SPTaxi

Eu normalmente sou um cara ligado nesse lance de tecnologia. Sai um app novo, alguma coisa que eu acho interessante, vou lá ver do que se trata.

E não é que deixei passar batido um app revolucionário lançado pela prefeitura de São Paulo? Trata-se do SPTaxi, um aplicativo que promete conectar os táxis da cidade aos passageiros. Mais ou menos o que a 99 fez sete anos atrás. Foi lançado, vejam só, em abril do ano passado, e só agora fiquei sabendo que esse troço existe.

Fui verificar o que eu estava perdendo. Baixei o aplicativo. Pra começo de conversa, você não cadastra o cartão de crédito. Por um motivo simples: o pagamento deve ser feito diretamente ao motorista, aquele que nunca tem uma máquina de cartão de crédito funcionando ou nunca tem troco. O design e a usabilidade são dignos de recém formados em cursos de design de aplicativos.

Mas pra não dizer que tudo é defeito, o app permite escolher o desconto que o usuário vai querer sobre o valor cheio da corrida, de zero a 40%. Obviamente, a chance de um motorista aceitar a sua corrida é inversamente proporcional ao tamanho do desconto. É a tarifa dinâmica tupiniquim.

Quando soube que existia um app estatal de táxis, não pude deixar de pensar que a prefeitura de São Paulo já resolveu todos os problemas da cidade e agora resolveu concorrer com o Uber e a 99.

Obviamente, esse aplicativo foi desenvolvido como uma resposta à pressão dos taxistas. Como isso ajuda os taxistas, pra mim é um mistério. Mas fica a questão: se os motoristas do Uber podem ser considerados funcionários da empresa, esse aplicativo transforma os taxistas em funcionários públicos? 🤔

Subsídios never die

Essa é uma discussão bem interessante. Trata-se de subsídio às indústrias de refrigerantes na Zona Franca de Manaus, mais especificamente Ambev e Coca-Cola, e que custam R$800 milhões por ano aos cofres públicos. Os interesses envolvidos são os seguintes:

  • 1) Das indústrias subsidiadas
  • 2) Dos empregados das indústrias subsidiadas
  • 3) Dos governos locais
  • 4) Do governo federal
  • 5) Das indústrias concorrentes que não recebem subsídios
  • 6) Dos empregados das indústrias concorrentes
  • 7) Dos desempregados das localidades onde as indústrias estariam localizadas se não houvesse o subsídio

Grosso modo, os atores 1, 2 e 3 querem os subsídios. Já os atores 4 a 7 não querem os subsídios. A questão não é arbitrar esses interesses, mas adotar a solução que maximiza o ganho do conjunto de interesses, ainda que uma parte dos agentes saia perdendo.

Quando a Zona Franca de Manaus foi criada, em 1967, a ideia era integrar aquela parte do país às cadeias produtivas. Com a presença de indústrias na região, se criaria um polo econômico próprio, que andaria depois com as próprias pernas. Mais de 50 anos depois, não foi isso o que se viu: aparentemente, a Zona Franca ainda depende dos subsídios. Serão necessários mais 50 anos?

Se distância física fosse desculpa, não estaríamos comprando produtos da China como se não houvesse amanhã. A China compensa a distância com uma mão de obra mais barata e mais bem preparada. Ou seja, mais produtiva. No caso da Zona Franca de Manaus temos duas possibilidades: 1) A produtividade é baixa e o subsídio serve para compensar a distância ou 2) A produtividade é ok, e o subsídio serve para engordar o lucro das empresas. No primeiro caso, a adoção do subsídio não se justifica, pois serve para mascarar a baixa produtividade, prevenindo a alocação do capital em atividades mais produtivas (agentes 5 a 7 acima) que aumentariam a produtividade geral da economia. No segundo caso, a adoção do subsídio representaria apenas uma transferência de recursos públicos para entes privados sem nenhuma compensação.

Mas, como sabemos, subsídios never die. Temer tentou, Bolsonaro está tentando. Boa sorte.

Varrendo os impostos para debaixo do tapete

Assim como ocorre com a energia elétrica e vários outros produtos, os combustíveis são caros no Brasil porque são muito tributados. A discussão agora se dá sobre eventual redução do ICMS para contrapor um possível aumento dos preços do petróleo no mercado internacional. Obviamente não vai acontecer, porque os Estados estão quebrados e não podem abrir mão de receita.

