Gente apavorada também vota

A vacinação em massa é a única forma de voltarmos à normalidade. Em meio a inúmeras teses e narrativas, este talvez seja o único fato incontroverso, que é aceito por pessoas de diferentes orientações políticas.

E note que não me referi à sua vacinação ou à minha vacinação. Referi-me à “vacinação em massa”. Uma campanha de vacinação contra uma doença transmissível entre humanos só tem efeito se houver uma cobertura mínima que diminua a probabilidade de transmissão. Não se trata de “eu” ficar protegido (mesmo porque nenhuma vacina tem 100% de eficácia), mas de “eu” não servir de vetor de transmissão para “os outros”. Trata-se de imunidade de rebanho, não de imunidade individual. E quanto menos eficaz for a vacina (a Coronavac é a menos eficaz das vacinas, seguida da Astra Zeneca), maior deve ser a cobertura vacinal para se atingir a imunidade de rebanho.

Pois bem. O presidente cedeu o seu “lugar na fila da vacina” para os mais “apavorados”.

A bobagem se dá em três níveis.

Em primeiro lugar, trata-se de um tiro no pé (mais um) do ponto de vista político. Sabemos que não há vacinas suficientes, e este é justamente um dos pontos fracos (talvez o mais fraco no momento) do governo. Ao invés de passar uma mensagem de tranquilidade, de que está tudo sob controle, de que as vacinas chegarão para todos, o presidente faz o inverso: não há vacinas para todos, por isso, estou cedendo meu lugar na fila. É o reconhecimento tácito de que o governo não fez a lição de casa.

Em segundo lugar, o presidente da República serve de exemplo. Suas atitudes são seguidas não somente pela sua grei mais leal, mas por todos os cidadãos que não têm um posicionamento político claro. Vacinar-se transmite a mensagem de que a vacina é segura e de que é importante vacinar-se. A rainha tomou a vacina, Trump tomou a vacina, Biden tomou a vacina, Netanyahu tomou a vacina. Não tenho um acompanhamento sistemático, mas é provável que Bolsonaro seja o único líder político do planeta que ainda não tenha tomado a vacina. Ao vixe da falta de vacinas soma-se o eita do mau exemplo.

Por fim, o discurso adotado, só para não variar, é de confrontação, não com adversários políticos, mas com uma parcela da própria população. Chamar de “apavorado” quem quer tomar a vacina é o caminho certo para criar uma animosidade que só produz perdas para o seu capital político. Lula e o PT cansaram de fazer isso, ao chamar de “preconceito contra o pobre” a oposição legítima que se poderia fazer às políticas dos governos petistas. Não foi uma boa estratégia, como se viu. Bolsonaro cai no mesmo erro: posa de “valentão”, superior aos maricas “apavorados”. Pode fazer sucesso junto aos seus seguidores, mas não me parece uma coisa inteligente a se fazer.

Por falar em inteligência, sofremos sob um governo liderado por uma presidente que era muito voluntariosa, mas que parecia ter uma inteligência limítrofe. Essa atitude do presidente segue essa infeliz tradição.

O efeito Peltzman

Li o seguinte texto em um comentário do Leo Babo. Reproduzo a seguir, pois acho importantíssimo e faz todo sentido. Vamos nos cuidar, a barra está pesada.


Vacinações e o efeito Peltzman – explica por que muitas pessoas foram infectadas com o vírus Corona após serem vacinadas.

* O que é o efeito Peltzman? *

Sam Peltzman ensinou microeconomia em Chicago até 1988. O Efeito Peltzman é uma teoria que afirma que as pessoas são mais propensas a se envolver em comportamentos de risco quando medidas de segurança são obrigatórias. O Efeito Peltzman tem esse nome em homenagem à postulação de Sam Peltzman sobre a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança em automóveis – isso levaria a mais acidentes. A percepção de segurança aumenta o apetite ao risco.

Recebi a seguinte mensagem esta manhã.

Um médico amigo meu lamenta: “Tratei milhares de pacientes com Covid 19 nos últimos meses. Mas eu não tinha sido infectado. Mas depois de tomar a vacinação, fiquei positivo com o vírus.”

Histórias como essas não são incomuns. Imran Khan (primeiro-ministro do Paquistão) foi vacinado em uma quinta-feira e ficou positivo com o vírus no sábado. Também ouvimos histórias semelhantes sobre vários políticos na Índia.

Os fatos conhecidos:

1. A imunidade contra a Covid 19 não aumenta imediatamente após a primeira dose ou mesmo imediatamente após a segunda. A imunidade completa leva algumas semanas após a segunda dose.

