Este é o quadro de vacinação por estado até ontem.
O estado de São Paulo lidera, com 58% de sua população já tendo tomado a 1a dose e 37% a 2a dose. Em seguida vêm Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, com 57% e 56%, respectivamente tendo tomado a 1a dose.
A média brasileira está em 48% da população tendo tomado a 1a dose. Tirando São Paulo, a média cairia para 45%. São 13 pontos percentuais de diferença, o que equivale a aproximadamente 21 milhões de brasileiros. É este contingente que já poderia estar vacinado neste momento se o restante do Brasil tivesse a mesma eficiência do estado de São Paulo no ritmo de vacinação.
Esta tabela mostra uma comparação do Brasil com uma amostra de países mais avançados na vacinação. A ideia é verificar a data em que esses países tinham o mesmo nível de vacinação do Brasil (1a dose), e o ritmo de vacinação naquela época. Assim, podemos ter uma ideia do nosso futuro, olhando para esses países.
Por exemplo, hoje ocorreu a semifinal da Eurocopa entre Itália e Espanha no estádio de Wembley, em Londres. Todo mundo feliz, aglomerado, a maioria sem máscara. Quando atingiremos este estágio?
Olhando a tabela, vemos que o Reino Unido tinha o mesmo nível de vacinação que o Brasil tem hoje exatos 111 dias atrás, ou quase 4 meses. O ritmo de vacinação lá, há 111 dias, era de 0,52% da população ao dia, um pouco superior ao que o Brasil tem hoje (0,46% ao dia). Deste modo, podemos sonhar em ter a mesma liberdade que o Reino Unido tem hoje daqui a 4 meses, ou início de novembro.
Claro que este exercício é teórico. Cada país tem uma resposta diferente à vacinação, ainda não totalmente explicada (caso do Chile, por exemplo). Além disso, o ritmo de vacinação destes países pode ter acelerado (ou desacelerado) desde aquela data da tabela. Por fim, o nosso ritmo de vacinação também pode acelerar ou desacelerar ao longo do tempo.
Itália e Espanha estão na nossa frente cerca de 40 dias, e tinham aproximadamente o mesmo ritmo de vacinação que temos hoje. Talvez estes dois países sejam a proxy mais adequada para inferir sobre o nosso futuro mais próximo.
“Prefeituras poderiam ser escutadas, não só ouvidas”.
Escutar os dados é uma arte que poucos dominam. Somos, todos, reféns do viés de confirmação: damos ouvidos apenas aos dados que confirmam a nossa tese de estimação.
Pedro Fernando Nery, neste artigo, toma como exemplo a notícia da Folha sobre as tais “vacinas vencidas”, que se provou falsa como uma nota de R$3 depois que ficou claro tratar-se de atraso de registro. Neste meio tempo, claro, o medo tomou conta de uma parcela da população, em um assunto já tão sensível quanto a campanha de vacinação. Enfim, um desserviço.
A boa notícia é que essas falsas notícias normalmente não têm vida longa: os dados objetivos acabam se impondo, e a verdade é reestabelecida. Foi o que aconteceu neste caso.
Quer dizer, estou sendo um pouco ingênuo. Essas falsas notícias acabam sendo desmentidas somente para aqueles que escutam os dados. Para aqueles que têm tese de estimação, nada neste mundo é capaz de derrubar uma boa fake news. Sempre haverá “alguma coisa por trás”, tornando a tese verossímil. Aí, não tem jeito.
Achei interessante essa tabela comparativa entre os principais países da América Latina, que tirei de um relatório do J P Morgan. Os números estão atualizados até 28/06.
Duas coisas me chamaram a atenção.
1. Vacinação: tirando o Chile, o Brasil não faz feio nesse grupo, ficando empatado em 2o lugar com a Argentina.
2. Vacinas: novamente tirando o Chile, o Brasil fica em 2o lugar em número de doses contratadas per capita, ficando pouco acima de México e Peru e bem acima de Argentina e Colômbia.
É claro que gostaríamos de ter a mesma eficiência de Europa, EUA e Canadá na vacinação. Ocorre que somos um país pobre e desorganizado. Não sei o que vem primeiro, a pobreza ou a desorganização, mas o fato é que uma coisa sempre acompanha a outra. Provavelmente não é coincidência que o país mais rico da região tem também as melhores marcas na vacinação.
Note também que não importa muito a orientação do governo: governos de esquerda ou direita, “negacionistas” ou “baseados na ciência”, acabam tendo mais ou menos a mesma performance, o que aparentemente demonstra que o fator determinante é, no final do dia, a riqueza e organização do país, ambos de mãos dadas.