É comum, nesses momentos, surgirem “soluções indolores” para o problema. É o caso de um tal “fundo federal de estabilização de preços dos combustíveis”. O funcionamento desse fundo seria simples: quando o preço do petróleo caísse, ele seria capitalizado com a diferença entre o preço do petróleo no mercado internacional e o preço do petróleo praticado no mercado interno. Ou seja, a Petrobrás não baixaria os preços dos combustíveis e usaria o lucro gerado por cobrar mais caro para capitalizar esse fundo. Quando, por outro lado, o preço do petróleo subisse no mercado internacional, recursos desse fundo seriam usados para compensar a Petrobrás por praticar preços mais baixos.

Vejamos os problemas dessa brilhante ideia.

O primeiro é a capitalização inicial. Quanto dinheiro seria necessário? O governo tem esse dinheiro? Digamos que o fundo nascesse com o dinheiro necessário para segurar os preços dos combustíveis no atual patamar de US$70/barril até os preços internacionais atingirem US$75 ou Us$80. O que acontece depois? Bem, depois os preços voltam a subir, porque acabou o dinheiro. Digamos, por outro lado, que o conflito no Irã não dê em nada e os preços do petróleo caiam. Mas agora, os preços dos combustíveis não caem, estão congelados no nível de US$70/barril. A diferença servirá para capitalizar a Petrobras.

Ou seja, o fundo de estabilização cria, na verdade, um piso para o preço dos combustíveis: para baixo do preço atual não passa, mas pode ir para cima, quando o dinheiro do fundo de estabilização terminar.

Mas, e esse é um detalhe importante, essa coisa não é simétrica. Explico: se a Petrobrás não baixar os preços dos combustíveis no mercado interno quando o preço do petróleo cair, atrairá importadores independentes, que aproveitarão a diferença entre os preços locais (mais altos) e os internacionais (mais baixos), lucrando com isso. Ou seja, o lucro adicional da Petrobrás, que serviria para capitalizar o fundo de estabilização, iria parar nas mãos de competidores privados. Portanto, quando o preço do petróleo voltasse a subir, o fundo de estabilização não contaria com os recursos necessários para segurar os preços! A forma de evitar este fenômeno seria proibir a atuação de importadores independentes, o que, além de criar um mercado clandestino de combustíveis, reforçaria o monopólio da Petrobras. Mas essa seria uma medida do PT, não do Paulo Guedes, o defensor número 1 do livre mercado.

A ideia de um “fundo de estabilização” é dessas usadas pelos políticos para não atacar o problema de fundo: os gastos perdulários dos entes governamentais e a estrutura tributária injusta que temos no Brasil. Enquanto profissionais liberais fazem de conta que pagam impostos, insumos importantíssimos para a economia, como eletricidade e combustíveis, são absurdamente taxados, onerando principalmente os mais pobres. Este é o problema.

A energia suja e nosso estilo de vida

Daniela Chiaretti é repórter especial do Valor. Hoje, ela escreve um artigo que termina com o parágrafo em anexo. Como diz um amigo meu, visto de longe parece uma bobagem. De perto, parece de longe.

Diz a articulista que os governos devem aceitar o que dizem os cientistas e cortar os gases de efeito estufa. Vamos por partes.

“Os governos” são formados por políticos eleitos. No dia em que “os governos” se elegerem com plataformas ambientalistas, esses governos agirão de acordo com essa pauta. Por enquanto isso não aconteceu. Mas não bastam promessas vagas, tipo Marina Silva. É preciso eleger-se contando a verdade: que, para cortar os gases de efeito estufa, é preciso virar de cabeça para baixo toda a matriz energética, adotando fontes limpas de energia que são muito mais caras (se fossem mais baratas não estaríamos conversando sobre isso). Inclusive, alguns desafios tecnológicos precisam ser vencidos, como por exemplo, a autonomia dos carros elétricos (que são muito mais caros que os carros a gasolina, diga-se de passagem). Fazer um avião voar com energia elétrica ou nuclear não é coisa para a nossa geração, para desespero da Greta.

O que os políticos precisarão dizer é que o nosso estilo de vida precisará ser radicalmente modificado. “Energia suja” está de tal forma imbricado com nosso estilo de vida, que um político que dissesse a verdade sobre os custos de cortar gases de efeito estufa jamais seria eleito. Não caia na historinha do “lobby da indústria do petróleo”. O lobby da indústria ambientalista é hoje muito mais forte. Mas, por mais que tentem, não conseguem mudar um fato da vida: o petróleo é, ainda hoje, a fonte de energia mais eficiente, e que permite que grande parte dos bens seja hoje acessível para os mais pobres. A China não é o país mais poluído do mundo à toa.

