A trindade impossível

O Estadão pública hoje editorial sobre a COP-25. Não havia me atentado ao fato da “igualdade” ter sido colocada como uma meta, no mesmo nível da preservação e do crescimento econômico. Assim, temos uma trindade de objetivos: preservação, crescimento e igualdade.

O editorialista afirma que não se trata de um objetivo impossível de ser alcançado, mas não esclarece de onde vem o seu otimismo. Parece mais um wishful thinking.

Muito pelo contrário: as energias limpas são mais caras e, portanto, tendem a abrir um fosso ainda maior entre ricos e pobres. Basta pensar nos alimentos orgânicos: se, do dia para a noite, os alimentos não orgânicos fossem proibidos, adivinha quem iria morrer de fome. Claro, sempre se fala em uma longa transição e em subsídios para as energias limpas. Bem, longa transição não orna com a urgência que a Greta quer, e os subsídios precisam ser combinados com aqueles que irão pagá-los, inclusive os mais pobres. Ou alguém acha que é só rico que paga imposto?

Já era difícil conciliar preservação com crescimento, imagine agora tendo também que aumentar a “igualdade”. Não é à toa que virou um grande impasse. A dura realidade é que são objetivos contraditórios e qualquer solução sempre ficará aquém do desejado.

A usina de Belo Monte é um belo exemplo dessa contradição: construída a fio d’água para evitar alagamento de terras indígenas e a extinção da biodiversidade local, Belo Monte só funciona durante pouco mais da metade do ano. Para fazer frente à demanda, o operador pediu permissão para construir uma usina termoelétrica, altamente poluidora. Claro, sempre podemos deixar desligado nosso ar-condicionado no verão, mas parece que o pessoal não gosta muito dessa alternativa, que verdadeiramente nivelaria ricos e pobres. Por baixo.

Políticas sociais e desenvolvimento

Duas notícias ontem na capa do Valor.

A China está se aproximando rapidamente da fronteira tecnológica, várias companhias chinesas de tecnologia estão entre as mais valiosas do mundo e a Huawei está brigando de igual para igual na tecnologia 5G, que é a próxima fronteira.

Não, a China não tem um sistema universal de saúde (a não ser para as áreas rurais, onde funciona mal), o pessoal tem que pagar seguro-saúde. Também não tem universidade pública gratuita, o pessoal tem que pagar também. E também não tem sistema público universal de aposentadoria.

Não estou aqui sugerindo que há uma dicotomia entre investimentos públicos de bem-estar social e desenvolvimento de tecnologia. Ambas podem caminhar juntas, assim como pode existir uma sem existir a outra. Meu único ponto é que a China resolveu ficar rica antes de desenvolver seu sistema de proteção social. E a desigualdade do país não a está impedindo de avançar rumo ao seu objetivo. E antes que digam que a China é uma ditadura e, portanto, seu exemplo não vale, Coreia e Japão fizeram exatamente o mesmo.

Enquanto isso, não conseguimos montar uma mísera fábrica de chips. Mas a saúde e a educação públicas, ó…

A fortuna dos defensores dos pobres

Sergio Cabral vai devolver R$ 380 milhões aos cofres públicos.

R$ 380 milhões!!!

E convenhamos, Sergio Cabral é um cardeal, mas está longe de ser o papa. Se ele roubou esse tanto na física, quanto foi roubado pelo esquema todo, inclusive para fazer campanha eleitoral?

Lembro de uma reunião que tive com um analista político antes das eleições de 2014. Ele tinha mantido reuniões nos comitês do PT e do PSDB. A primeira observação dele foi que o PSDB não tinha a mínima chance: o comitê de PT era tão mais rico, tão mais bem estruturado, que ele tinha pena de qualquer adversário.

Eu sei que, a essa altura do campeonato, eu não deveria mais me espantar com esses valores. Mas é que não consigo deixar de pensar que esse pessoal ainda está por aí, defendendo os pobres.

O “ultraliberalismo”

Sou fã do Cláudio Adilson, acho que é um dos melhores economistas do Brasil. Tendo dito isso, seu artigo de hoje no Estadão parece ter sido mais influenciado por suas opiniões políticas do que pelo rigor que sempre marcou o seu trabalho.

O artigo começa com uma falácia, acusando os “ultraliberais” de defender a ineficácia de ações governamentais sem que haja crescimento econômico anterior. A começar do uso do termo “ultraliberal”, que se presta bem a dividir os liberais entre os malvados e aqueles que têm bom coração, que seriam “liberais”, mas com consciência social.