2. A imunidade não é absoluta. Mesmo após a vacinação completa, uma pessoa pode se infectar. Sua chance de morrer ou pegar uma infecção grave que requeira hospitalização será substancialmente menor.

3. Nem todas as vacinas funcionam da mesma forma. A eficácia varia.4. Nem todas as vacinas são eficazes contra todas as variantes. Muitas vacinas são menos eficazes contra o B1.351 (a variante sul-africana), por exemplo.

Agora, o que é esse efeito Peltzman? E por que é importante saber disso?

O efeito Peltzman significa um comportamento que compensa o risco percebido. Em outros termos, as pessoas se tornam mais cuidadosas quando sentem um risco maior e menos cuidadosas quando se sentem mais protegidas.

Isso significa que as vacinas estão dando uma sensação de segurança que leva a um aumento do comportamento de risco.

Mas o problema é que, embora as vacinas não forneçam proteção imediata ou proteção total (contra a infecção como contra a morte), a sensação de segurança infelizmente começa muito mais cedo, antes mesmo da injeção real. E o efeito Peltzman entra em ação: as pessoas usam máscaras com menos cautela, não se distanciam assim que chegam aos postos de vacinação.

O efeito Peltzman de fato começou para a maioria das pessoas antes mesmo de elas tomarem a vacina. Muitas pessoas se sentiram protegidas só de olhar para os números da vacinação. O uso de máscara, distanciamento social e higienização das mãos têm se tornado cada vez menos. Embora isso seja atribuído principalmente à fadiga pandêmica, o efeito Peltzman não pode ser ignorado.

Embora esse comportamento seja perigoso para o público em geral, pode ser desastroso para profissionais de saúde que lidam diretamente com pacientes da Covid 19. Muitos deles podem se infectar na segunda onda atual, prejudicando os serviços de saúde.

O efeito Peltzman também é evidente no declínio drástico no uso de kits de PPE pelos profissionais de saúde.

É importante vacinar a maioria das pessoas em risco. Mas também é importante estar atento ao efeito Peltzman e ter mais cuidado até que o efeito da vacinação nos aproxime da imunidade de rebanho.

Aqui está um exemplo definitivo em que espalhar a consciência salvará vidas.

Ritmo inadequado

Hoje foi o segundo melhor dia de vacinação: 972 mil doses foram aplicadas. Perde somente para o dia 01/04, quando foram aplicadas 1,041 milhão de doses. Aliás, foi o único dia em que conseguimos ultrapassar 1 milhão de doses em um dia.

A média móvel de 7 dias, no entanto, está em 670 mil. O máximo que conseguimos atingir nessa métrica foi 746 mil, justamente no dia 01/04.

A partir de hoje, se quisermos aplicar duas doses em toda a população prioritária (77,5 milhões de pessoas, 36% da população) até o final de junho, precisaríamos aplicar uma média de 1,5 milhão de doses/dia a partir de amanhã. Ou seja, mais ou menos dobrar o ritmo atual. Obviamente, cada dia que passa sem atingir essa média, esse objetivo fica cada vez mais distante.

Tem mais: como, em média, as doses aplicadas em finais de semana representam apenas um terço das doses aplicadas em dias úteis, precisaríamos aplicar uma média de 1,85 milhão de doses/dia nos dias úteis, para permitir aplicar 620 mil doses/dia nos fins de semana. Aliás, mais ou menos o que estamos aplicando hoje nos dias úteis.

Uma outra forma de ver a coisa: no atual ritmo de vacinação, a população prioritária acabaria de ser vacinada no dia 14 de outubro.

PS.: “população prioritária” é aquela definida pelo Ministério da Saúde, o que inclui, além das pessoas idosas, profissionais de saúde, pessoas com comorbidades, professores, policiais, detentos, caminhoneiros e uma longa lista de etceteras. Se você, como eu, não se inclui em nenhum desses grupos, pode puxar um banquinho e esperar sentadinho a sua vez.

A vacinação dos prioritários

Manchete principal do Estadão hoje dá destaque à previsão de especialistas de que a vacinação dos grupos prioritários somente terminará em setembro.

Não vou aqui culpar os especialistas, pode ter sido só uma apuração mal feita, pra não variar, mas o fato é que a matéria erra o foco. Já de antemão peço escusas pelo número de recortes anexados, mas é que são várias as incongruências. Vamos fazer uma espécie de “fact checking” da reportagem.

1. “Qualquer previsão mais otimista (do que setembro) depende que sejam vacinados pelo menos um milhão de indivíduos por dia”.