Por fim, “os governos deveriam ouvir os cientistas”. Não, os governos devem ouvir o povo. Os governantes precisam ponderar se os custos de diminuir os gases de efeito estufa não são maiores do que os de não diminuir (isso, dando como certo que a ação humana é a principal responsável pelo aquecimento global). Evitar eventos extremos, como os incêndios na Austrália, vale tornar o cotidiano das pessoas menos confortável, com um conforto a que nos acostumamos nas últimas décadas? Essa é a questão. Fariam bem a articulista e todas as Gretas do mundo que olhassem à volta e abrissem mão de tudo o que depende da indústria do petróleo em algum elo da cadeia de produção. Veriam o quão difícil é para “os governos” aceitarem o que dizem os cientistas.

Subsídios never die

A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) é o segundo maior encargo (depois dos impostos) que onera uma das contas de luz mais caras do planeta.

A CDE é uma espécie de mãe, que subsidia uma série de programas. Um deles é a auto geração de energia solar. Como funciona?

O sujeito instala um aparato de captação da luz do sol. Com isso, gera sua própria energia elétrica. Até aí, tudo certo, ele deixa de consumir energia gerada, por exemplo, por uma hidroelétrica, economizando o custo desta geração.

Ocorre que a tarifa de eletricidade engloba, além da geração, também o custo de distribuição. Energia elétrica não é que nem água. Se alguém constrói um poço artesiano, basta ligar uma bomba e um cano para distribuir essa água pela casa. No caso da eletricidade isso não é possível. É preciso ligar o aparato de geração de energia solar aos postes de distribuição de energia, e a eletricidade chega à casa do mesmo jeito que para qualquer outro consumidor.

Tecnicamente, o autogerador passa a fazer parte do pool de geração de energia. Quando um consumidor recebe energia elétrica em sua casa, ele não sabe de onde veio essa energia. Pode ter sido gerada tanto em Itaipu quanto em uma termoelétrica a poucos quilômetros de sua casa. Energia elétrica não tem carimbo. Assim, o autogerador tem direito a receber a remuneração pela energia que gerou (e que passa a fazer parte do pool).

O detalhe dessa história é que, por uma resolução ainda do governo Dilma (uma dentre tantas que tinha como objetivo desenvolver indústrias específicas), o autogerador também passou a ter direito de pagar apenas uma fração do custo de distribuição. Como as distribuidoras não têm nada a ver com isso, elas são ressarcidas pela CDE. Ou seja, por todos nós.

Esse subsídio no custo de distribuição pode ser inclusive usado em imóveis que não contam com os painéis. Se o uso da eletricidade no imóvel que tem o painel solar não é suficiente para gastar todos os créditos a que tem direito, o proprietário pode usar esses créditos em um outro imóvel de sua propriedade em qualquer outro lugar.

A CDE representou R$20 bilhões de custos a mais na tarifa de eletricidade. Destes, 40%, ou R$8 bilhões, serviram para ressarcir as distribuidoras, tanto no programa Luz para Todos quanto no programa de incentivo aos painéis solares. Apenas para se ter uma ideia, o bolsa-família custa R$30 bilhões. Ou seja, com o valor desses subsídios seria possível aumentar o bolsa-família em mais de 25%.

O que a ANEEL está estudando? Um phase out do subsídio aos painéis solares. Faz sentido subsidiar uma indústria nascente, que não tem economia de escala? Se tiver externalidades positivas, sim. No caso, a energia solar é limpa, o que é um ativo importante nos dias que correm. Com o subsídio, o payback do investimento vale a pena para o autogerador. Em mais ou menos 5 anos, o dinheiro investido em painéis solares volta em forma de descontos na conta de luz.

Entretanto, a conta do payback envolve uma variável importante: o preço dos painéis solares. No início, com baixa escala, o custo de produção unitário é mais alto. No entanto, na medida em que o negócio ganha escala, o custo unitário vai diminuindo. O que a ANEEL propõe é que o subsídio vá terminando ao mesmo tempo em que o custo de produção vai diminuindo. Se isso não é feito, o subsídio vai servindo, cada vez mais, para engordar o lucro das empresas.

Acontece que, como vimos, subsídios never die. Por um motivo simples: quem recebe sabe o que está recebendo, mas quem paga, não sabe quanto está pagando. Bolsonaro, como todo bom político populista, sabe disso. Além do mais, caiu no seu colo uma bandeira fácil ambientalista, ainda que Greta dificilmente o aplaudirá por conta disso.

Por fim, resta a “intervenção branca” na ANEEL. Não, Bolsonaro não vai intervir de maneira direta. Nem o PT fez isso. Não precisa. Basta dizer que a discussão está “sepultada”. O resto se arruma.

