Estou intrigado

Estou cada vez mais intrigado com um raciocínio que vejo repetido com cada vez maior frequência. O raciocínio é o seguinte: se eu não mudar meu voto para o Bolsonaro já no 1o turno, estarei colocando o PT novamente no poder. Posso ser eleitor do Amoêdo (que é o alvo preferencial desse raciocínio), ou de qualquer outro candidato à direita do espectro político.

Não consigo ver como isso seja possível.

Meu raciocínio é o seguinte. Digamos que haja dois tipos de eleitores do Amoêdo: aquele que vota no Bolsonaro no 2o turno, e aquele que não vota no Bolsonaro no 2o turno. Por serem alternativas complementares, a soma desses dois tipos perfaz 100% dos eleitores do Amoêdo.

Para ganhar uma eleição, qualquer candidato precisa ter 50% + 1 dos votos válidos, tanto faz se no 1o ou no 2o turno. O voto do eleitor do Amoêdo do tipo 1, aquele que vota no Bolsonaro, estará com ele no 2o turno. Então, tanto faz votar no 1o ou no 2o turno, esses votos vão ajudar a eleger Bolsonaro de qualquer maneira, seja no 1o, seja no 2o turno. Já no caso do eleitor tipo 2, aquele que não vota em Bolsonaro nem no 2o turno, não adianta pedir pra votar no 1o turno, não é mesmo?

Esse é o raciocínio, e que vale para os eleitores de quaisquer outros candidatos.

A não ser que…

A não ser que exista o receio de que essa “reserva de votos” formada pelos eleitores do Amoêdo do tipo 1, mudem de ideia no 2o turno, e resolvam que são do tipo 2. Então, o que estaria por trás dessa pressão é o receio de que a campanha do 2o turno faça Bolsonaro perder os votos potenciais que tinha no 1o turno. Então, seria melhor liquidar logo a fatura no 1o turno, para não dar tempo das pessoas mudarem seu voto. Não é lá uma explicação muito dignificante, mas é a única que consigo encontrar.

Por outro lado, dado o índice de rejeição a Bolsonaro, poderia defender aqui que o voto nele, isso sim, é o passaporte para a volta do PT ao poder. Não sou partidário dessa ideia, porque acredito que índices de rejeição podem ser revertidos com uma boa campanha, e o 2o turno é uma outra eleição. Mas, do jeito que as coisas estão hoje, esse risco não é desprezível.

O voto útil em Bolsonaro

Tem algo que vem me intrigando há algum tempo: a campanha que alguns bolsonaristas vêm fazendo para que os eleitores do Amoêdo votem útil no ex-capitão, para que este ganhe ainda no 1o turno. Caso contrário, o inferno aguarda a nós todos, com a vitória do PT no 2o turno.

Trata-se de uma argumentação com uma contradição e uma falha.

A contradição é que os bolsonaristas juram de pés juntos que as pesquisas são fajutas, e que Bolsonaro bate qualquer um no 2o turno. Eu até acho que pesquisa de 2o turno feita no 1o turno tem validade limitada, pois 2o turno é outra eleição. Mas, se Bolsonaro é tão fodão, vence o 2o turno fácil, por que ficar fazendo campanha pelo voto útil?

A falha no argumento é de lógica. Se os votos do Amoêdo são suficientes para eleger Bolsonaro no 1o turno, serão também suficientes para elegê-lo em um eventual 2o turno. A não ser que Bolsonaro repita Alckmin em 2006 e perca votos entre o 1o e o 2o turnos. Mas aí a culpa não terá sido do Amoêdo, não é mesmo?

Vamos colocar em números, pra ver se me faço entender. Digamos que Bolsonaro receba 46% dos votos válidos e Amoêdo, 5%. Vamos ao 2o turno, e os eleitores do Amoêdo votam em Bolsonaro e o elegem com 51% dos votos válidos. Ficou claro?

– Ah, mas no 2o turno alguns eleitores do Amoêdo podem não querer votar no Bolsonaro…

Bem, como querer que esses eleitores que não votam no Bolsonaro nem no 2o turno votem nele ainda no 1o turno??? Coisa de maluco, né não?

