Realidade, antídoto contra teorias da conspiração

A Fox News entrou em acordo com a Dominion, fabricante de urnas eletrônicas, e vai pagar uma indenização por difamação de 787 milhões de dólares. Sim, é isso mesmo que você leu: quase 1 bilhão de dólares. Isso porque a pedida da Dominion era de US$ 1,6 bilhão, mas Fox e Dominion chegaram a um acordo antes de iniciar a sessão do júri.

Para quem não se lembra, a Dominion foi acusada de manipular os resultados das eleições americanas em 2020. A história rocambolesca envolvia, inclusive, conexões com a Venezuela chavista. Enfim, era daquelas teorias da conspiração clássicas, em que “pontos suspeitos” eram ligados aleatoriamente para construir a tese desejada. A empresa foi alvo de várias reportagens com esse teor pela Fox News, que repercutia as teorias de Donald Trump e seus aliados, os quais, por sinal, também são objeto de processo de difamação por parte da Dominion.

No final do dia, teorias da conspiração não sobrevivem ao escrutínio da vida real.

Burocracia dispensável

Tenho lido frequentemente comentários na seguinte linha: Bolsonaro só não ganha a eleição se as urnas forem fraudadas. O próprio Bolsonaro incentiva esse tipo de interpretação, com sua campanha sobre a fragilidade das urnas eletrônicas.

Essa convicção de que ”Bolsonaro só perde com fraude” nasce de “evidências” como as motociatas, o fato de Lula “não poder sair para eventos públicos”, ou “os eventos públicos de Lula estarem esvaziados”, ou as multidões que cantam o nome de Bolsonaro sempre que ele aparece em público, de acordo com vídeos estrategicamente compartilhados. As pesquisas que dão vantagem a Lula fariam parte da “grande fraude”. Toda a mídia e institutos de pesquisa estariam comprados pelos bilhões roubados pelo PT, que teria recursos infinitos para colocar o sistema político, empresarial e midiático no bolso.

Nessa linha de raciocínio, pergunto: para que então termos eleições? Para eleger o presidente, bastaria medir o número de motos em motociatas, o número de aparições em vídeos com multidões ovacionando, ou o número de pessoas ocupando a Paulista em showmícios. Teríamos, assim, uma medida mais honesta e objetiva de quem o povo quer como presidente da república.

A convicção de que “Bolsonaro só perde com fraude” torna as eleições absolutamente dispensáveis, uma perda de tempo. Trata-se, na verdade, do tipo de convicção que não conversa com o processo democrático. Para essas pessoas, é simplesmente inadmissível que seu político predileto não tenha a maioria dos votos. No seu universo mental, somente a fraude explica um resultado adverso. Eleições, nesse contexto, não passam de uma burocracia dispensável.

Tiro no pé

Já escrevi aqui algumas vezes sobre urnas eletrônicas e higidez do sistema de apuração de votos. Inclusive, escrevi um longo artigo a respeito, não do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista institucional (Teoria da Conspiração e Eleições). Portanto, não vou gastar o tempo de ninguém discutindo mais essa proposta do Ministério da Defesa para “garantir” a segurança da votação, a de ter votação paralela em papel na seção eleitoral.

O objetivo desse post é tentar transmitir aos bolsonaristas de carteirinha o ânimo que toma conta de alguns eleitores que, como eu, são antipetistas e votaram em Bolsonaro em 2018, quando leem notícias como essa. Não tenho a pretensão de representar ninguém, só represento o meu voto. Mas talvez o meu voto seja representativo do de uma parcela da população.

Obviamente, ganha a eleição quem tem mais votos. Portanto, quanto mais votos, melhor. Bolsonaro, no entanto, afasta eleitores antipetistas com quem poderia contar, ao insistir nessa história de “fraude eleitoral”. Essa história talvez seja a cereja de um bolo que demonstra a incapacidade do atual presidente de exercer o cargo para o qual foi eleito. Não dá para ter um paranoico como presidente da República.