As contradições do sindicalismo brasileiro

O editorial do Estadão repercute estatística do IBGE, que aponta o menor nível de sindicalização da série histórica, que teve início em 2012.

O maior conflito dentro do capitalismo se dá entre capital e trabalho. O capitalista, desde o dono do bar da esquina até o controlador de grandes complexos industriais, investe em capital físico e emprega capital humano para produzir o seu produto ou serviço. O capitalista quer remunerar ao máximo o capital físico investido. A isso chamamos de lucro. Essa remuneração se dá às expensas da remuneração do capital humano. Na verdade, a mão-de-obra entra como mais um fator de produção, ao lado dos diversos insumos (matérias-primas, energia), na equação da remuneração do capital, ou lucro. O capitalista vai controlar ao máximo os seus custos para aumentar os seus lucros. Daí surge a tensão: a mão-de-obra não é um insumo qualquer, são seres humanos tanto quanto os capitalistas, e merecem uma vida digna, ainda que “vida digna” seja um termo bastante elástico, de difícil concretização.

Ocorre que os trabalhadores, donos do capital humano, têm um problema de coordenação: apesar de serem maioria em relação ao capitalista, cada um individualmente tem seus próprios interesses. Se um indivíduo faz greve isoladamente, pode ser reposto por outro. É o típico dilema do prisioneiro, muito estudado em teoria dos jogos, em que um agente não toma a melhor decisão para o conjunto porque não tem certeza de que será acompanhado pelos outros. Os sindicatos surgem para resolver esse problema de coordenação, dando força de grupo a trabalhadores dispersos.

Mas, como toda construção humana, os sindicatos acabaram reféns de interesses alheios aos dos trabalhadores que representam, beneficiando os próprios sindicalistas. No Brasil, essa dicotomia de interesses atingiu o estado da arte com o patrocínio do Estado aos sindicatos, quando o governo Vargas instituiu a contribuição sindical obrigatória. A partir daí, os sindicatos se desvincularam definitivamente dos interesses dos trabalhadores que diziam representar e ficaram livres para fazer política.

É natural que os dirigentes sindicais tenham simpatia por partidos de esquerda. Afinal, são estes que vocalizam a tensão entre capital e trabalho e se põem ao lado do capital humano com uma retórica agressiva. Isso é uma coisa. Outra coisa bem diferente é usar recursos dos sindicatos, que são fruto de um imposto pago por todos, para apoiar financeiramente partidos políticos, como cansaram de fazer a CUT e seus assemelhados. Apesar do óbvio discurso “trabalhador vota em trabalhador”, não ficou claro para os trabalhadores que o PT era o único representante político legítimo de seus interesses. Resultado: os sindicatos passaram a ser vistos pelos trabalhadores como meros apêndices de partidos políticos e não como representantes de seus interesses. Bastou tornar voluntária a contribuição sindical para que ocorresse a debandada.

Segundo o IBGE, a categoria com maior penetração de sindicalizados é a de funcionários públicos. 26% dos servidores são filiados a algum sindicato, contra 12% da média nacional. Trata-se de um paradoxo: a maior taxa de sindicalização se dá justamente na única categoria em que não existe o conflito entre capital e trabalho e onde os trabalhadores têm estabilidade nos seus empregos. Trata-se de uma contradição em termos, típica de um país onde o sindicalismo floresceu debaixo das asas do Estado.

O que é democracia?

Quando a Alemanha estava dividida em duas, a antiga Alemanha Ocidental adotou, como nome oficial, República Federal da Alemanha. Sabe qual era o nome oficial da Alemanha Oriental, aquela que vivia sob o jugo da ditadura comunista? República Democrática Alemã.

Quando já estavam claros os arroubos autoritários de Hugo Chávez, Lula rebateu: “há democracia até demais na Venezuela”.

Certa vez, a filha de um amigo, que estava cursando o colegial em uma escola técnica estadual, explicou-me porque em Cuba havia mais democracia que nos EUA. Em Cuba, apesar de haver um só partido, o povo tem influência, o partido escuta o povo. Já nos EUA, apesar de ter eleições e vários partidos, isso é tudo uma enganação para manter o poder nas mãos dos donos do capital, que são os que realmente mandam no país. Foi o que ela aprendeu.

Democracia (o poder do povo) tornou-se palavra santa, que lava a reputação de quem a pronuncia. Todos defendem a Democracia. Resta saber o que se entende por Democracia.

Quando o Partido Comunista se declara defensor da Democracia, é que a palavra perdeu qualquer sentido prático. De modo que, dizer que Bolsonaro representa uma ameaça à Democracia pode ser tomado até como um elogio, a depender de quem acusa. Parece ser o caso.