle dos gastos públicos

Dentro de pouco tempo, começará uma pressão crescente, que se tornará insuportável, para que o governo “faça alguma coisa” para acelerar o crescimento econômico. Com um desemprego que cairá muuuuito lentamente, o “do something” ganhará força, o que pode levar o governo a tomar medidas irresponsáveis.

Seria muito bom que o presidente lesse este artigo do economista Affonso Celso Pastore, e resistisse às soluções fáceis, que têm como resultado aprofundar o buraco em que nos metemos.

Teto de gastos: uma explicação

A amiga Katia Izumida me pede para explicar o conceito de teto de gastos de maneira simples. Como essa deve ser uma dúvida de mais pessoas, afinal trata-se de um assunto muito técnico, vou tentar aqui.

Gosto de pensar no orçamento federal nos mesmos termos do orçamento doméstico. Afinal, é tudo dinheiro que entra e dinheiro que sai.

No nosso orçamento, uma grande parte é engessado. As despesas com escola, com o convênio de saúde, com o supermercado, com luz, água e gás, com aluguel ou prestação do apartamento, gastos com transporte, enfim, com as coisas essenciais, normalmente mexemos muito pouco, se é que mexemos.

Aí você tem uma outra categoria de gastos, que não são necessariamente menos essenciais, mas que podem ser adiados. Roupas, restaurantes, viagens. A gente pode adiar essas coisas, mas não muito. Quem aguenta ficar muito tempo sem uma roupa nova? Ou sem viajar ou se divertir de alguma maneira? São os falsos adiáveis, coisas com que um dia você vai precisar gastar.

O orçamento das pessoas, geralmente, é em grande parte formado pelo primeiro tipo de gasto, que são “incompressíveis”. Mais do que incompressíveis, eles se expandem no tempo. Queremos sempre algo melhor no supermercado, uma escola melhor para os filhos, um convênio melhor (na verdade, o preço do convênio aumenta sem ficar melhor rsrsrs).

Enquanto as receitas estão aumentando, tudo bem. O problema é quando param de aumentar ou cessam de uma vez por conta de uma demissão, por exemplo. Aí, os gastos “incompressíveis” vão tomando conta do orçamento e expulsando os gastos adiáveis. Só que tem uma hora que a coisa estoura! Como eu disse, é muito difícil ficar sem comprar uma roupa ou sem se divertir durante muito tempo.

O que fazemos com nosso orçamento, neste caso? Podemos, por exemplo, comprimir as despesas “incompressíveis”: compramos coisas mais baratas no supermercado, mudamos as crianças de escola, rebaixamos o convênio médico. Podemos também vender bens ou nos endividar. Claro que vender bens e endividar-se não resolve o problema, somente o adia. O problema somente será resolvido quando a receita for maior que a despesa.

O orçamento doméstico tem um teto de gastos natural, dado pela receita que temos. Mas isto é uma grande armadilha: aumentar as despesas acompanhando o aumento das receitas fará qualquer ajuste no futuro ser muito mais doloroso. A família se acostuma com um certo padrão de vida e, caso a receita caia abruptamente, a adaptação é muito difícil. O ideal é utilizar qualquer aumento de receita para fazer um pé-de-meia para um eventual tempo de vacas magras. Há duas vantagens nesta postura: a primeira é ter esta poupança. A segunda é viver com um padrão de vida um pouco menor do que a receita permitiria, o que torna uma eventual adaptação menos dolorida.

O governo caiu nessa armadilha com as quatro patas. Houve um aumento de receitas espetacular no grande ciclo das commodities (de 2003 a 2007). O que fez o governo, em todos os níveis? Aumentou despesas como se não houvesse amanhã. E quando falamos de governo, é bom lembrar que boa parte das despesas é “incompressível” por força de lei. Ou seja, os gastos “incompressíveis” são incompressíveis mesmo. Nada neste mundo consegue comprimi-los. Está escrito na lei e, para eliminar gastos incompressíveis é preciso mudar a lei. O resultado disso é que os gastos “adiáveis” são comprimidos até desaparecerem. Estes são os chamados “gastos discricionários”, aqueles para os quais não há uma lei forçando a mão do presidente. Para estes gastos, o executivo pode contingenciar, ou seja, deixar de gastar.

A lei do teto de gastos veio para tentar barrar o aumento desenfreado das despesas. Na verdade, é mais suave do que a lei que deveria existir e realmente resolveria o problema, que é gastar menos do que se arrecada. O governo está rodando com déficit! Em outras palavras, mesmo com o teto de gastos, a situação continua a se deteriorar! Este é o resultado de anos de aumento irresponsável de despesas.

