Xeque-mate

É no mínimo curiosa a reação do bolsonarismo-raiz à nomeação do ministro-tubaína.

Todos concordam que se trata de uma josta de nomeação. Há unanimidade a respeito. Conseguiu desagradar evangélicos, olavistas, militares, direitistas, conservadores, liberais, enfim, praticamente 100% dos apoiadores do capitão. Agradou Kakay, Gilmar Mendes, a esquerda, a OAB e, principalmente, o Centrão, mas estes são neo-apoiadores do presidente, não são raiz.

Mas a reação, vamos a ela. É mais ou menos a seguinte: não sabemos da missa a metade. Política é um troço muito complicado. O presidente sabe o que está fazendo, o que importa é ele permanecer no poder para implementar a nossa agenda.

Não vou aqui nem entrar no mérito das reações no início do mandato a qualquer sugestão, mínima que fosse, a se fazer política, negociar com o Congresso. O bolsonarismo-raiz espumava, excomungava, contorcia-se em reprovação: jamais! Aqui é Nova Política, negociação é sinônimo de corrupção, nosso presidente veio para mudar isso, com a força do povo na rua!

Hoje, a cançãozinha bem sacada do general Heleno, “se gritar pega Centrão, não fica um mermão” ficou no passado. A Velha Política venceu.

Ou não.

A frase “o presidente sabe o que está fazendo” é uma forma de dizer que a agenda continua lá, intacta, mas precisa agora submergir para que o presidente continue onde está. O presidente seria mais esperto do que todas as raposas que o cercam, e encontrou uma forma de continuar sendo o mesmo patriota impoluto que foi eleito, ainda que mergulhado temporária e contingencialmente na zerda. Estaria, na verdade, protegendo a sua agenda quando dá a impressão de a estar destruindo.

Isso me faz lembrar um livro de xadrez que usei para estudar o jogo quando criança. Além das regras, o livro trazia algumas das partidas mais interessantes da história do jogo. A que mais me chamava a atenção era uma chamada de “Imortal”. Foi jogada em 1851 entre os mestres Adolf Anderssen (brancas) e Lionel Kieseritzky (pretas). O que me fascinava nessa partida violenta era o sacrifício que as brancas fizeram para vencer o jogo: sacrificaram um bispo, duas torres e, finalmente, a dama, para dar um cheque-mate. Reproduzo o tabuleiro antes do lance final, em que as pretas tomam a dama com o cavalo e o bispo branco se move para e7 para dar o cheque-mate. Note que todas as peças pretas estão no tabuleiro, mas são as brancas que vencem.

Bolsonaro seria esse enxadrista genial, que entrega tudo para vencer o jogo, que é o que importa. Este talento político, por algum motivo, ficou hibernando durante 28 anos no baixo-clero do Congresso, para florescer e espantar o mundo político com a sua astúcia em 2020. Não estou eliminando completamente esta hipótese, mas parece uma tese um pouco puxada. Políticos de talento, assim como enxadristas, costumam aparecer mais cedo.

A única jogada de mestre de Bolsonaro, até o momento, foi perceber e cavalgar a onda anti-petista. Negociações de bastidores não parecem ser a sua praia. Mas posso estar enganado, e Bolsonaro, no final, conseguir dar um cheque-mate, mesmo entregando suas peças mais preciosas. Por enquanto, o que temos é uma situação desesperadora para as brancas. Vamos ver.