A indigência do jornalismo brasileiro

Este é o fim da reportagem do Valor sobre o uso do Whatsapp para a disseminação de fake news.

A reportagem descreve as regras restritivas adotadas pela empresa (limitação de encaminhamento de mensagens e de tamanho dos grupos), e diz que essas regras são globais. Ou seja, aparentemente, aquela ideia de que “números estrangeiros” estariam sendo usados para burlar as limitações locais são lenda urbana.

O repórter, no entanto, não ficou satisfeito. Em um trabalho “investigativo”, deu Google em “disparador de Whatsapp” e “bancos de dados número de celular” e encontrou milhares de resultados. A conclusão do indigitado foi a de que “a divulgação em massa não é uma tarefa muito complexa”.

Bem, eu também fiz minha investigação. Digitei “ganhar dinheiro sem esforço” no Google e obtive milhares de páginas, inclusive com tutoriais. De onde concluí que ganhar dinheiro sem esforço “não é uma tarefa muito complexa”.

PS.: este post NAO É uma negação da existência de fake news no WhatsApp distribuídos de maneira massiva. É apenas um lamento sobre a indigência do jornalismo brasileiro.

Distorções

Em artigo no Valor de hoje, o reporte Sérgio Lamucci nos revela alguns dados interessantes sobre as finanças públicas brasileiras, contidos no relatório anual do FMI.

– Gastos com salários de servidores públicos representam 13% do PIB no Brasil, contra 9% na média dos países emergentes e 8% na média dos países sul-americanos.

– Por outro lado, o número de servidores em proporção à população ativa está em linha com o que se observa na média dos emergentes. Portanto, os gastos acima da média ocorrem porque os salários estão acima da média.

– Os salários no setor público têm um prêmio alto em relação aos do setor privado quando comparados com outros países. Para trabalhadores de menor nível educacional, esse prêmio chega a 50%, segundo o relatório do FMI.

Alguns dirão que a distribuição de renda é mais justa no setor público, e é o setor privado que está distorcido, com o imenso gap entre os maiores e os menores salários.

Ao que eu respondo que o imenso gap existe porque existe um imenso gap no nível de produtividade entre os trabalhadores no Brasil, causado pelo imenso gap educacional. Consertar esse problema “na marra”, concedendo salários irrealistas no setor público, só faz piorar a vida dos mais sofridos no setor privado, que são chamados a financiar a “justiça social” no setor público.

Não se engane: os que mais sofrem com distorções no sistema de salários são aqueles que não pertencem a nenhuma corporação. Mas nada que não se resolva com um cala-boca estilo Bolsa-Família.

A verdadeira fake news

Hoje o Valor Econômico lança o seu próprio serviço de fact-checking. Junta-se a outros, como Agência Lupa e Aos Fatos, na caça às Fake News.

O primeiro desses serviços que afirmar que “Lula foi preso sem provas” é fake news ganhará o meu respeito. O resto é perfumaria.

O verdadeiro socialismo

Os editoriais do Valor costumam mandar bem. Suas análises costumam não brigar com a realidade e normalmente são comandadas pelo bom senso. Mas é nos pequenos detalheis que se revela a alma de um jornal.

O editorial de hoje desce a lenha (mais uma vez) no governo de Maduro. Seu foco são os refugiados. Vai bem como sempre, até a última linha, quando escorrega e cai de bunda suja no chão.

Segundo o editorialista, o problema não é o sistema socialista. Esse regime do Maduro não soube implementar o socialismo. Só faltou completar: como Chávez soube fazer. Inclusive, em outro ponto do editorial, chama Maduro de “incompetente”. Ou seja, não é que o socialismo seja um sistema disfuncional. É que faltou a Maduro a competência para implementa-lo direito.

O Valor repete a cantilena que nossos filhos escutam nas aulas de História e Sociologia: nunca existiu um país comunista. Aquilo que foi implementado não é o verdadeiro comunismo.