O governo, assim como as famílias, pode vender bens (privatizar) ou se endividar para cobrir o rombo do orçamento. Mas a capacidade de se endividar termina quando os credores decidem que terminou. Isso não acontece da noite para o dia. No início, as taxas de juros cobradas sobem. Aos poucos, os credores dispostos a rolar a dívida vão diminuindo. Até que ocorre uma crise da dívida. Se você não sabe o que é isso, dê uma olhada na Argentina hoje.

Ao contrário do orçamento doméstico, os governos têm à mão a alternativa de imprimir o dinheiro com que pagam as suas dívidas e suas compras. Só que isso é uma ilusão: esse dinheiro sem lastro acaba perdendo o valor e, no final, não passa de papel pintado que ninguém quer. A isso chamamos de inflação.

Então, Katia, resumindo:
– O governo elevou despesas ao longo dos anos, com base em receitas crescentes. Quando as receitas caíram, descobrimos que as despesas são “incompressíveis”. Resultado: déficit nas contas e aumento da dívida.
– A lei do teto de gastos procura diminuir o ritmo de aumento das despesas. Trata-se de uma terapia suave, se comparado com o que deveria ser realmente feito, que é eliminar o déficit.
– A gritaria toda está nos gastos “adiáveis”, quando o problema real está nos gastos “incompressíveis”. Aí estão as vacas sagradas.

Isso tudo porque estamos falando somente do rombo primário, ou seja, sem considerar o pagamento de juros da dívida. A dívida acumulada por décadas de irresponsabilidade é tão gigantesca, que o pagamento dos juros é um capítulo à parte. E, mesmo que a dívida desaparecesse do dia para a noite (um calote, por exemplo), não teríamos nossos problemas resolvidos, pois ainda gastamos mais do que arrecadamos. Quem iria nos emprestar dinheiro para continuar a farra?

Arquitetura da escolha

Richard Thaler ganhou o Nobel de economia por seus estudos sobre o comportamento humano na tomada de decisões. Entre outras coisas, ele estudou o que se convencionou chamar de “arquitetura da escolha”.

Segundo essa teoria, o ser humano é livre, mas até certo ponto. As suas escolhas são condicionadas pela forma como os problemas lhe são apresentados. Um exemplo simples, muito utilizado pelas empresas de consumo, é a posição dos produtos nas prateleiras dos supermercados. A prateleira na altura dos olhos é disputada a tapa pelas diversas marcas. Todos sabem que o consumidor tende a escolher os produtos mais acessíveis.

O mesmo vale para a ingrata tarefa de largar vícios. A pessoa que procura largar o cigarro e a bebida sabe que não pode se aproximar de pessoas que fumam ou bebem, pelo menos no início de sua luta. Ele sabe que sua escolha é livre, mas só até certo ponto.

A arquitetura da escolha também pode nos levar a gastar mais ou menos. Mudar-se para um bairro mais rico nos fará gastar mais com serviços inexoravelmente. Forçar uma economia aqui funciona até certo ponto, mas acaba cansando. A escolha pelo bairro mais rico acaba condicionando as escolhas subsequentes.

O que estamos presenciando no momento, no debate sobre o teto de gastos, é o choque entre duas arquiteturas da escolha. A primeira é muito antiga, e se chama “direitos adquiridos”. São intocáveis, abrigados que estão sob o manto do “Estado Democrático de Direito”, sucedâneo republicano das “Ordenações do Reino”. Os gastos do Estado estão condicionados por essa escolha ancestral.

A segunda arquitetura da escolha é o Teto de Gastos. É muito mais recente, um bicho estranho no modus operandi do Estado brasileiro. Foi uma ideia simples e genial, que chamei aqui de Plano Real dos gastos públicos.

Ocorre que, a exemplo de outras ideias igualmente simples e geniais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, entra em choque com a única arquitetura da escolha que realmente funciona no Brasil. Adivinha qual irá prevalecer.

É uma questão matemática

O teto de gastos para 2020 será de aproximadamente R$ 1,46 trilhão. Os gastos discricionários propostos são de R$ 105 bilhões, ou 7,2%. O resto, 92,8%, ou R$ 1,35 trilhão, são gastos incompressíveis, incomprimíveis, imexíveis, intocáveis, sagrados.

Em 2018, esses gastos discricionários foram de R$ 144 bilhões, este ano deverão ser de aproximadamente R$ 125 bilhões e no ano que vem, como dissemos acima, a proposta é que sejam de R$ 105 bilhões. Uma redução de R$ 40 bilhões em dois anos.

É sobre isso que estamos falando. R$ 40 bilhões, em um orçamento federal de R$ 1,46 trilhão. E já estamos precisando cortar todas as bolsas da CAPES e apagar as luzes de todos os quartéis. As próximas vítimas serão a confecção de passaportes, aguarde.

Se já estamos à beira de um ataque de nervos ao cortar R$ 40 bilhões de despesas dispensáveis como o investimento em pesquisa, luz nas repartições públicas e, eventualmente, passaportes, imagine como será quando mexermos em coisas realmente importantes e indispensáveis, como os salários do funcionalismo público e as aposentadorias integrais e especiais aos 50 anos. Aí o país entrará em estado apopléctico.