O que me leva à conclusão de que se Bolsonaro tivesse um discurso e uma postura só um pouquinho mais razoável em relação às vacinas, se não tivesse comprado brigas bobas, se tivesse, como disse uma vez Gilberto Kassab, “montado seu gabinete dentro da Fiocruz”, com esses mesmos resultados talvez seu governo, hoje, estivesse sofrendo menos pressão.
Mas Bolsonaro tem a sua natureza. E, como dizemos no futebol, a natureza marca.
Em 2020, morreram atropeladas 80 pessoas por dia no Brasil. Considerando que foi um ano de pandemia, vamos assumir conservadormente que, em média, somente metade da população tenha saído de casa todos os dias. Temos, então, uma chance em aproximadamente 1.300.000 de morrermos atropelados quando saímos de casa. Uma chance extremamente baixa, o que mostra que sair de casa é bastante seguro.
Mas, claro, existem as 80 mortes por dia. A chance é baixa, mas não zero. Agora, imagine que existisse uma campanha para que as pessoas não saíssem de casa por ser inseguro. Seriam os “anti-exit”. Cada morte no trânsito seria brandida pela campanha como uma “evidência” de quão inseguro é sair de casa. “Tá vendo, olha só, saiu de casa e foi atropelada!”
Parece ridículo, mas o raciocínio é o mesmo quando se aponta mortes e efeitos colaterais graves em quem tomou a vacina. A agência de notícias Associated Press fez um levantamento com base nos dados do CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA) e concluiu que, das mais de 18 mil pessoas que morreram de Covid nos EUA em maio, apenas cerca de 150 haviam sido vacinadas, ou 5 pessoas por dia.
Considerando que cerca de metade da população americana tomou as duas doses da vacina, temos uma chance em 35 milhões (por dia) de alguém morrer de Covid tendo tomado a vacina. Ou seja, é cerca de 30 vezes mais provável ser atropelado no Brasil ao sair de casa do que morrer de Covid após tomar a vacina. Um movimento “anti-exit” faria, portanto, mais sentido do que o movimento “anti-vaxx”.
Ocorre que essas 150 pessoas existem, além de outras que tiveram efeitos colaterais graves. De fato, elas morreram de Covid, mesmo tendo tomado a vacina, ou sofreram efeitos colaterais. Vivemos na sociedade da informação instantânea e sem filtros. Basta que uma pessoa tenha morrido ou tenha tido reações graves à vacina que a sua história voa nas asas das redes sociais. E aquela história, de uma pessoa concreta, tem muito mais poder sobre a mente das pessoas do que estatísticas frias. Os jornalistas sabem disso. Em qualquer matéria, a ilustrar o ponto a ser defendido, existirá ao menos uma entrevista com alguém de carne e osso que esteja vivendo aquela situação.
Os anti-vaxx acreditam em histórias, não em probabilidades. Segundo os dados levantados pela AP, pessoas que não tomaram a vacina tiveram cerca de 250 vezes mais chance de morrer de Covid do que pessoas que tomaram a vacina. É muito, e deveria servir como um incentivo à vacinação. Mas é outra a probabilidade considerada pelos anti-vaxx: em maio, a chance de morrer de Covid sem estar vacinado nos EUA foi de uma em 275 mil. Trata-se de uma chance remota de qualquer forma, e que compete com as histórias tenebrosas a respeito das vacinas.
É impossível viver sem arriscar-se. Estamos o tempo inteiro girando o tambor do revólver contra as nossas cabeças e puxando o gatilho. A bala sempre vai existir. O que podemos fazer é diminuir o máximo possível a chance de a bala parar justamente no ponto de parada do tambor. Os números levantados pela AP demonstram que essa chance diminuiu em 250 vezes nos EUA em maio. Não é zero risco. Mas nada na vida é zero risco.
Há um ano, se alguém me dissesse que um ano depois estaria tomando a vacina contra a COVID, certamente consideraria esse alguém como um sonhador ou ingênuo.
Bem, aí está.
Para chegarmos neste ponto, uma incrível corrida de obstáculos foi vencida. Já disse aqui algumas vezes: uma coisa é ter uma ideia, outra bem diferente é tirá-la do papel. A coordenação de milhares de cérebros trabalhando para um único objetivo não é tarefa trivial.
A humanidade, sobre a qual paira muito ceticismo a respeito de sua capacidade de sobrevivência, não chegou onde chegou à toa. Somos solucionadores de problemas, e este é mais um que vamos vencer.