Mas a principal falácia está em colocar a discussão “em tese”, como se estivéssemos discutindo sobre uma folha em branco, quando na verdade temos um histórico gigantesco de políticas de bem-estar social há décadas. Ou seja, o Brasil até hoje não foi governado por “ultraliberais”, possui políticas de bem-estar social às pencas (aposentadoria, saúde universal gratuita, educação gratuita da creche à faculdade), e mesmo assim, depois de décadas dessas políticas, somos um dos países mais desiguais do mundo. Algo está errado, não?

Em seu artigo, Cláudio Adilson condena o uso de políticas redistributivas com base na “taxação dos ricos”, dizendo que a literatura econômica já mostrou serem ineficientes. Também condena o Bolsa Família em seu atual formato. O que Cláudio Adilson defende são as chamadas “políticas pré-mercado”: o Estado deveria proporcionar educação e saúde de qualidade para a população mais pobre, para que tivessem as mesmas chances que os mais ricos. Sério? Por que não pensamos nisso antes???

O Brasil hoje já oferece educação e saúde universais de graça para a população mais pobre. A qualidade, como sabemos, deixa muito a desejar. Por que? É esta pergunta que economistas como Cláudio Adilson deveriam estar gastando o seu tempo e seu espaço na imprensa para responder, e não repetindo obviedades acacianas.

Cláudio Adilson termina o seu artigo atacando o governo, supostamente formado pelos “ultraliberais” sem coração. Parece ter sido esse o objetivo desde o início: marcar uma distinção entre os “liberais esclarecidos” e os brucutus que estão no ministério da Economia. A mim me parece (e já escrevi isso aqui) que é só uma questão de ênfase no discurso: colocar o combate à desigualdade como um objetivo explícito de política pública, para tornar mais palatável as reformas necessárias do Estado brasileiro. No final do dia, brucutus e esclarecidos defendem basicamente as mesmas coisas

A necessidade do jornalismo

Tentei destacar um ou outro trecho deste artigo de Carlos Alberto Di Franco, mas não consegui. O artigo inteiro é uma ode ao jornalismo de qualidade, escrito por alguém que vive o jornalismo por dentro. Fica uma conclusão, não escrita pelo autor: se os jornais estão hoje em crise, não é por conta da Internet ou do Google. O problema são os próprios jornalistas, que deixaram de fazer jornalismo.

Da mão para a boca

Um artigo e uma notícia na mesma página. O artigo é de Adriana Fernandes, que escreve sobre a situação dos governos regionais, protegidos por decisões do STF que os desobrigam a fazer ajustes para receber recursos da União. A notícia nos informa que 25% dos municípios brasileiros não têm dinheiro para pagar o 13o salário e pretendem usar o dinheiro do pré-sal para esse fim.

O artigo chama a atenção para a leniência do STF, o que levou os governos regionais a não realizarem os ajustes necessários em suas finanças. Segundo a jornalista, a única forma de a União defender-se é negar aval para novos empréstimos dos governos regionais. Com isso, o único banco que ainda se disporia a emprestar seria a Caixa, que aceita como garantia o dinheiro do Fundo de Participações dos Municípios. Agora, imagine a Caixa tentando reaver o seu dinheiro no STF… O que teremos, na prática, é a criação de um rombo na Caixa, que deverá posteriormente ser coberto por uma capitalização por parte da União. Ou seja, todos nós.

Em suas decisões, o STF argumenta pela “urgência social”. Sim, com certeza o Brasil tem muitas “urgências sociais”. Cabe ao Legislativo, não ao Judiciário, definir quais urgências serão atendidas. É óbvio que nem todas podem ser.

A visão de mundo de alguns ministros do STF é compartilhada por grande parte da população brasileira. Segundo essa visão, as pessoas têm o direito de verem atendidas todas as suas necessidades e o Estado tem o dever de atendê-las todas. Nesta equação, pouco importa se o país cria riqueza suficiente para atender a todas as demandas. O Brasil é um país rico, onde se plantando tudo dá. Deste trecho da carta de Pero Vaz, ficamos com a parte do “tudo dá” e esquecemos da parte “em se plantando”.

Ainda bem que neste ano temos os recursos do pré-sal. Ano que vem, veremos o que mais podemos vender para pagar as contas. E ainda bem também que temos um governo que vende coisas sem muito peso na consciência. Fosse um outro governo, cioso das “nossas riquezas”, a única saída, como bem demonstram Argentina e Venezuela, seria a inflação, o mais letal destruidor de riquezas conhecido.

O que queremos, afinal?

Falávamos mais cedo sobre instituições. A OCDE reúne os países mais ricos do mundo, e exige padrões mínimos de governança de seus membros. Ok, ok, países como México, Grécia e Turquia não são exatamente exemplos, mas ao menos são forçados a caminhar na direção correta.

E o Brasil?

Deitado eternamente em projeto esplêndido

A UFRJ está planejando conceder prédios ociosos para arrecadar recursos.