O voto útil no 1o turno serve, de fato, para evitar um 2o turno desgastante. Foi o que aconteceu na eleição para a prefeitura de São Paulo: João Doria ganhou no 1o turno contando com muito voto útil que não queria uma campanha pain in the ass contra o Haddad no 2o turno. Mas não havia dúvida de que Doria venceria a eleição no 2o turno. Não houve terrorismo do tipo “ou vota útil ou Haddad é eleito”. Isso não faz o mínimo sentido.

Outra utilidade do voto útil é levar um candidato mais “palatável” ao 2o turno, de modo a não ficar refém de um escolha de Sofia. Assim, diante de um 2o turno entre Bolsonaro e Haddad (ou Ciro), muitos eleitores de Amoêdo (e de Meirelles e de Alvaro Dias) podem votar em Alckmin, seja pela esperança de ter uma opção mais “centrista” no 2o turno, seja pelo receio de que Bolsonaro seja o passaporte para a volta da esquerda ao poder, por conta de sua alta rejeição.

A última pesquisa DataFolha mostra que Alckmin, Amoêdo, Meirelles e Alvaro somam 19% dos votos válidos, montante teoricamente suficiente para levá-lo ao 2o turno, caso a esquerda se mantenha dividida. Long shot, mas possível.

Enfim, por enquanto continuo com meu posicionamento desde sempre: meu voto é do Amoêdo, mas posso votar útil ainda no 1o turno, a depender do desenho de um eventual 2o turno.

Bolsonaro e Amoêdo: semelhanças e diferenças

Por que a candidatura Amoêdo incomoda de maneira crescente os apoiadores de Bolsonaro? (Até o momento só os apoiadores, não vi nenhum ataque do próprio candidato).

Tentaremos entender esse fenômeno investigando as semelhanças e as diferenças entre as duas candidaturas.

1) Uma primeira semelhança é que se trata de duas candidaturas de fora do establishment, que nasceram como uma reação ao establishment. No entanto, há nuances importantes: Bolsonaro é político há 30 anos. Baixo clero, ok, mas político profissional, vive disso. Amoêdo, pelo contrário, está chegando agora à política. Nunca teve cargo público, sempre trabalhou na iniciativa privada. Eu, particularmente, não gosto de gente sem nenhuma experiência política, acho que a política precisa de profissionais do ramo para funcionar. Mas, para quem quer uma renovação radical, Amoêdo é mais radicalmente anti-establishment, ainda que Bolsonaro também o seja.

2) Uma segunda semelhança é o pensamento liberal. Ambos se proclamam liberais, mas Bolsonaro é cristão-novo, e suas convicções liberais ainda não foram colocadas à prova. Amoêdo, por sua vez, criou-se em ambiente liberal, este é o seu ponto forte para quem não quer surpresas nesse campo.

3) Ambos são conservadores, mas as credenciais de Bolsonaro, neste caso, são bem mais fortes. Difícil pensar em um mote mais conservador do que “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A defesa da família, da propriedade, dos costumes estão muito mais presentes no discurso de Bolsonaro. Amoêdo dá muito mais ênfase à economia, sendo às vezes ambíguo na área dos costumes, o que já lhe valeu a pecha de “comunista”, dada pelos bolsonaristas mais exaltados.

4) Amoêdo é candidato por acaso, porque foi o líder da criação do Novo. O importante é a consolidação do Novo, a candidatura à presidência é função disso. Já a candidatura de Bolsonaro é personalista. O PSL é apenas uma barriga de aluguel, porque no Brasil não existem candidaturas independentes.

5) Amoêdo é muito menos polêmico. Suas falas são mais anódinas, mais técnicas. Bolsonaro é mais “povão”, não tem medo do politicamente incorreto. Até por conta disso, desperta paixões contra e a favor, fazendo com que seu capital de votos esteja consolidado, mas sua rejeição seja das mais altas.

6) Por fim, tanto um quanto o outro, até por suas características anti-establishment, terão imensas dificuldades de lidar com o Congresso. Bolsonaro tem a vantagem de conhecer o jogo parlamentar, apesar de se dizer fora do jogo. Já a vantagem de Amoêdo é seu temperamento mais conciliador, o que, teoricamente, favoreceria composições em torno de projetos.

