Não há boas opções

O título do artigo de hoje de William Waack é muito melhor do que o artigo em si, que justamente se perde no labirinto da falta de opções de Israel. Esse título dá um gancho para retificar uma ideia que talvez eu tenha passado no meu post anterior, em que critiquei artigo de Thomas Friedman, a respeito de uma potencial invasão de Gaza por Israel.

Alguns comentários me alertaram para o fato de que eu passava a impressão de estar defendendo a invasão de Gaza. A ideia nunca foi essa, mesmo porque não me sinto gabaritado a dar conselhos ao governo de Israel. O ponto do post era apenas criticar a fraqueza dos motivos apontados por Friedman para a não-invasão, quais sejam, a “imagem” de Israel, a “responsabilidade” de Israel diante de tudo o que acontecesse de ruim no território e a “frustração” dos planos do inimigo. Em minha opinião, nenhum desses pontos tocava na questão crucial: a segurança de Israel, que, imagino, seja a preocupação número 1 do governo israelense nesse momento. Defendia a ideia de que, qualquer fosse a decisão, deveria ter como objetivo a segurança dos cidadãos israelenses.

Termino aquele post dizendo que os cenários alternativos sempre serão objeto de debate. Uma decisão “errada” só poderia ser corretamente julgada se comparada com o resultado de suas alternativas. Mas isso é impossível de se fazer, pois as alternativas pertencem ao campo das ideias, não à realidade. Somos todos exímios profetas do passado, mas a verdade nua e crua é que as decisões são sempre tomadas em um ambiente em que “não há boas opções”, na feliz expressão usada por William Waack.

Vai caindo a ficha

Após mais de 100 dias da vitória nas eleições (quando o governo Lula efetivamente começou, com a aprovação da PEC da gastança) e 45 dias de sua posse, os formadores de opinião vão notando que algo está fora dos eixos.

William Waack, em artigo de hoje, chama a atenção para o radicalismo irrealista de Lula, movido a um intenso ressentimento. E o editorial do Estadão aponta o tom de palanque do presidente, enquanto seu governo parece perdido. Algo que “não se esperava”, dada a ampla experiência de Lula como governante.

Desde o “agora estou com medo” de Arminio Fraga, a ficha vai caindo a respeito de Lula. William Waack atribui ao tempo na prisão a perda do pragmatismo esperado por quem nele votou. Um pragmatismo, diga-se de passagem, bastante legítimo de se esperar, dado o seu primeiro governo e a aliança com Geraldo Alckmin.

Particularmente, nunca dei esse benefício da dúvida a Lula. Escrevi uma série de artigos demonstrando que as mazelas do governo Dilma tiveram sua origem no governo Lula, que tem uma visão muito primitiva do processo econômico. E a aliança com Alckmin foi feita com a pessoa física, um político ressentido com seu partido e que encontrou uma chance de sobrevivência política. Não foi, portanto, uma aliança programática, algo que pudesse, de fato, influenciar os rumos do governo.

Ainda há quem continue esperando que Lula, um belo dia, acordará pragmático, e começará a governar como o fez em seus primeiros anos. É capaz de D. Sebastião voltar antes.

Romper o ferrolho

William Waack é um dos poucos analistas políticos no Brasil, hoje, em que eu presto atenção. Suas análises normalmente descortinam ângulos novos a respeito das mesmas questões, lançando uma nova luz sobre velhos problemas.

Em sua coluna de hoje, Waack, depois de descrever a tática adotada por Lula e Bolsonaro e suas dificuldades, foca na questão da 3a via. Moro, Ciro e Doria têm encontrado muita dificuldade para romper o que ele chama de “movimento de pinça”, feito pelas tropas petistas e bolsonaristas. Os três candidatos têm muitos passivos, amplamente explorados pelos dois exércitos. Então, como quem não quer nada, Waack solta o nome de Simone Tebet como uma possibilidade real, aventada por “setores da 3a via”, o que quer que isso signifique.

Sobre os outros três nomes da 3a via, Tebet tem a vantagem de não ter passivo conhecido. O problema é que a candidata do PMDB tampouco tem ativos conhecidos, a não ser o fato de ser mulher e de ter participado na CPI da COVID, em que estrelou o episódio de “assédio moral” que supostamente sofreu de um depoente. Na verdade, tenho dúvida de que seja um ativo, mas vá lá.

Simone Tebet, portanto, seria uma folha em branco, ideal para ser trabalhada pelo marketing político, e mais difícil de ser alvo de um movimento de pinça.

Estamos apenas em janeiro, há ainda muito tempo para as eleições, e tudo pode acontecer, inclusive nada. O balão de ensaio de Simone Tebet pode murchar ou pode inflar, difícil dizer. Mas o fato de William Waack ter levantado a bola me fará prestar mais atenção a seus movimentos.

Quem tem o zap?

O amigo Claudio Azevedo chamou-me a atenção para uma reportagem no portal R7, segundo a qual o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, usou ontem a mesma imagem que usei em meu post: o truco de Bolsonaro. Na sua avaliação, ninguém teve coragem de gritar seis e se retiraram da mão.

