Arbítrio do bem

Excelente matéria hoje, no Estadão, relembra o histórico e analisa as ações do STF, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes, no combate aos chamados “atos contra o Estado Democrático de Direito”.

De todos os juristas entrevistados, o testemunho do desembargador aposentado, Wálter Maierovitch, é o mais simbólico de toda essa história. Maierovitch afirma que tudo o que Alexandre de Moraes está fazendo encontra-se à margem do sistema jurídico brasileiro, mas se justifica porque o “sistema de pesos e contrapesos” da democracia brasileira deixou de funcionar, com o Congresso não votando pelo impeachment do presidente.

Com esse cândido reconhecimento de que os fins justificam os meios, o ex-desembargador se junta à ministra Carmen Lúcia, que afirmou ser contra qualquer tipo de censura em uma decisão em que ela própria censurava um vídeo “pelo bem da democracia”. Maierovitch e Carmen Lúcia fazem parte daquele clube de juristas que acreditam que “a história deve ser empurrada para frente”, caso as instituições não cumpram o seu papel. No caso, trata-se do conceito, abordado na reportagem, de “democracia militante”, em que as instituições democráticas devem usr todos os meios para defender-se, mesmo aqueles fora do Estado Democrático de Direito. Trata-se de um bom debate.

A reportagem faz o paralelo com a operação Lava-Jato, que teria igualmente atropelado o devido processo legal para prender políticos corruptos. Esse paralelo é, obviamente, uma falácia. Basta três segundos de raciocínio para concluir que todas as decisões da Lava-Jato foram revisadas e referendadas por duas instâncias superiores da justiça. Por outro lado, a única instância revisora do inquérito do fim do mundo é o próprio colegiado do STF, que aprovou a sua continuidade com um acachapante 10 x 1. A partir daí, Alexandre de Moraes tem agido sozinho, sem revisão alguma de suas decisões, a não ser em casos muito particulares, como o da prisão do deputado Daniel Silveira. Não, não há termos de comparação entre o inquérito das fake news e a operação Lava-Jato.

A quebradeira em Brasília parece ter dado razão ao ministro e a todos os apoiadores de seus atos. Afinal, era disso que se tratava desde o início, evitar que os golpistas atentassem contra as instituições democráticas. Nesse sentido, no entanto, podemos dizer que Alexandre de Moraes falhou miseravelmente em sua missão, ao não evitar que as coisas chegassem a esse ponto. Cada caco de vidro no chão dos três poderes é testemunha de seu lamentável fracasso. Poder-se-ia pensar que o inquérito das fake news evitou algo ainda pior. Resta saber o que poderia ser pior. A reeleição de Bolsonaro?

A matéria começa afirmando que, quando um ministro do STF é tietado como Alexandre de Moraes o foi na diplomação de Lula, é sinal de que algo está fora de lugar nas instituições. Eu diria que, quando uma reportagem dessa natureza é editada na grande imprensa, é porque o desconforto com essa situação já começa a extrapolar os círculos bolsonaristas. O “arbítrio do bem” começa a ser questionado, e isso terá consequências.