Por isso, vamos mexer no teto de gastos. É uma questão matemática.

É uma questão política

Não Bolsonaro, o teto de gastos não é uma questão matemática. A distribuição dos gastos públicos é uma questão POLÍTICA.

A coisa mais fácil do mundo, como qualquer pai de família sabe, é aumentar gastos. O duro é fazer o que tem que ser feito.

A situação fiscal do Brasil é delicadíssima. Estamos produzindo déficit fiscal há 6 anos e a relação dívida/PIB não para de crescer. A reforma da Previdência é apenas o início de um longo ajuste necessário.

Bolsonaro está brincando com fogo. Ele deveria olhar o que está acontecendo com o seu colega Macri.

Mudanças no teto de gastos

O teto de gastos foi uma espécie de “Plano Real” das contas públicas. Despretensiosamente, o teto de gastos resolve, a longo prazo, o problema fiscal do Brasil. É como comprar uma roupa justa e ser obrigado a não engordar para continuar cabendo.

Óbvio que, para funcionar, é preciso realizar uma série de reformas. A primeira e mais importante foi a da Previdência. Mas são necessárias outras para que o corpo continue cabendo no figurino.

Mas o Estado brasileiro está viciado em doces e frituras e tudo o mais que engorda. Aquela roupa de dois anos atrás já não serve mais. Ao invés de procurar manter o peso, adivinha, estão agora pensando em maneiras de trocar a roupa por outra maior.

Fábio Gianbiagi, economista que respeito, veio ontem com a proposta de mudar a regra do teto, incluindo ganho real sobre a inflação. Não é uma ideia estapafúrdia, dado que mantém a essência da ideia, que é o teto de gastos. Mas, por onde passa um boi passa uma boiada. Colocar em votação qualquer coisa relacionada ao teto de gastos agora é como oferecer “só uma dose” para um alcoólatra que está tentando largar o vício.

Entendo os argumentos daqueles que defendem que, em um país com as necessidades do Brasil, cortar gastos públicos é penalizar aqueles que mais precisam da assistência estatal. Ocorre que, no país da meia-entrada, tem muita, mas muita gordura para cortar antes de chegar aos gastos do Estado que efetivamente chegam aos mais necessitados. Dá pra emagrecer bastante, e ainda melhorar os serviços públicos. Basta focar os gastos públicos nos mais pobres e resistir ao assalto das corporações, do empresariado e da classe média aos cofres públicos. Fácil, né?

Os sacrifícios do governo

A meta de déficit fiscal é de R$ 136 bilhões. Atenção: não é de superávit. É de DÉFICIT. Mesmo assim, o governo vai parar em setembro porque não há dinheiro para cumprir esta meta.

Guedes está raspando o tacho, dessa vez antecipando o máximo possível de dividendos das estatais. Dividendos esses que somente seriam devidos no ano que vem. E no ano que vem? Sei lá, a gente se vira.

O governo está fazendo sacrifícios enormes para tentar se enquadrar. Sacrifícios com o bu do povo, que fique bem claro. Serviços essenciais estão ameaçados, desde a emissão de passaportes até o atendimento de saúde. Mas despreocupe-se quem está pensando que o governo está vivendo a pão e água. Vejamos:

– O STF decretou que salários públicos são irredutíveis. E, claro, funcionários públicos são inamovíveis.

– Entrantes em carreiras de Estado continuam recebendo o mesmo que profissionais tarimbados sequer sonham em ganhar na iniciativa privada.

– Penduricalhos continuam pendurados nos salários dos servidores, fora do alcance da Receita.

– Dentes continuam sendo tratados no Congresso, garantindo o sorriso dos representantes do povo.

– Municípios continuam sendo criados, para garantir o ganha-pão de novos prefeitos e vereadores.

– Aposentadorias integrais para ex-servidores com menos de 60 anos, incluindo moçoilas que tiveram a sorte de não se casar, continuam sendo religiosamente depositadas.

– E uma longa, longuíssima lista de privilégios adquiridos se segue.

Mas, para não ser injusto, a máquina está fazendo a sua parte. Ouvi dizer que as luzes da esplanada dos ministérios estão sendo apagadas às 18:00 hs e o cafezinho está sendo cortado. Mas, claro, descansem os espíritos mais sensíveis, sem tocar na copeira que ganha o equivalente a engenheiros: ela é irredutível e inamovível.

A grande reforma fiscal dos últimos anos foi a da Previdência. R$ 1 trilhão economizados nos próximos 10 anos. Grande parte dessa economia virá do grande público. Muito bem, assim tinha que ser. Afinal, de onde sairia o dinheiro para manter essa máquina de privilégios funcionando?