O problema das alegorias é que se prestam à interpretação mais conveniente para quem as usam. No caso, a Ricardo Barros interessa dizer que está tudo normal, Bolsonaro ganhou essa e vida que segue.

Não acho que seja bem assim. A mão ainda não acabou. Na verdade, está longe de terminar. O que Bolsonaro fez ontem foi piscar para seu parceiro de cartas (as pessoas que foram às ruas apoiá-lo), indicando que tem um zap. (Para quem não conhece o jogo, no truco é permitido “trapacear”, indicando para o seu parceiro as cartas que você tem na própria mão. Piscar normalmente significa que se tem o zap).

O ponto é que a dupla adversária também deu sinal de zap. Fux afirmou que “essa corte permanecerá de pé”, em um claro sinal de que o outro lado também acha que tem o zap. Pacheco, como bom mineiro, não disse nada, mas suspendeu todos os trabalhos no Senado. E mesmo o discurso de Lira, que muitos acharam anódino por não citar a possibilidade de impeachment, traz sinais importantes, ao afirmar que a página do voto impresso está virada e que o país precisa de paz para enfrentar seus problemas. Para bom entendedor, meia piscada basta.

Na verdade, o próximo lance é do STF: se continuar prendendo bolsonaristas, estará chamando Bolsonaro a mostrar suas cartas. Se o presidente continuar somente vociferando, restará provada a tese de William Waack, em seu artigo de hoje. Segundo o jornalista, o 7 de setembro demonstrou que Bolsonaro não detém as polícias militares e a Polícia Federal para os seus próprios fins. Não houve insubordinação. Portanto, não tem como impor sua agenda na base da força. Resta-lhe seguir por dentro das instituições, onde está claramente em desvantagem.

Se um golpe clássico é improvável, o impeachment continua sendo uma realidade distante. Além de ainda contar com uma popularidade bem acima da de Dilma e Collor quando foram impichados, a passagem do tempo trabalha a favor de Bolsonaro, na medida em que nos aproximamos do ano eleitoral. O que provavelmente teremos até o final de 2022 é uma paralisia generalizada do processo político, em um país desesperadamente necessitado de reformas importantes. Mas o que é um ano para um país deitado eternamente em berço esplêndido, não é mesmo?

PS.: parece que alguns caminhoneiros começaram a bloquear estradas em apoio a Bolsonaro. Bem, a pauta da greve de 2018 era o preço do combustível, uma responsabilidade do governo. Na época, a ideia era encostar o governo contra a parede. Hoje, qual a ideia? Emparedar o STF? Alguém realmente acredita que o STF ou os senadores se sentirão pressionados? O mais provável é que, se esse movimento pegar e a baderna se generalizar, ameaçando o abastecimento das cidades, a popularidade do presidente afunde ainda mais, aumentando a probabilidade de um impeachment. O tiro pode sair pela culatra.

Quando falta governo, sobram governos paralelos

O site Jota, especializado em assuntos jurídicos, traz uma pequena matéria sobre a decisão do STF de impor ao governo o pagamento de uma renda mínima. Copio os trechos mais interessantes a seguir.

“A desmobilização do governo federal, especialmente do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do advogado-geral da União, André Mendonça, chamou a atenção de ministros do Supremo e contribuiu, de certo modo, para a decisão do tribunal sobre o pagamento de uma renda básica para a população de baixa renda.”

“Ministros comunicaram a Guedes e Mendonça da delicadeza do assunto. O ministro Gilmar Mendes pediu vista, abrindo espaço para a atuação político-jurídica do governo. Mas nem Guedes nem Mendonça se moveram.”

“Este julgamento mostrou ao Supremo, afirmam integrantes da Corte, a desestruturação do governo neste momento em especial para atuar no tribunal. A despeito das derrotas nas questões relativas ao combate à pandemia, o STF – em sua maioria – é permeável aos temas que envolvam governabilidade e contas públicas. Mas alguém, em nome do governo, precisa minimamente articular os interesses do Executivo na Corte.”

Esta reportagem ilustra à perfeição a coluna de William Waack hoje, no Estadão. Segundo o sempre arguto jornalista, hoje Congresso e STF governam o Brasil. Mas não se trata de uma conspiração, como pensa o entorno bolsonarista. Segundo Waack, “A principal responsável é a atuação do próprio Bolsonaro e sua extraordinária incompetência política.

“Não existe vácuo na política, como estamos cansados de saber. Quando Bolsonaro abriu mão de fazer política, o seu espaço foi ocupado, segundo Waack, “por uma curiosa aliança tácita, volátil e fluida de juízes e parlamentares”.