A população prioritária soma 77,5 milhões de pessoas ou 155 milhões de doses. Foram administrados até o final de março 23 milhões de doses. Faltariam, portanto, 132 milhões de doses. Considerando 1 milhão de doses por dia, temos 132 dias, ou 4,5 meses, o que resulta em meados de agosto. Portanto, essa informação é verdadeira.

2. “Na sexta o número voltou a 300 mil”.

Claro, foi sexta-feira santa. E não vacinamos nos sábados, domingos e feriados. O problema, no entanto, não é falta de doses, é que se trabalha menos nesses dias. Enquanto a vacinação não ocorrer normalmente também nos sábados, domingos e feriados, dificilmente atingiremos 1 milhão de média por dia.

3. “A campanha de vacinação já foi interrompida várias vezes por falta de imunizantes”

Quando olhamos o gráfico da evolução da vacinação, vemos interrupção nos finais de semana.

Isso não é por falta de doses. Hoje temos distribuídas 44 milhões de doses contra 23 milhões aplicadas.

4. “Por causa dessas dificuldades (para aquisição de doses prontas e do IFA) frequentemente o ministério da saúde revisa para baixo o número de doses”

As revisões têm sido feitas porque a Fiocruz não consegue produzir com o IFA que já tem, não pela dificuldade de trazer IFA. Até onde entendo, estamos conseguindo importar normalmente. Tanto que a produção da Coronavac está normal. Outra frustração é a não entrega da Covax. Mas esse é um número pequeno, e não se refere a problema de aquisição por parte do governo federal, mas de não entrega de algo que já foi comprado.

5. “No dia 31, o ministro Marcelo Queiroga voltou a baixar a previsão de entrega de vacinas de 40 milhões para 25 milhões de doses”.

Leio jornal todos os dias e não vi essa notícia. No gráfico, a informação é outra: a de que o ministro baixou a previsão no sábado (dia 3) para 30 milhões. É 25 ou 30 milhões? De qualquer forma, a última previsão para abril que eu tinha era de 36 milhões de doses e não 40 milhões. No gráfico apresentado (tendo como fonte o próprio ministério da saúde), aparece 39 milhões. Enfim, é tanto número desencontrado que fica difícil fazer qualquer estimativa com base no que a reportagem apresenta.

6. “Se a gente conseguisse chegar a 1,5 milhões de vacinados por dia […] daria para concluir todas as prioridades até agosto, setembro” (Pedro Halla, epidemiologista)

Se o ritmo fosse de 1,5 milhão por dia, chegaríamos ao fim das prioridades em 3 meses, final de junho, não “agosto, setembro”.

7. “Para metade da população receber […] duas doses até o meio do ano, seriam praticamente 2 milhões por dia” (Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da rede Análise Covid-19)

A conta está correta. O problema é o que ela está fazendo na reportagem sobre as prioridades. As prioridades representam 1/3 da população, não metade. Por que fazer a conta com metade? Mistério.

8. “Só conseguiremos ter vacinação em massa sustentada em setembro. Será quando o Brasil já estará produzindo o seu IFA e não precisará importa-lo” (Chrystina Barros, integrante do Comitê de Combate ao Coronavírus da UFRJ)

Novamente, não me parece que o problema seja de importação dos insumos, mas de capacidade de produção da Fiocruz. A produção do IFA local só vai funcionar se a Fiocruz “consertar a máquina”

Conclusão: a reportagem considera que o cronograma de entrega representado pelo gráfico que tem como fonte o ministério da saúde não será cumprido. Se os números que estão lá forem cumpridos, teremos doses suficientes para a vacinação de todo o grupo prioritário (duas doses) até meados de junho. Para tanto, duas coisas são necessárias:

1) Que a Fiocruz consiga produzir o montante prometido (o problema não parece estar na importação do IFA) e

2) Que Estados e municípios consigam elevar a média de vacinação para 1,5 milhão por dia, contando sábados, domingos e feriados. Talvez não tenham feito isso ainda porque não sentem segurança no delivery da Fiocruz. O fato é que estamos vacinando (considerando as duas doses), na média, 650 mil/dia nos últimos 7 dias. Precisamos mais que dobrar esse ritmo.

Atualização da vacinação

Hoje o Ministério da Saúde anunciou a distribuição de 8,4 milhões de doses de Coronavac e 728 mil de AstraZeneca. Completamos, assim, 28,4 milhões de doses distribuídas em março, contra uma previsão inicial de 30,1 milhões.