Para se dar ao luxo de afastar votos, das duas uma: ou Bolsonaro está convencido de que já tem votos suficientes para ganhar a eleição e somente uma fraude o afastaria da reeleição, ou está convencido de que já perdeu a eleição, e quer tumultuar para tentar uma virada de mesa. Somente uma dessas duas hipóteses justifica a sua insistência no tema, que claramente aumenta a sua rejeição em uma parcela do eleitorado que, de outra maneira, estaria disposta a sufragá-lo.

Veja, antes de gastar o seu tempo tecendo longos comentários sobre a insegurança do sistema de votação ou sobre a parcialidade do TSE, note que a questão não é essa. A questão é de percepção. Da minha única e particular percepção. Votar em Lula eu não voto. Por outro lado, com esse tipo de atitude, Bolsonaro torna mais difícil meu voto. Depois, não adianta demonizar o voto nulo. Busquem o culpado da eleição de Lula nessa incrível capacidade do presidente de encher o seu próprio pé de bala.

Mal posso esperar para ver

Bolsonaro nos revela que há um plano. Um plano que somente ele e seus apoiadores conhecem. Um plano que não envolve “um novo Capitólio”, mas algo a ser feito “antes das eleições”.

No que consistiria esse plano? O que “sabemos o que temos que fazer”? Se não é uma invasão ao Congresso ou ao STF, o que seria? Não consigo imaginar, mas deve ser algo muito eficaz para garantir a eleição do mito.

O que quer que seja, já é do conhecimento dos bolsonaristas, pois estes já sabem “como temos que nos preparar”. Fico cá imaginando como este plano foi comunicado a toda comunidade bolsonarista. Certamente não foi via redes sociais, pois senão já todos nós estaríamos sabendo. Não. Deve haver um canal secreto de comunicação, de modo que os bolsonaristas, e somente eles, “sabem o que têm que fazer”.

Mal posso esperar para ver.

O presidente isolado

As posições de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco deixam Bolsonaro isolado em sua batalha em torno do sistema de apuração de votos. Lembrando que os dois chefes das Casas Legislativas foram eleitos com sólido apoio do Palácio do Planalto, o que torna ainda mais significativa a posição de ambos sobre o assunto. Apesar de não representarem todos os parlamentares, os presidentes da Câmara e do Senado de alguma maneira normalmente traduzem o sentimento majoritário das casas, pois o seu comando depende do apoio de uma maioria mais ou menos estável.

Temos então a seguinte situação: de um lado, o chefe do Executivo, de outro, os chefes dos outros dois poderes. Qual a real chance de que, de alguma maneira, Bolsonaro consiga empurrar a sua “solução” para o problema? Problema, convém destacar, que somente ele, dentre os três poderes, vê.

A história pode nos ser útil aqui. A deposição de Jango foi obra de dois poderes (Legislativo e Judiciário) contra o chefe do terceiro poder. Ao lado dos dois poderes havia o que chamo de “opinião pública”, representada por uma fatia representativa da classe média e do empresariado, cujo porta-voz são os grandes jornais. E, para que houvesse o enforcement da coisa, as Forças Armadas foram chamadas a atuar.

Hoje a situação, de alguma maneira, é a mesma: de um lado, o Executivo, do outro, Legislativo, Judiciário e grande parte da opinião pública, que só quer paz para trabalhar e não vê grandes problemas no sistema de apuração. Resta saber onde estão os militares. Será que, ao contrário de 1964, irão se juntar a um chefe de executivo isolado para impor uma solução aos outros dois poderes e a uma opinião pública refratária? Parece pouco provável.

Por isso, parece-me que o máximo que pode acontecer é uma versão tupiniquim da invasão ao Capitólio. Se lá já foi ridículo, imagine aqui.

Confiança 100%

A urna eletrônica é suficientemente segura. Repare que não disse “100% segura”. Não existe nada no mundo que seja 100% seguro. Quem faz gestão de riscos sabe que o máximo que se consegue fazer é mitigar riscos, nunca eliminá-los 100%. A urna eletrônica veio substituir a votação em papel justamente para diminuir o risco de fraude eleitoral. Não eliminar, mas diminuir.