Com esses elementos, podemos entender porque a candidatura de Amoêdo vem incomodando. Para alguns bolsonaristas, Amoêdo rouba votos que, de outra forma, iriam para o ex-capitão. Essa convicção tem como pressuposto os itens 1 e 2 acima: Amoêdo é anti-establishment e liberal, assim como Bolsonaro.

Roubando votos de Bolsonaro, o candidato do Novo e seus eleitores estariam agindo de modo pouco estratégico: afinal, este seria o momento de “unir as forças da direita” para nos livrarmos dos “comunistas”. Bolsonaro, por estar melhor colocado nas pesquisas, seria o estuário natural desses votos, não fosse a presença incômoda dessa outra candidatura semelhante. Ou seja, os bolsonaristas pregam o voto útil no 1o turno.

Esse argumento não faz sentido, nem do ponto de vista teórico, nem do ponto de vista prático.

Do ponto de vista teórico, Amoêdo é bem diferente de Bolsonaro. Dos 6 itens acima, nenhum é absolutamente comum, há nuances ou diferenças que podem ser importantes no momento da decisão do voto. Portanto, votar em Bolsonaro não é o mesmo que votar em Amoêdo, e existem pessoas que não votam útil de jeito nenhum (não é o meu caso).

Do ponto de vista prático, o argumento é contrário a Bolsonaro. Os bolsonaristas gostariam de receber os votos dos amoedistas para que fosse possível a vitória já no 1o turno ou, no limite, para garantir a passagem de um “candidato de direita anti-establishment” ao 2o turno. Ora, o primeiro motivo é tosco. Se fosse possível a Bolsonaro ganhar no 1o turno com os votos dos amoedistas, então será possível ganhar no 2o turno com os mesmos votos, se o próprio Bolsonaro não perder os votos que ganhou no 1o turno (tipo Alckmin em 2006). Trata-se de uma questão matemática.

Já o segundo motivo é mais relevante: e se a divisão de votos entre Amoêdo e Bolsonaro impedir que ambos alcancem o 2o turno? Isso sim pode acontecer e, em tese, justificaria o voto útil no candidato com mais chances.

Digo em tese porque depende das preferências de cada um. Se o fato de ser “anti-establishment de direita” é a coisa mais importante, então, de fato, o voto útil em Bolsonaro no 1o turno se justifica.

Se, por outro lado, o eleitor é, antes de tudo, anti-petista (como é o meu caso), então o voto em Bolsonaro não é tão óbvio assim. Bolsonaro sofre alta rejeição (que tende a aumentar durante a campanha), o que o torna presa fácil no 2o turno, inclusive para um improvável Haddad. Assim, para pessoas que dão mais valor ao anti-petismo do que ao anti-establishment, o voto útil em Alckmin poderia fazer mais sentido. Enfim, uma mensagem aos “estrategistas da candidatura Bolsonaro”, repetindo o que já disse aqui: esta eleição é cheia de nuances e pegadinhas. A decisão sobre voto útil tem mais variáveis do que o maniqueísmo de alguns bolsonaristas admitem. O mundo é um pouco mais complexo.

Voto útil

Até Eliane Catanhede às vezes acerta. Ela diz o que parece óbvio: o voto em Bolsonaro no 1o turno pode significar a volta do PT ao poder, caso ambos consigam chegar ao 2o turno.

Claro, quem vota em Bolsonaro por convicção, deve permanecer com seu voto. Mas para quem o anti-petismo é maior que seu amor por Bolsonaro, o voto no ex-capitão não é tão óbvio assim.

Alckmin, se for esperto, estimulará o voto útil ainda no 1o turno, a depender da performance do candidato do PT.

Abraço dos afogados

Ainda sobre Bolsonaro e Amoêdo.

Tenho visto com mais frequência defensores da candidatura de Bolsonaro defendendo o voto útil por parte dos eleitores de Amoêdo, ainda no 1o turno, no candidato do PSL. Inclusive, mostram-se ressentidos pelo fato do candidato do Novo não ter aberto mão da própria candidatura, e cerrado fileiras em torno do ex-capitão.