Os regimes socialistas costumam dizer aos seus cidadãos que estão “construindo” uma sociedade socialista. Como as condições de vida só pioram, a promessa de uma vida melhor está sempre no futuro, quando, aí sim, o paraíso de leite e mel comunista será alcançado. Até lá, a luta exige que você obedeça a carteirinha de racionamento, ok?

Que nossos filhos, que não precisam ganhar o dinheiro de sua sobrevivência, caiam nessa, é até compreensível. Que o editorialista do Valor venha com essa história, é de chorar.

Autópsia de um parasita

Artigo delicioso hoje no Valor sobre o impacto do fim do imposto sindical sobre os sindicatos, tanto patronais quanto de trabalhadores.

De modo geral, estão descobrindo o maravilhoso mundo da iniciativa privada, onde é necessário agregar valor ao cliente para faturar o suficiente de modo a equilibrar as contas.

O presidente de uma confederação patronal disse: “Será difícil fazer a assistência que desejamos aos nossos associados”. Resta saber se os associados desejam a assistência que o sindicato deseja dar. Pelo visto, não.

O fim do imposto sindical colocou a nu uma situação já amplamente conhecida: o sistema sindical brasileiro não passava de um parasita que sugava uma parte dos rendimentos de empresas e trabalhadores sem agregar valor, sendo assim uma das muitas fontes da baixa produtividade brasileira.

Vários estão planejando pressionar Brasília pela volta do imposto. É mais fácil convencer os congressistas da importância da existência dos sindicatos do que os supostamente protegidos pela sua existência.

A não tão sutil doutrinação

Estadão, coluna de Eliane Catanhêde: “… surge o primeiro movimento claro de reaglutinação de forças, e é à esquerda. As articulações projetam, inclusive, um novo personagem nesse atual cenário vazio, desolador: Guilherme Boulos. […] Como Stedile, é inteligente e tem liderança. A diferença é que Stedile parece paralisado num passado que desmoronou e Boulos acena com o futuro”. […] “Assim como a esquerda se rearticula, as demais forças também. Entretanto, a extrema direita defender a volta da ditadura militar não é articulação, é ameaça”.

Valor Econômico, sociólogo Sergio Abranches: “O Brasil, durante a maior parte do tempo, tinha uma esquerda e o resto se dizia de centro. Ninguém se assumia como de direita, no sentido de ser conservador, antifeminista, contra a liberdade de expressão generalizada. Isso é um fenômeno muito novo”.

Valor Econômico, reportagem sobre os 150 anos de Marx: “…filósofo e revolucionário do século XIX, inspiração para os movimentos de esquerda e assombração para os governos autoritários de direita,…”

O que há de comum nesses três trechos, escolhidos entre tantos outros em apenas um dia de jornal? Basta saber ler para notar a glamourização da esquerda e a satanização da direita.

Catanhêde eleva à condição de estadista um radical que queima pneus nas ruas e usa pobres coitados como massa de manobra, mas o antidemocrático é somente aquele que pede a volta da ditadura militar.

Sergio Abranches identifica a direita com a falta de liberdade de expressão, quando são os regimes de esquerda que, notoriamente, eliminam esse direito uma vez no poder.

A reportagem sobre Marx guarda o adjetivo “autoritário” para a direita, quando, mais uma vez notoriamente, os regimes de esquerda se destacaram (e ainda se destacam, vide Venezuela, Cuba e Coreia do Norte) como autoritários.

A doutrinação é sutil, mas poderosa. O tempo inteiro, estão tentando nos convencer de que a esquerda é “do bem” e a direita é “do mal”.

A reportagem do Valor, onde Sergio Abranches nos brinda com a observação acima, tenta entender a ascensão da “extrema direita”, representada por Bolsonaro. O adjetivo “extrema” é usado ao longo de toda a reportagem. Lanço aqui um desafio: encontre hoje, no jornal, o adjetivo “extrema” associado à esquerda. Boa sorte.