Há alguns dias, publiquei aqui a entrevista do vice-presidente do TST. Ele denunciava o “desmonte” da legislação trabalhista, e a “cassação” dos direitos dos trabalhadores. Um desastre.
Hoje, para contrapor, público uma entrevista com a presidente do TST. Sem abrir mão de defender que a lei deve, de maneira geral, “preservar direitos”, ela reconhece que a CLT já não serve no mundo atual do trabalho. Os direitos dos trabalhadores devem ser reconhecidos desde o ponto de vista da realidade econômica das relações do trabalho, e não como um ente abstrato, pairando sobre a realidade.
Depois daquela entrevista, esta é um bálsamo de bom senso.
Essa entrevista não é de um qualquer. O entrevistado é ninguém menos que o vice-presidente do TST. E que, um dia, será o presidente.
De sua confortável poltrona, onde não há corte de empregos e salários, o Meritíssimo dita as regras de como deveria funcionar a economia. Entregadores, por exemplo, deveriam ter direito a férias e 13o salário. Ele não cita, mas certamente é a favor de todos os outros encargos que jogam milhões de trabalhadores na informalidade. Pouco se lhe dá se o negócio de entrega sobrevive a esses encargos que, se exigidos, voltariam a jogar todas essas pessoas de volta ao desemprego.
O argumento usado pelo magistrado é risível, típico de quem tem do mundo do trabalho e da economia real uma ideia construída a partir dos gabinetes protegidos dos concursos públicos: afinal, se o entregador não determina seu preço, ele é empregado da plataforma, não patrão. Ora, é claro que o entregador determina o preço: a plataforma faz um leilão, e adere ao preço quem quer. Se ele não estiver satisfeito, pode procurar outra coisa para fazer. Isso funciona em vários outros ramos, inclusive em licitações públicas, onde o governo determina um preço máximo pelo produto ou serviço a ser comprado.
O Excelentíssimo não para por aí: ele também ameaça as empresas que estão reduzindo salários e jornadas sem a anuência do sindicato. Já deu sua sentença nessa entrevista, inclusive contra entendimento recente do STF. Ele não se intimida em sua missão de manter o alto nível de desemprego e informalidade do país.
Também o 13o foi objeto das reflexões “econômicas” do magistrado, pois teria o condão de “criar” consumo “out do the thin air”, como diriam os americanos. Vai fazer a criatura entender que o 13o é apenas uma renda diferida, não é uma renda nova, de modo que não tem efeito nenhum sobre a atividade econômica. Quando um empresário contrata, ele faz a conta de quanto vai pagar anualmente e divide por 13, ao invés de por 12. Fosse assim fácil, não haveria pobreza no mundo, bastaria criar o 14o, 15o, 16o, etc, até todos, empresários e empregados, ficarem ricos e felizes.
O 13o é da época de Getúlio Vargas, e todos os outros “direitos trabalhistas” foram criados a partir de então. São décadas de “direitos” criados por políticos populistas, defendidos por magistrados em gabinetes desconectados da realidade e aplaudidos por uma massa ignara a quem faltam noções mínimas de economia. São décadas de “rede de proteção social”, que criaram um desemprego estrutural de 10% e um dos maiores mercados informais de trabalho do mundo. Será que não estaria na hora de tentar outra coisa?
Jurássico é um termo que carrega uma conotação qualitativa que pode ser inconveniente. Afinal, nem tudo o que é antigo é ruim e nem tudo o que é novo é bom. Por isso, vou me abster de chamar o Excelentíssimo de jurássico. Ele está errado. Só isso.
Posso estar enganado, mas acho que é a primeira vez que o TST julga essa questão.
Para não me acusarem de “insensibilidade” (acontece frequentemente aqui) não vou comemorar efusivamente. Obviamente gostaria que todos os motoristas do Uber, assim como todos os trabalhadores do Brasil, fossem registrados em carteira, tendo assegurados todos os seus “direitos trabalhistas”.
Mas também é óbvio que, se isso ocorresse, o preço do Uber subiria em pelo menos 50%, o que afastaria uma parcela significativa de seus clientes, o que, por sua vez, desempregaria uma parcela relevante dos motoristas. A plataforma do Uber replicaria o Brasil: uma minoria com os “direitos garantidos” e uma maioria desempregada.
Mas a ideia do Uber vai além dessa questão, digamos, mais pragmática. A plataforma é, conceitualmente falando, apenas uma maneira inteligente de ligar passageiros a motoristas. Três exemplos deixarão claro porque é absurdo considerar essa relação como empregador-empregado:
1) A prefeitura de São Paulo lançou um aplicativo que permite chamar táxis na cidade. Seriam esses motoristas funcionários públicos da Prefeitura por se cadastrarem no aplicativo?
2) São comuns as cooperativas de Taxi, que se utilizavam no passado de rádio e, mais modernamente, de aplicativos, para conectar motoristas e passageiros. Seriam estes taxistas empregados das cooperativas?
3) Existe um aplicativo chamado GerNinjas, que conecta profissionais dos mais diversos ramos com potenciais usuários de serviços. A contratação é feita diretamente com o prestador de serviço, não há intermediação da GetNinjas (terceirização). Seriam esses profissionais empregados do aplicativo?
Enfim, acho que ficou claro. O curioso nisso tudo é que quem defende a existência dessa “relação trabalhista” normalmente é a esquerda, que, como sabemos, é a defensora número 1 dos trabalhadores. Mas Marx defendia que os proletários assumissem os meios de produção para, assim, se apropriarem da mais-valia que era usurpada pelo capitalista. Ora, no esquema do Uber, o trabalhador possui o seu “meio de produção” que é o carro, e extrai dele a sua mais-valia. Não há patrão. Quer coisa mais marxista?
TST determina que trabalho intermitente vale para qualquer tipo de trabalho. Esta é a lei, segundo o relator do caso, o ministro Ives Gandra Martins Filho.
Em seu voto, Ives Gandra apoda de “ideológica” a decisão de instâncias inferiores, que viram no trabalho intermitente uma “precarização” dos “direitos do trabalhador”.
O presidente do TST cassou liminar que impedia o leilão da Amazonas Energia e da CEAL. Esta liminar havia sido concedida por um desembargador do TRT da 1a região, sob a alegação de que a privatização colocava em risco os empregos nas concessionárias licitadas. O presidente do TST considerou este argumento “frágil”, pois a privatização foi determinada em processo legislativo legítimo e os direitos trabalhistas devem ser buscados através dos canais competentes, e não no processo de privatização.
Sim, nem tudo está perdido. Há vida inteligente em Brasília.