A urna com o voto impresso acoplado seria um avanço para a auditoria do voto, aumentando ainda mais a segurança do processo. No entanto, dado o atual nível de segurança, já bastante robusto, concluiu-se que o custo adicional, além de possíveis problemas mecânicos que poderiam inviabilizar um número alto de urnas, não valeriam a segurança adicional. Em nossas casas fazemos a mesma conta o tempo inteiro: reforçamos a segurança até que o custo da segurança adicional não compensa o seu custo.

A pergunta feita pela enquete da Jovem Pan tira proveito dessa falha cognitiva ao perguntar se o internauta confia TOTALMENTE no processo eleitoral.

“Totalmente”, talvez eu mesmo, que confio no processo, respondesse que não. Não dá pra confiar em nada “totalmente”. O risco sempre vai existir. Confiamos de maneira razoável. Não se trata de 100% de segurança ou zero. Há um nível de risco em que podemos nos sentir confortáveis, a ponto de entrar em um avião e ter razoável certeza de que chegaremos ao nosso destino.

O público da Jovem Pan, uma rádio de apoio ao bolsonarismo, é enviesado. Qualquer enquete terá como resultado a tese bolsonarista, qualquer que seja. O uso da palavra “totalmente” só agrava a situação, o que, provavelmente, era a intenção da rádio. A enquete só confirma o que já sabemos: os bolsonaristas não confiam na urna eletrônica. Na verdade, a urna eletrônica serve como um bom bode expiatório para colocar em dúvida o processo eleitoral. Donald Trump e seus seguidores tiveram muito mais trabalho para alegar fraude eleitoral. Precisaram inventar uma série de histórias diferentes (todas elas devidamente refutadas, escrevi um longo post a respeito) para defender a tese da fraude. Aqui no Brasil é muito mais fácil: o TSE, que não é simpático a Bolsonaro, deixa propositalmente um flanco aberto para a ação de “hackers” a serviço dos adversários de Bolsonaro. Como isso se daria em grande escala, dado todo o processo, não fica claro, mas isso é o de menos quando se trata de “provar” uma tese.

O fato é que Bolsonaro está há muito tempo preparando o terreno para a tese da fraude. Uma parcela da população, a que segue Bolsonaro, está absolutamente convencida de que o processo é fraudulento, independentemente do resultado. Portanto, resta inútil qualquer tentativa de “provar” a segurança das urnas. Quem está convencido da tese não necessita de “provas”.

A invasão do Capitólio foi o ponto alto (ou baixo, a depender da perspectiva) da tese da fraude nos EUA. Aqui, bolsonaristas mais exaltados poderão tentar algo parecido se Bolsonaro for derrotado, mas dificilmente terão mais sucesso do que o exército brancaleone de Trump conseguiu, dado que igualmente não terão apoio institucional. Restará o chororô e a disputa política para a próxima eleição. Que será igualmente apurada em urnas eletrônicas, as mesmas que deram a vitória a Bolsonaro em 2018.

PS1: figura retirada de um post de Joel Pinheiro da Fonseca.

PS2: no post citado acima, há um vídeo de um debate sobre segurança das urnas entre um técnico do TSE e Diego Aranha, o crítico mais vocal sobre a segurança das urnas eletrônicas. Vale assistir para entender melhor a questão.

Four hours at the Capitol

Desde o início de outubro, o TSE abriu todos os procedimentos do processo eleitoral para quem estivesse interessado em verificar a lisura das urnas eletrônicas. Até o momento, só se ouve o ruído bucólico dos grilos.

Ao que parece, não há realmente interesse em auditar. O que interessa é criar uma narrativa conspiracionista. Para tanto, os fatos são dispensáveis. Basta que exista uma verdade a priori, diante da qual toda a realidade se curva, como diante de um campo magnético.

A ausência de interesse pela auditoria das urnas eletrônicas vem bem a calhar para introduzir o tema deste post: o documentário Four Hours At The Capitol, disponível na HBO, e que narra a invasão do Congresso americano em 6 de janeiro último.

O documentário não tem um narrador. Trata-se de uma mescla entre as imagens feitas pelos próprios invasores e a narração dos principais personagens que aparecem nessas imagens. São entrevistados vários dos invasores, além de parlamentares, funcionários do Capitólio e policiais. É simplesmente chocante.