Todos acompanharam o drama do jogador dinamarquês Christian Eriksen, que caiu desacordado em um jogo da Eurocopa. Pois bem, ontem, dia 13/06, fomos surpreendidos pelo seguinte tuíte de Allan dos Santos, responsável pelo canal bolsonarista Terça Livre:
Este tuíte foi apagado, não sem antes ser retuitado como se não houvesse amanhã. O boato, que ganhou o mundo antes de chegar em terras tupiniquins, foi desmentido pelo diretor da Inter de Milão, Beppe Marotta, nesta matéria da Reuters.
Antes de continuar, se você fuçar por aí, vai encontrar muitos questionamentos do tipo: mas como os jogadores da Eurocopa estão jogando sem tomar vacina? É um questionamento que tem como objetivo colocar em dúvida a afirmação de que Eriksen realmente não tomou a vacina. Como se uma grande conspiração estivesse em curso para esconder a verdade, envolvendo dirigentes, jogadores e imprensa. O fato simples é que efetivamente grande parte dos jogadores não se vacinou, simplesmente por serem jovens. Lembrando que a vacinação na Europa não está tão adiantada como nos EUA ou no Reino Unido. Segundo esta reportagem da ESPN, a seleção da Espanha “furou a fila” em seu país para se vacinar. Mas, ao que parece, foi exceção. Sigamos.
Fiquei curioso por saber de onde veio o boato. Não foi fácil, pois vários dos tuítes foram posteriormente apagados. Nem posso dizer que tenha sido realmente essa a fonte, mas tudo indica que sim. Aparentemente, o início de tudo foi este tuíte aqui:
Parece um tuíte inocente, de alguém genuinamente preocupado com a saúde do atleta. Mas percebam o texto: alguém absolutamente saudável, com a melhor assistência médica que alguém no mundo pode sonhar em ter, colapsa no gramado. Como pode? A frase final explica: ele tomou a vacina da Pfizer alguns dias atrás.
Antes de continuar, vamos ver um pouco mais sobre este perfil:
Um perfil criado há dois meses, com 109 seguidores. Não há descrição, não há local, não há nada. Só um nome engraçado. Visitando o seu perfil, podemos ver tuítes principalmente relacionados à política canadense, sempre contra medidas de isolamento e vacinas. Ok, até aqui, mais um perfil irrelevante.
O que me chamou a atenção é porque um perfil que comenta política canadense tem como seguidor um físico da Rep. Tcheca, Lubos Motl, que interagiu com o tuíte acima fazendo a seguinte pergunta:
Lubos Motl já tem um perfil mais estabelecido, com 2.661 seguidores e que existe desde 2009. Mantém um blog de curiosidades físicas e, adivinhe… de críticas a todas as políticas de combate à Covid-19.
A resposta à questão levantada por Lubos Motl (se havia uma fonte oficial para a informação de que o jogador havia tomado a vacina da Pfizer) foi excluída pelo autor. Mas eu achei de outra forma (tuítes são eternos…).
O perfil GeraYaYo2 respondeu que a informação foi dada pelo chefe da equipe médica do Inter de Milão (onde Eriksen joga) à Radio Sportiva, da Itália. Esta resposta foi imediatamente retuitada por Lubos Motl.
Seguindo Lubos Motl, temos Alex Berenson. Mr. Berenson já é alguém bem mais conhecido. Autor do livro “Tell Your Children: The Truth About Marijuana, Mental Illness, and Violence”, e ex-reporter do New York Times, Berenson tem cerca de 270 mil seguidores no Twitter. Ele retuítou o tuíte de Lubos Motl como figura, o que manteve o tuíte íntegro mesmo depois de retirado. O retuite começa com um “Aí está”, como que provando o ponto que ele tem feito, de que as vacinas são perigosas.
Como bom jornalista, ele toma o cuidado de dizer que não tem a fonte original da notícia. Como mau jornalista, ele retuita antes de se certificar que a fonte original existe.
A farsa foi desmontada em algumas horas pela própria Radio Sportiva, que tuitou o seguinte:
Não precisa saber italiano para entender o que está sendo dito: “As informações reportadas no tuíte são falsas”.
Claro que, antes desse desmentido, o tuíte já havia rodado o mundo e chegado por aqui.
A dinâmica das Fake News
O que faz as pessoas espalharem notícias de procedência duvidosa? Simples: elas confirmam uma teoria. Note que o autor e todos os que retuitaram a “notícia” tomam o cuidado de não fazer a correlação entre o mal súbito do jogador e a vacina. O primeiro gajo descreve uma pessoa absolutamente saudável que tem um mal súbito e deixa cair que havia tomado a Pfizer. O físico tcheco pede a fonte, e GeraYaYo2 inventa que ouviu na Radio Sportiva. Lembrando que GeraYaYo2 aparentemente é canadense.