O projeto está sendo elaborado há três anos.

TRÊS ANOS!

Se uma equipe em uma empresa privada levar três anos para elaborar um projeto qualquer, será demitida por absoluta incompetência. Não existe elaboração de projeto que leve três anos, com exceção, talvez, de colocar o homem em Marte. Uma simples concessão de um espaço público certamente não tem esse nível de complexidade.

Lembre-se disso sempre que você ouvir os professores, alunos e especialistas chorando a situação da UFRJ.

Velha Política com o seu bolso

Não costumo dar muito peso a essas “notinhas políticas”. Além de não passarem de fofocas irrelevantes de bastidores, já vi algumas vezes serem desmentidas logo em seguida. Mas chamou-me a atenção que Paulo Skaf tenha ligado (três vezes!) para Bolsonaro, a fim de convencê-lo a manter o limite para a Lei Rouanet. O que tem a ver Skaf com os artistas? E mais, o que tem Skaf a ver com Bolsonaro?

A resposta à segunda questão está na mesma página: Skaf é o novo aliado de Bolsonaro em São Paulo para enfrentar João Doria.

Paulo Skaf é o Paulinho da Força dos empresários, defensor número 1 das meias-entradas para a catchiguria. Tem alguma mamat… quer dizer, incentivo para alguma indústria nascente, como a automobilística? Paulo Skaf está lá, articulando. Se Paulo Guedes tinha alguma esperança de tirar o dinheiro do Sistema S, com essa aproximação pode tirar o cavalinho da chuva.

O que nos remete à primeira questão: por que Paulo Skaf teria tanto interesse em manter um limite alto para a Lei Rouanet? Simples: as empresas teriam mais espaço para “incentivar as artes”, colocando os seus logos em filmes e peças teatrais e posando de mecenas sem tirar um tostão do bolso, só usando o dinheiro dos impostos não pagos. É um ganha-ganha, onde quem perde você sabe quem é.

Bolsonaro tem o direito de se aliar com quem quiser. Só não me venham dizer que isso é a Nova Política.

Democracia e distribuição de renda

Uma pesquisa coordenada por um grupo de Think Tanks sem vinculação partidária procurou medir a saúde da democracia no mundo. A pesquisa foi realizada em países da União Europeia e na América do Norte, e incluiu o Brasil.

Chamou-me a atenção os números de desconfiança, no Brasil, nas instituições que sustentam a democracia representativa. A polícia é a instituição que mais se aproxima da média de aprovação que recebe nos países desenvolvidos, mas mesmo assim fica abaixo da média. A confiança nas outras instituições é praticamente inexistente.

Instituições são a formalização do poder. Na selva, vale a lei do mais forte. Na civilização, as instituições nivelam o campo de disputa pelo poder. Não se trata mais de um poder discricionário, mas de regras estáveis governando a relação entre os homens. A democracia representativa só funciona com instituições fortes e confiáveis.

A julgar pelo resultado dessa pesquisa, o brasileiro está pronto para uma aventura autoritária. Como sabemos, todos concordam que a democracia é um bom sistema de governo, mas o melhor mesmo é uma ditadura comandada por um ditador que comungue das minhas ideias. E este é o problema do caminho autoritário: as minhas ideias são muito particulares, ainda que eu esteja convencido de que são as melhores possíveis. Em uma ditadura, as instituições se resumem ao ditador. É a lei da selva.

Na matéria que apresenta os resultados da pesquisa, o coordenador afirma que a única forma de “salvar” a democracia é distribuir melhor os resultados do crescimento econômico. Seria a única maneira de evitar que um ditador populista propusesse com sucesso fazer o mesmo. Ele cita a China como exemplo de sucesso econômico sem democracia, o que demonstraria a possibilidade. Em que pese que o gigante asiático não se destaca especialmente pela distribuição de renda.

Quer dizer, a má distribuição da renda estaria por traz da falta de credibilidade das instituições democráticas. É uma tese. Vou propor outra: a falta de instituições fortes está por traz da má distribuição de renda. A primeira tese implica uma solução econômica: distribuir renda, seja por que meio for (inclusive autoritário, que foi o caminho cubano) levaria a um aumento da democracia. A segunda tese implica uma solução política: o fortalecimento das instituições (ou seja, o fortalecimento da democracia) levaria a uma melhor distribuição de renda. A primeira solução é tecnocrática, envolve desde o reforço de programas como o bolsa-família, até grandes reformas, como a tributária. A segunda solução envolve as elites (todas elas) abrindo mão de seu poder discricionário para estabelecer meias-entradas para si próprias e respeitando as instituições, a começar da lei que beneficia a todos e não somente às próprias elites.

Solução econômica ou solução política para a má distribuição de renda? Eu tenho a minha tese de qual é a única que funciona.