Uma das coisas que mais chamam a atenção é a devoção religiosa a Trump, que transparece em várias entrevistas. O documentário faz um cuidadoso retrospecto minuto a minuto daquele dia, de modo que ficamos sabendo que, apenas 19 minutos após o início do discurso de Trump, um pequeno grupo de manifestantes já se dirige ao Capitólio, pois entende ser essa a ordem do ainda então presidente. Ao longo das horas seguintes, outros grupos se juntam ao primeiro, formando a multidão ensandecida que proporcionou o espetáculo que todos viram. Dizer que Trump não teve nada a ver com isso é distorcer a realidade dos fatos.

(Aliás, só um parêntese. Em várias cenas, os policiais classificam os invasores de terroristas. É interessante como, quando há quebra-quebra em manifestações de esquerda, há sempre, com razão, a crítica a quem chama esses vândalos de “manifestantes”. Pois bem, parece ser igualmente inadequado chamar de “manifestantes” esses vândalos que invadiram o Capitólio. Fecha parêntese).

Mas o que realmente chamou-me a atenção no documentário foi o non sense da coisa toda. Não havia realmente um plano. Os primeiros que entraram ficaram perdidos. E agora, o que fazemos? O “plano” passou a ser invadir o plenário e “obrigar” os senadores a não reconhecer o resultado das eleições. Como se isso fosse um plano. Digamos que tivessem sucesso: o que aconteceria depois? Uma resolução do Congresso tirada debaixo da força física teria alguma força de lei? Esses mesmos senadores continuariam docilmente em seus lugares depois dessa pantomima? Um non sense completo.

O único curso de ação que faria algum sentido foi levantado por um senador, que aventou a hipótese de Trump, ainda presidente, aproveitar a ausência de todos os parlamentares (que estavam sendo evacuados) para decretar lei marcial e assumir poderes ditatoriais. Não sei quão factível seria isso, mas serve para chamar a atenção para um ponto importantíssimo: em qualquer regime político, seja ele revolucionário ou não, é preciso que uma elite política assuma o poder. A turba em si não resolve nada, torna-se um quebra-quebra sem sentido. O que esses invasores queriam era uma ditadura de Donald Trump.

Alguns dirão que não, que o desejo da turba era ter eleições limpas. E, por eleições limpas, entenda-se eleições em que Trump fosse eleito. Aqui voltamos à questão da urna eletrônica. No início do ano, escrevi um artigo refutando uma longa série de acusações de fraudes nas eleições americanas. Todas as acusações não tinham fundamento. Mas isso pouco importava para a tese central da teoria da conspiração: as eleições foram roubadas de Donald Trump de forma sistemática. Este sentimento de injustiça é um poderoso estopim para a revolta da população. E Trump (assim como Bolsonaro) sabe disso.

Um dos gritos de guerra dos manifestantes, enquanto se encaminhavam para o Capitólio, era que aquela era a Casa do Povo, a “nossa casa”. Eles simplesmente estariam retomando a casa deles, como se eles representassem todo o povo americano. A democracia é justamente o regime que permite que todo o povo esteja representado na Casa do Povo, e não apenas os representantes de si mesmos. Se esta representação está distorcida, se os representantes não são dignos, esse é outro problema. O que não existe é uma multidão invadir o Congresso e declarar que, agora, a Casa do Povo pertence ao povo. Não. Normalmente, quando isso acontece, a Casa do Povo acaba sendo dominada por um ditador, que se comunica diretamente com o povo sem a necessidade de intermediários.

A democracia é o pior regime, com exceção de todos outros, dizia Churchill. Que nossas instituições democráticas precisam ser aperfeiçoadas, parece não haver dúvidas. Que o caminho não é invadir o Congresso ou o STF na base da força, também. Mesmo porque, o resultado pós baderna costuma ser pífio, vide as manifestações de 2013. A história mostra que as revoluções que derrubaram regimes resultaram em regimes mais opressivos ainda. O povo sempre será massa de manobra das elites políticas. Na democracia, pelo menos, temos a oportunidade de fazer um rodízio de nossas elites políticas. Não é pouca coisa.