Já o físico tcheco passa a informação adiante comprando a história da rádio italiana, e por sua vez é retuitado pelo jornalista americano. Este também toma o cuidado de dizer que não teve acesso primário à fonte, mas retuita do mesmo jeito. Por fim, o nosso jornalista brasileiro da Terça Livre repete a história, tomando o cuidado de dizer que não há nada que ligue a vacina ao mau súbito. “Mas o questionamento é grande”, joga no final do tuíte.
É essa a dinâmica. Não há informações, apenas uma grande sombra de suspeição. A rigor, a fake news refere-se apenas à informação de que um dirigente da Inter teria dito à rádio italiana que o jogador dinamarquês teria se vacinado com a Pfizer. Afinal, era preciso ter uma fonte, qualquer uma. Alguém fisgou a isca e passou adiante. E é neste ponto que se apegam os que espalharam a notícia: a fonte pode ter sido falsa, mas a notícia é mais do que real.
Quem foca na fake news perde o foco no que é realmente relevante
Depois de remover o tuíte falso, o físico tcheco tuitou o seguinte:
Notem como Lubos Motl não desiste da grande tese: as vacinas fazem mal e podem causar mortes. O fato de a notícia específica da rádio italiana ser falsa é um mero detalhe, irrelevante até. O mesmo podemos ver no perfil do jornalista americano, que fixou uma thread em seu perfil contando a história de uma garota que faleceu de miocardia após ter tomado a segunda dose da vacina da Moderna:
Parece-me que a grande questão aqui não é saber se as vacinas podem causar reações e, em casos extremos, até a morte. Todo e qualquer remédio pode causar reações adversas, basta ler na bula. A questão é: qual a chance de isso acontecer?
Em remédios aplicados a pequenas populações, as reações adversas não chamam a atenção. Afinal, são eventos raros. Em grandes populações, no entanto, os eventos adversos podem ser mais notados, pois são em maior número. Estatisticamente falando, no entanto, continuam sendo improváveis.
Aquele “ALERT” retuitado pelo físico tcheco e reproduzido acima, por exemplo. Trata-se de uma reportagem de um site, digamos, especializado nesse tipo de teoria (thebeltwayreport.com). A reportagem cita um report do próprio CDC, que estaria admitindo o aumento brutal de mortes devidas à vacinação. Então, você vai na fonte, e verifica que se trata das estatísticas VAERS – Vaccine Adverse Event Reporting System. Trata-se de um sistema que aceita relatos de reações adversas, mas que ainda não foram verificadas. Ou seja, não se sabe se essas reações foram realmente causadas pelas vacinas.
Esta matéria da Reuters traz as conclusões de um estudo israelense sobre reações adversas causadas pela vacina da Pfizer. Como sabemos, Israel está à frente de qualquer outra nação em termos de vacinação, e 100% das vacinas foram da Pfizer. Um perfeito campo de testes, portanto. As conclusões: de dezembro de 2020 a maio de 2021, foram reportados 275 casos de miocardia entre mais de 5 milhões de pessoas vacinadas. 95% dessas pessoas não passaram mais do que quatro dias no hospital.
O fato é que a chance não é zero de ter miocardia, mas é extremamente baixa. 5% de 275 casos em 5 milhões significa uma probabilidade de 1 em 360 mil. A chance de morrer de Covid em uma política de imunidade de rebanho (também conhecida como “vamos voltar a viver e esquecer essa doença”), considerando um índice de fatalidade de 0,1% e 70% da população pegando a doença, é de 1 em 1.400. Ou seja, uma chance 250 vezes maior do que morrer de miocardia.
Enfim, a radio italiana fake é o que tem de menos importante nessa história. O mais estarrecedor é a campanha contra as vacinas, que permitem diminuir em 250 vezes a chance de morrer. Essa é a verdadeira insanidade.
No dia 26/05 último, publiquei aqui um post com uma simulação: se 75% das doses prometidas pelo Ministério da Saúde fossem entregues, seria possível vacinar 100% da população adulta com a 1a dose até o dia 20/10.
Doria fez a mesma conta, e prometeu vacinar todo mundo no Estado até o dia 31/10. Possível é, portanto. É até conservador, se considerarmos que São Paulo está vacinando a um ritmo superior à média brasileira e a frustração na entrega das vacinas em relação ao cronograma tem ficado na faixa de 10%.
Claro que a premissa é a entrega das vacinas. Vamos ver.
