Colocar-se no lugar do outro

Esta foto foi tirada hoje por mim. Trata-se de um cruzamento na avenida Brasil, em São Paulo. Tirei essa foto porque chamou-me a atenção a pequena trilha construída à força dos passos dos transeuntes.

Confesso que essa trilha me incomoda, porque tenho um certo TOC de organização. Tirei a foto para usá-la como metáfora de algo ruim. Mas, quando estava escrevendo, ocorreu-me uma outra metáfora, só que positiva. Vou descrever as duas, e depois terminar com uma terceira, que resume toda essa confusão.

A metáfora negativa: “essa trilha é o símbolo do “jeitinho” brasileiro, que, no final do dia, não passa do desrespeito dos brasileiros, de todos os estratos de renda, pelas instituições. Terminamos com um país depredado, feio, em que, o que importa, é levar vantagem”.

A metáfora positiva: “essa trilha é a resposta do ser humano às regras artificiais do Estado. Ao forçar uma igualdade que não existe na prática, o socialismo cai diante diante da engenhosidade humana. O capitalismo continua em pé porque permite a construção da menor reta entre dois pontos. Esta trilha é a metáfora da queda do muro de Berlim”.

Qualquer realidade se presta a várias interpretações. Depende da sua formação, da sua história pessoal, até da sua genética. A depender de qual lado do cérebro domina, a pessoa verá o mundo de uma determinada forma. A realidade é uma só, não há dúvida, nós não a construímos. Mas a forma de explicá-la varia muito. Sempre podemos enxergar a velha ou a moça, como na clássica ilusão de ótica.

Passamos o ano em nossa trincheira, jogando granadas na trincheira adversária. Estamos do lado do Bem, combatendo o Mal. A propósito, lembro-me do romance policial “O Homem que foi Quinta-Feira” do filósofo britânico G K Chesterton. O protagonista, um policial, infiltra-se em uma rede anarquista, em que os membros recebiam os nomes dos dias da semana. Ele era o Quinta-Feira, e vai descobrindo que todos os outros membros também eram policiais infiltrados. No final (spoiler) ele descobre que o chefe, Domingo, era também o chefe da polícia. Ou seja, bem e mal se misturam em uma massa difícil de distinguir. Era a metáfora de Chesterton para explicar Sto Agostinho e sua refutação do Maniqueísmo, em que o Bem e o Mal são absolutos. Para Sto Agostinho, somente o Bem era absoluto (Deus), enquanto nós, os homens, temos visões parciais do bem.

Tudo isso para dizer que talvez fosse bom todos nós tentarmos nos colocar no lugar do outro, antes de emitirmos a nossa sentença condenatória. As discussões seriam mais serenas e teríamos menos dissabores. Esse é o meu voto e meu propósito para o ano que se inicia.