Ação e reação

Pode ser uma imagem de texto que diz "cio da Alvorada. "Jurei dar mi- nha vida pela Pátria. Não aceita- reiintimidações. Vou continuar exercendo meu direito de cida- dão, de liberdade de expressão, de crítica, de ouvir e atender, aci- ma de tudo, a vontade popular.""

Sir Isaac Newton foi um dos maiores gênios da física de todos os tempos. Dentre suas várias contribuições para a mecânica clássica, a sua terceira lei sobre o movimento dos corpos tem lugar de honra: ”A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.”

Esse enunciado vale para um mundo sem atrito de nenhum tipo. Se houver algum atrito, uma parte da força da ação se dissipa em calor, e a reação se dá com menor intensidade. Mas, e isso é importante, não significa que a reação ocorra de outro modo ou que não haja reação alguma. A lei continua sendo válida mesmo na presença de atrito, os corpos continuam reagindo na presença de uma ação.

Se para o mundo das coisas inanimadas Newton conseguiu estabelecer leis gerais, o conceito vale também para o mundo biológico. Os animais reagem a ações, ainda que não seguindo uma lei física. O cão da famosa experiência de Pavlov salivava sempre que recebia determinado estímulo, mesmo na ausência de alimentos. Havia sido estimulado para tal e a sua reação passou a ser previsível, quase seguindo a 3a lei de Newton.

Há quem diga que os seres humanos somos uma mistura de animal com anjo. Gostamos de nos ver como racionais, decidindo tudo em nossas vidas com base em lógica e em nosso livre arbítrio. Mas o fato é que uma parte relevante daquilo que pensamos não passa de reação pavloviana revestida de um verniz racional. Primeiro decidimos o que é certo, depois racionalizamos a nossa escolha. Não por outro motivo tendemos a aceitar argumentos a favor do que pensamos e rejeitar aqueles que vão contra.

As pessoas com habilidades interpessoais superiores sabem disso, mesmo que intuitivamente. Sabem que a forma como se comunicam é tão ou mais importante do que o conteúdo. Verdadeiros líderes, tanto na vida corporativa quanto na política, trabalham pelo consenso, embalando sua mensagem em uma forma que atrai as pessoas, de modo a diminuir resistências.

Chegamos então ao momento atual da política nacional. Há quem diga que tudo o que vem de Bolsonaro será criticado e repelido pelo simples fato de vir dele, independentemente do mérito. Isso, provavelmente, é verdade. O cão de Pavlov dentro de todos nós saliva ao ouvir o presidente, não importa o conteúdo da mensagem. Pode ser uma excitação positiva ou negativa, mas a reação corresponde à ação.

Quando Bolsonaro diz que vai continuar exercendo sua ”liberdade de expressão” por ser um “cidadão”, esquece-se de que não é mais um cidadão qualquer, um obscuro deputado ou um livre-pensador do cenário político atual. Hoje, Bolsonaro é o líder máximo da nação, responsável por construir consensos em torno de suas ideias. E a forma de expressar suas ideias é tão importante quanto o conteúdo.

Consideremos, por exemplo, essa questão das urnas eletrônicas. A ideia em si faz todo sentido: afinal, quem seria contra uma camada a mais de proteção a um processo tão delicado e importante quanto a contagem de votos em uma eleição? O problema não é o conteúdo da mensagem, mas a forma. Ao jogar suspeição sobre o processo atual sem apresentar uma mísera prova de sua acusação, a mensagem soa, a um só tempo, como teoria da conspiração e ameaça. A forma como a mensagem vem embalada faz com que haja a reação previsível: as pessoas dão de ombros para a teoria da conspiração e se defendem da ameaça. Newton e Pavlov ficariam satisfeitos em ver a comprovação de seus achados.

Ah, mas Bolsonaro é assim mesmo, é o tiozão do Pavê, é o cara que ganhou a eleição desse jeito, não vai mudar o que tem de mais autêntico. Ok, também acho que não vai mudar, para infelicidade dele. Não nos esqueçamos que Bolsonaro, ele mesmo, representa a reação à forma de governar e de se comunicar do PT. A toda ação corresponde uma reação. Quando a inteligentsia brasileira se espanta de termos um Bolsonaro como presidente da República, deveria investigar quais ações levaram a essa reação. Assim como, quando Bolsonaro for derrotado em 2022, não adiantará de nada culpar um suposto complô: a explicação de sua derrota estará em suas próprias ações.