Eu complemento: Bolsonaro pensa, em sua redoma onde só cabem conspirações, que “fazer política” se resume a “toma lá, dá cá”. Também é isso, essa é a parte, digamos, fácil da coisa. Mas fazer política é muito mais do que isso: é, segundo Waack, “ter um conjunto de propostas e ideias bem definidas, com rumo, coordenação eficaz e domínio dos instrumentos clássicos de poder ou coerção.” Segundo o articulista, “o Bolsonarismo é mais um estado de espírito do que qualquer outra coisa”.

Enfim, o último julgamento do STF é só mais um em que, aparentemente, faltou a parte do “fazer política”. Assim como foi a tramitação do Orçamento, em que o Legislativo fez gato e sapato do Executivo. Falta coordenação. Falta rumo. Falta governo. E, quando falta governo, sobram governos paralelos.

A onda acabou

Pra não variar, artigo perfeito de William Waack. Em resumo, o fenômeno de 2018 foi único, voltamos à normalidade da política tradicional, onde quem comanda são os políticos profissionais e suas máquinas partidárias.

Não que Bolsonaro não seja um político profissional. Ninguém passa três décadas no Congresso sem sê-lo. Mas o capitão nunca teve apreço pela vida partidária, sempre agiu como um lobo solitário. Basta dar uma olhada na lista de agremiações às quais pertenceu durante sua vida parlamentar. Para concorrer à presidência, alugou uma sigla, para dela sair na primeira oportunidade.

Você já ouviu falar na Unidade Popular? Trata-se de (mais) um partido de esquerda radical, aprovado pelo TSE em 10/12/2019. Pois bem, se um troço desses consegue 500 mil assinaturas para ser aprovado, como um fenômeno popular como Jair Bolsonaro não consegue as assinaturas para fundar o Aliança Pelo Brasil? Só tem uma explicação: ele não quer a aporrinhação de ter um partido. Ele é um lobo solitário. Mesmo que, eventualmente, o Aliança pelo Brasil seja criado, provavelmente ele vai arrumar uma treta para sair do próprio partido.

2022 repetirá 2018? Muito difícil. A onda anti-PT, que coroou o mais anti-petista de todos, acabou, como disse Waack. Não que o PT tenha alguma chance nas próximas eleições. É justamente o inverso: como o PT claramente perdeu-se no caminho e está desaparecendo a olhos vistos como força política, o anti-petismo também perde o seu sentido. E, em uma eleição onde as narrativas perdem força, ganha o tradicional: os políticos tradicionais e suas máquinas partidárias. Foi o que demonstrou essas eleições municipais e o que, provavelmente, vai demonstrar as eleições de 2022.

Bolsonaro pode até ganhar a disputa pela reeleição. Mas, se ganhar, não será mais como um outsider, mas como um legítimo representante do sistema.

Levando com a barriga

Willliam Waack acerta na mosca ao analisar a atual conjuntura do governo Bolsonaro.

Inaugurando uma “nova forma de fazer política”, Bolsonaro, na prática, cedeu poder ao Congresso. Que, por sua vez, não se fez de rogado. Bolsonaro esperava governar “com a força das ruas”, pressionando os congressistas a fazer a “coisa certa”. Dizem que funcionou com a Reforma da Previdência, ainda que, na minha humilde opinião, os congressistas, neste caso, agiram conforme suas próprias conveniências. Afinal, era isso ou o precipício. E, no precipício, todos perdem.

Agora, como nos afastamos do precipício, cada um está cuidando de seus próprios interesses. Neste momento, a convicção do chefe faz toda a diferença. E é isso justamente o que está faltando. Reportagens como a do Estadão de hoje, mostrando insatisfação da equipe econômica, não são fruto de perseguição da “extrema-imprensa”. Foram sopradas de dentro do ministério da Economia. Parece que o pessoal anda meio cansado.

Claro, os técnicos deveriam saber que é o presidente quem tem a sensibilidade política para avançar com esta ou aquela agenda no Congresso. Mas fica difícil defender a ideia de poupar desgaste político ao governo, quando se decide pela capitalização da Emgepron ou por uma reestruturação de cargos militares que anula os ganhos da reforma da Previdência. Parece que Bolsonaro escolhe a dedo as pautas que vão lhe causar desgaste político.

Além disso, por mais que Bolsonaro tenha essa preocupação, que é legítima, isso tem um limite. E o limite é dado pela percepção dos agentes econômicos de que o governo já está satisfeito com o que foi feito. Esta percepção ainda é baixa, mas está crescendo. Se se tornar majoritária, aí é que a porca vai torcer o rabo.

O novo comunista

William Waack já foi considerado um ícone da direita. Tanto que participou do filme sobre 1964 produzido pelo pessoal do Brasil Paralelo.

Agora, deve ser considerado kombista, isentão ou, anátema dos anátemas, comunista.

Sinto-me cada vez mais dentro do conto O Alienista.

O sonho mirabolante

Já falamos sobre isso aqui.

Dizem que foi a Lava-Jato que matou as empreiteiras e nos jogou nessa recessão.

Nada mais falso.

Mesmo que não tivesse havido um pingo de corrupção, talvez levássemos mais tempo para chegar onde chegamos, mas chegaríamos do mesmo jeito.