A lógica parece ser a seguinte: se não houver uma união entre os candidatos anti-establishment de direita, este campo corre o risco de ficar de fora do 2o turno. Então, vale desde apelos à “racionalidade” do voto útil no 1o turno até ataques ao candidato do Novo pela sua falta de “credenciais de direita”. Sério, tem post que só falta dizer que Amoêdo tem um pôster do Che no escritório.

Vejamos.

Creio que o objetivo número zero de todos nós do lado de cá é evitar que o PT volte ao poder. Este risco parecia remoto dado tudo o que aconteceu nos últimos anos. Mas sabe como é, o eleitor brasileiro tem uma capacidade infinita de fazer zerda, então essa possibilidade vem crescendo a olhos vistos.

Para os eleitores do Bolsonaro que não concordam com a premissa acima, que ficariam mais contentes com Bolsonaro presidente do que tristes com o PT de volta ao poder, nada do que vai adiante vai fazer sentido. Eu, por exemplo, voto em Amoêdo. Mas abriria mão já do meu voto se alguém me garantisse que, com isso, o PT não ganharia a eleição. É disso que se trata.

Então, tendo esse objetivo principal em mente, podemos ter outro subordinado. Alguns querem o Bolsonaro, outros o Amoêdo, outros o Alckmin, outros a Marina. Para que o meu raciocínio daqui para frente funcione, é preciso concordar que Alckmin e Marina são menos piores que um governo do PT.

Alckmin e o PSDB podem ser “frouxos”, “ladrões”, “esquerdistas”. Mas não fazem sombra à ameaça que um novo governo do PT representaria, tanto em termos de diretrizes econômicas quanto à preservação das instituições. Basta ver o que os petistas têm feito com o judiciário brasileiro, achincalhando a imagem do país aqui e lá fora. Sem contar a promessa de “controle da mídia”, que não é brincadeira. Não dá para imaginar o PSDB fazendo isso.

Já Marina pode até ter “coração de petista”, mas está longe de representar essa máquina de moer instituições em que se tornou o PT. Podemos detestar seu programa de governo, mas nada se compara à mistificação em torno do Dom Sebastião de Curitiba.

Sendo assim, os eleitores de Amoêdo precisam verificar, para decidir sobre o seu voto útil no 1o turno, se: 1) é possível eleger Bolsonaro já no 1o turno ou 2) havendo 2o turno, se o PT tem reais chances de chegar lá, e 3) chegando o PT ao 2o turno, qual o candidato com maiores chances de derrotá-lo.

A hipótese 1 parece mais do que remota. Nem Lula, no auge de sua popularidade, conseguiu eleger-se (ou eleger o seu poste) no 1o turno. Ainda mais em uma eleição tão pulverizada quanto a atual. Esta pulverização parece garantir a existência de um 2o turno, o que nos leva à hipótese número 2.

A hipótese 2 parece cada vez mais provável, dado o incrível nível de intenções de voto do presidiário. Por menor que seja a capacidade de transferência de votos, a base para esta transferência parece estar aumentando. Mas isso só vai ficar mais claro ao longo de setembro. Trata-se de uma questão em aberto.

Se a hipótese 2 der pinta de que vai se confirmar, então o eleitor que quer votar útil deve buscar o candidato que demonstrar mais chances de derrotar o candidato do PT no 2o turno, qualquer que seja ele. Este candidato deve ser o que apresentar menor índice de rejeição.

Em todas as pesquisas, Bolsonaro aparece atrás de qualquer oponente no 2o turno, justamente por conta da sua rejeição. Contra Haddad, Bolsonaro teoricamente aparece na frente, mas este não é um resultado definitivo, dado que Haddad sequer é o candidato do PT ainda. Claro, nenhum resultado é definitivo a essa altura do campeonato, e ao longo de setembro teremos mais elementos para decidir sobre quem tem mais chance de, se for o caso, derrotar o PT no 2o turno.

Em resumo, se eu votar útil no 1o turno, meu voto irá para aquele candidato que tenha mais chance de evitar o abraço dos afogados, com o PT voltando ao poder.