A “autenticidade” de Bolsonaro tem um preço. Como dizia a minha avó, quem fala o que quer, ouve o que não quer. Newton e Pavlov não diriam melhor.

Um recado

O ministro da Defesa, Braga Netto, soltou uma nota oficial, desmentindo reportagem de ontem do Estadão, que afirmava que o ministro havia ameaçado a realização das eleições do ano que vem se o voto auditável (impresso) não fosse adotado. A ameaça teria se dado por meio de um interlocutor, que teria “passado o recado” para o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Antes de analisar a nota, uma pequena digressão sobre como são feitas as notícias. Não existe matéria em que o repórter acorda pela manhã e diga “acho que vou publicar isso” e invente uma história qualquer. O que pode haver é falha de apuração ou viés na forma de reportar o fato. Mas matérias jornalísticas são baseadas em algum fato. Algo aconteceu.

É neste ponto que entra a nota oficial de Braga Netto. A nota chama a atenção não pelo que fala, mas pelo que deixa de falar. O fato central da matéria do Estadão é a ameaça às eleições de 2022 caso o voto auditável (impresso) não seja adotado. Este é o fato. E, sobre este fato, nenhuma palavra. O ministro prefere rebater algo absolutamente secundário, a forma de comunicação com o presidente da Câmara. Ora, a apuração pode ter sido falha neste ponto. O recado pode não ter sido dado por meio de interlocutor, mas diretamente ou por um pombo-correio ou sinal de fumaça. Mas a ameaça, fato central da reportagem, passa ilesa na nota oficial.

Chama a atenção que a nota termine com uma defesa do voto auditável (impresso), mas não das eleições de 2022, o fato central da matéria. Se Braga Netto tinha a intenção de acalmar os ânimos com essa nota, terá que tentar novamente. A nota soou como ameaça, quase que confirmando o teor da matéria do Estadão.

Por fim, cabe destacar que Arthur Lira, até o momento, não desmentiu o teor da reportagem. Das duas uma: ou ele, por algum motivo, plantou a notícia ou, de fato, recebeu o tal recado de Braga Netto. Na primeira hipótese, bastaria uma nota do ministro da Defesa reafirmando o compromisso com as eleições de 2022. Como vimos, não foi o que aconteceu. Resta a segunda hipótese.

Jeitinho Nero de ser

Ao que tudo indica, nem na comissão especial da Câmara o projeto do voto impresso vai passar. Aécio Neves, favorável ao pleito, renunciou à sua vaga na comissão, depois que o presidente do PSDB, Bruno Araújo, entrou em acordo com outras 10 legendas contra a proposta. Aécio lamentou, pois esta era uma bandeira histórica do partido.

O que está acontecendo aqui? Simples: Bolsonaro, com seu jeitinho Nero de governar, pôs tudo a perder.

Quando o presidente afirma, com todas as letras, que houve fraude nas eleições de 2014 e 2018 e que, sem voto impresso, poderá haver “problemas” em 2022, isto soa como uma chantagem contra o sistema político. E, se tem uma coisa que parlamentar não gosta, é de se sentir chantageado.

Amigos, dispenso-os de encher a área de comentários tecendo loas ao sistema de voto impresso e de como o voto eletrônico é frágil. Não é este o mérito da questão, no caso. O problema aqui é como Bolsonaro consegue transformar a questão, qualquer questão, em uma rinha de briga de galos. Ao invés de trabalhar para o consenso, consegue somente despertar animosidades.

Digamos que o discurso tivesse sido algo na linha: “gostaríamos de avançar com esse projeto porque agrega um nível adicional de segurança ao processo”. Pronto, provavelmente obteria o apoio necessário, pois muitos partidos concordam com esse ponto, como era o caso do PSDB e do PDT. Mas este não seria Bolsonaro.

Claro que Bolsonaro pode falar o quiser, a boca é dele e esse é o seu “jeito”. Mas, como dizia a minha avó, quem fala o quer, ouve o que não quer.