O furo se deu no consórcio Covax, que previa 2,9 milhões e só entregou 1 milhão e na AstraZeneca, que previa entrega de 3,9 milhões e entregou somente 1,8 milhões. O Butantan compensou parcialmente, pois previa 23,3 milhões e entregou 25,6 milhões de doses.

Hoje também ficamos sabendo que não será possível importar 20 milhões de doses da Covaxin, porque a fábrica não foi certificada pela Anvisa. Já tirei essas doses da previsão de entrega.

Foram entregues, até o momento, o suficiente para vacinar 20,8% da população (somente uma dose) ou 10,4% da população considerando duas doses. Foram vacinados até o momento 8,2% da população com pelo menos uma dose e 2,4% da população com duas doses.

Estão sendo vacinados, na média dos últimos 7 dias, 0,26% da população, o que equivale a aproximadamente 550 mil brasileiros por dia. Precisamos dobrar esse montante.

Atualização da vacinação

Trago dois gráficos mostrando a evolução da vacinação no Brasil e os dois gráficos mostrando a marcha da vacinação no mundo.

O primeiro gráfico mostra o total de vacinados no Brasil vis a vis o total de vacinas disponibilizadas pelo governo federal.

As barras azuis mostram as vacinas disponibilizadas em milhões de doses, a linha laranja o total de doses em relação ao total da população (no caso, 11,24%), a linha amarela o total de doses aplicadas até o momento (contando 1a e 2a doses) e a linha cinza o percentual da população vacinada com pelo menos a primeira dose. Note que os objetivos são diferentes: se toda a população estiver vacinada, a linha cinza chegará a 100, enquanto se toda a população tiver recebido a 2a dose, a linha laranja chegará a 200. Além disso, o governo deverá disponibilizar 200% do total da população para que todos recebam duas doses (estou falando aqui em tese, pois sabemos que as crianças não serão vacinadas).

O segundo gráfico mostra a evolução do ritmo de vacinação.

A linha azul é o percentual da população vacinada diariamente, enquanto a linha laranja é a média dos últimos 7 dias. Podemos observar que, até mais ou menos meados de fevereiro, o ritmo vinha em 0,10% ao dia, mas caiu para 0,05% na 2a quinzena de fevereiro, provavelmente porque tivemos um gap grande no recebimento de vacinas (houve um lote em 06/fev e outro só em 24/fev). O ritmo voltou a se acelerar a partir de então e agora, 20/03, atingimos a maior média da série, 0,13% ao dia, provavelmente porque os Estados estão recebendo mais vacinas neste mês de março.

Por fim, a marcha da vacinação.

Vê-se claramente que houve uma aceleração no Brasil de uma semana para cá: a vacinação de pelo menos uma dose para 70% da população estava prevista para dez/22 há uma semana e agora está em jun/22. Ainda é um ritmo insatisfatório, este número precisa estar dentro de 2021, mas já é alguma coisa. Aliás, em tese, pelo número de doses administradas, todos os maiores de 70 anos já deveriam ter recebido pela menos a 1a dose. Isto ainda não aconteceu porque há 2as doses e outros grupos prioritários sendo vacinados, mas estamos chegando perto. Na maioria dos Estados, a campanha para maiores de 70 anos já está em andamento.

Enfim, as notícias são melhores do que há uma semana. Vamos continuar na batalha.

Ritmo da vacinação – atualização

Republico os gráficos abaixo atualizados e com dados mais precisos, obtidos no site do Ministério da Saúde.

O primeiro mostra, nas barras cinzas, as doses, em tese, contratadas pelo Ministério da Saúde, segundo reportagem de O Globo. A linha laranja mostra o número acumulado de doses até o final do ano. As barras em azul mostram as doses efetivamente despachadas para os estados e a linha amarela mostra o número de doses já distribuídas.

Podemos observar que até ontem, 17/03, apenas 9,7 MM de doses foram distribuídas em março, faltando 28,3 MM para completarem as programadas 38 MM para o mês. Ou seja, em metade do mês o Ministério entregou 25% das doses, restando 75% para a segunda metade.

O segundo gráfico mostra o percentual de doses aplicadas em relação ao total de doses disponibilizadas pelo Ministério da Saúde (linha laranja). As barras azuis mostram o total de doses disponibilizadas em cada dia. Note que, quando um lote é distribuído, o percentual imediatamente cai, pois este lote de vacinas vai demorar alguns dias para ser aplicado.

Podemos observar que o número de doses aplicadas varia entre 60% e 80% do total de doses disponibilizadas. Como é preciso guardar uma parte das vacinas para aplicar a 2a dose, chegar perto de 80% das doses é praticamente acabar com o estoque disponível.