Os anti-vacinas ganharam um troféu e tanto: Nelson Sargento morreu de COVID-19 depois de ter tomado duas doses da Coronavac. Aliás, como brinde, foi justamente com a vacina do “calça apertada”.
O que dizer? Melhor seria acabar com essa tolice de vacinação e conformar-nos com a realidade, tão bem sintetizada na frase de nosso presidente, “alguns vão morrer, lamento, essa é a vida”?
Obviamente não, esse raciocínio não faz o mínimo sentido. Vejamos.
Para que ocorra uma contaminação, é necessário que ocorra antes uma transmissão. É muito provável que a pessoa que transmitiu o vírus para Nelson Sargento não tenha tomado a vacina. E, se o fez, muito provavelmente a pessoa de quem adquiriu o vírus não tomou. Em um país onde menos de 25% das pessoas receberam a 1a dose da vacina, é muito provável que essa cadeia de transmissão acabe em alguém que não tenha se imunizado.
Então, são necessárias as duas pontas no processo: alguém que transmita e alguém que se contamine. As críticas à vacina se concentram na parte que se contamina. Afinal, tomou a vacina, por que se contaminou? Ora, porque nenhuma vacina no mundo é 100% eficaz. Se alguém entendeu isso, entendeu errado. As chances diminuem, a probabilidade de ficar doente é menor, de morrer menor ainda, mas a chance não é zero.
Por isso, as campanhas de vacinação focam na imunização do maior número de pessoas possível, com o objetivo de inibir a outra ponta da corrente, a ponta da transmissão. Nelson Sargento, por algum motivo, não desenvolveu as defesas necessárias contra o vírus, mesmo recebendo a vacina. Mas ele provavelmente não teria ficado doente se aqueles que participaram da cadeia de transmissão do vírus tivessem já recebido a vacina. Pois alguns nessa cadeia não teriam desenvolvido a doença, interrompendo o processo.
Por isso, também não faz sentido dizer “eu não vou tomar a vacina, tem gente mais apavorada na frente”. A vacina não é um escudo individual perfeito; antes, a vacina é um escudo comunitário. Individualmente, a vacina tem uma eficácia limitada: funciona para muitos, mas não para todos. Comunitariamente, no entanto, se um número suficientemente grande de pessoas se imunizar, a cadeia de transmissão do vírus se quebra, encerrando o processo.
Portanto, a morte de Nelson Sargento não prova que a vacina não funciona, mesmo porque já sabíamos que não funciona em 100% dos casos no nível individual. O que sim a morte de Nelson Sargento prova é que a velocidade da vacinação não está suficientemente rápida para evitar a transmissão. Se há algo ou alguém culpado pela morte de Nelson Sargento não é a Coronavac.
Não é segredo para ninguém que o ritmo de vacinação está muito lento. Hoje estamos vacinando cerca de 450 mil pessoas/dia com a 1a dose e 220 mil pessoas/dia com a 2a dose. Neste ritmo, terminaremos de vacinar 100% dos adultos (acima de 18 anos) com a 1a dose somente em fevereiro de 2022 e, com a 2a dose, 3 meses depois, considerando que as vacinas preponderantes serão as da Astra Zeneca e da Pfizer. Com relação a esta última, a fabricante sugere 3 semanas entre a 1a e a 2a doses, mas, aparentemente, o governo vai dar 3 meses de distanciamento entre as doses.
No entanto, esta projeção tem uma limitação: considera o ritmo ATUAL de vacinação. Vou assumir, para todos os efeitos, que o ritmo de vacinação depende do estoque de vacinas, e não da capacidade de inocular as doses. Ou seja, se tivéssemos estoque suficiente, a velocidade seria bem maior, pois não há gargalo na aplicação das doses por parte dos municípios. Essa é uma premissa importante e, se não for verdadeira, o que vai a seguir não vale.
Rodei uma simulação considerando a aplicação diária de vacinas equivalente a 1,5% do estoque disponível de vacinas. O gráfico abaixo mostra esta razão (vacinação/estoque) até o momento. Podemos observar que 1,5% é o ponto mais baixo do gráfico. Aliás, é o ponto atual. Portanto, estamos sendo conservadores.
Para a simulação, considerei o calendário de entrega de vacinas divulgado pelo ministério da saúde (gráfico abaixo).
Pois bem, considerando 100% das entregas programadas, 100% da população adulta poderia receber a 1a dose da vacina até o dia 20/09/21. Considerando 75% das entregas programadas, esta data vai para 15/10/21. A 2a dose seria até 3 meses após essas datas.
Enfim, essa análise depende de várias premissas, que, espero, tenham ficado claras. De qualquer forma, a luz no fim do túnel pode estar mais próxima do que imaginamos.