Enfim, claramente o gargalo ainda está na disponibilização das doses.

Corre Queiroga, corre!

Prioridades

Gilberto Kassab, uma das raposas mais felpudas do cenário político brasileiro, corrobora o que escrevi aqui dias atrás: não há chance de uma “candidatura de proveta” de centro prosperar.

Mas não foi esse o ponto que me chamou a atenção na entrevista de hoje no Estadão. Destaquei as duas perguntas finais, sobre o desempenho do governo federal na pandemia.

“Se fosse presidente, estaria visitando a Fiocruz semanalmente. Essa condução não pode ser delegada. Se fosse presidente, teria transferido o meu gabinete para a Fiocruz.”

Não precisa ser uma raposa da política para entender que a vacinação é o “dia D” na guerra contra a pandemia. A névoa da ideologia cegou o presidente durante meses cruciais em relação a essa verdade tão comezinha.

Foram meses de negação, detonando o contrato da Pfizer, dizendo que eram os laboratórios que deveriam nos procurar, alimentando teorias conspiratórias a respeito dos supostos efeitos das vacinas, detonando a “vachina do Doria”, enfatizando a não obrigatoriedade da vacinação, colocando a aprovação da Anvisa como primeiro passo para o governo se movimentar. Enfim, uma longa lista de erros.

Alguns dirão que faltam vacinas no mundo e muitos países que fizeram tudo certo ainda assim não as tem. Isso é meia verdade, mas digamos que seja uma verdade inteira. Pouco importa. Política é imagem, política é narrativa. Quando Kassab diz que mudaria seu gabinete para a Fiocruz, é disso que se trata. É provável que este ato não fizesse o laboratório produzir uma dose sequer a mais de vacina. Mas o ponto não é esse. O objetivo seria mostrar que o governo está totalmente comprometido com a prioridade número 1 dos brasileiros no momento. Uma prioridade, segundo Kassab, mais importante do que uma casa ou um carro. No que ele tem razão.

“Essa condução não pode ser delegada”. Não consigo enfatizar suficientemente este ponto. Não adianta querer jogar o problema econômico no colo dos governadores. Memes, informações distorcidas e carreatas “fora Doria” servem para galvanizar os convertidos. Para a grande maioria dos brasileiros, presidente e governadores estão no mesmo saco dos efeitos perversos da pandemia.

Os governadores, pelo menos, perceberam antes que a vacina é a solução. Só o tempo dirá se será suficiente para reelegê-los. Quanto ao presidente, talvez fosse melhor mudar seu gabinete para a Fiocruz.

Ritmo da vacinação

Matéria do jornal O Globo nos dá uma visão global da disponibilidade de vacinas até o final do ano, considerando os acordos já anunciados pelo Governo Federal. A reportagem fala de 545,5 milhões de doses mas tabulei os dados fornecidos e cheguei em 562,4 milhões de doses. Essa diferença não vai afetar a nossa análise.

O primeiro gráfico mostra somente a tabulação dos dados: em cada mês, as barras azuis mostram as doses prometidas, enquanto a linha laranja mostra o acumulado ao longo do ano.

O segundo gráfico mostra, até ontem, o total de vacinas já aplicadas (considerando 1a e 2a doses) em relação às doses teoricamente já recebidas. Para o mês de março adotei o critério linear na falta de algo melhor: a cada dia, assumi que já foram disponibilizados 1/31 avos do total prometido para o mês.

Podemos observar que chegamos no final de fevereiro com 50% das doses recebidas aplicadas nos braços dos brasileiros, o que está coerente com a reserva de doses para a 2a aplicação. A partir de março vemos uma redução dessa razão pois, teoricamente, estamos recebendo mais doses mas não estamos aplicando na mesma velocidade do recebimento. Claro que esta conclusão depende de duas premissas: 1) estamos recebendo as doses prometidas e 2) estamos recebendo as doses prometidas de maneira linear ao longo do tempo.

De qualquer modo, apesar das imperfeições dessas estimativas, acredito que nos dão uma boa noção de onde estamos. E a boa notícia, se tudo isso for verdade, é que teremos vacinas para todos até o final do ano.

Marcha da vacinação

Segue o mapa da vacinação.

Para o Brasil, passei a usar uma outra base de dados, de Wesley Cota, da Universidade Federal de Viçosa. Parece bem acurado.

Houve uma piora marginal no ritmo de vacinação no Brasil e uma grande aceleração do México e Argentina, de modo que passamos a apresentar o pior ritmo dentre os grandes países da AL.