Briga de rua

É realmente inacreditável a capacidade de Bolsonaro arrumar briga que, no final, só vai prejudicá-lo. O último caso é o dos preços dos combustíveis.

O preço do petróleo no mercado internacional está despencando por conta do coronavírus, refletindo uma queda pontual do consumo chinês. A Petrobras está aproveitando para diminui os preços da gasolina em suas refinarias. Seria uma ótima notícia, que seria surfada por qualquer governo. Mas não, Bolsonaro arrumou um jeito de transformar uma boa notícia em uma briga de rua.

Ocorre que a diminuição dos preços nas refinarias não está chegando nas bombas. Alguém soprou para o presidente que o problema é a forma de cálculo do ICMS: como os Estados consideram a base de cálculo fazendo uma média de 15 dias, a queda dos preços demora um pouco para afetar essa média. O resultado é o aumento da incidência do imposto, pois a base de cálculo é maior do que o preço na ponta. O efeito inverso também ocorre: quando há um aumento dos preços nas refinarias, a base de cálculo demora um pouco a ser recalculada, e a incidência do imposto fica proporcionalmente menor. Não sei porque existe essa metodologia de cálculo, suponho que seja para facilitar a administração dos impostos.

Enfim, seria apenas uma questão de dias para que os preços começassem a diminuir nas bombas, como sempre. Mas Bolsonaro viu aí uma oportunidade de estocar os que ele vê como inimigos políticos: os governadores, principalmente Doria e Witzel. Começou uma discussão extemporânea sobre impostos, justamente às vésperas de começar a tramitação pra valer da reforma tributária.

Como sabemos, essa reforma é complicadíssima, e não sai se não houver um alinhamento com os Estados. Qual o objetivo de Bolsonaro ao arrumar briga com os governadores? Arrumar uma desculpa para o eventual fracasso da reforma? Enfraquecer seus adversários políticos de 2022? Posar de defensor dos caminhoneiros às custas dos governadores? Ou se trata apenas de um ato irrefletido de um presidente que não está preparado para enfrentar questões desta complexidade? Qualquer que seja a explicação, nenhuma justifica esse bate-boca ginasial.

Estamos todos ansiosamente aguardando a proposta de reforma tributária do governo desde a aprovação da reforma da previdência. Já lá se vão 6 meses. O máximo que saiu do Planalto foram ensaios de uma CPMF natimorta e agora o “imposto sobre o pecado”. E, além de não ter proposta, Bolsonaro destrói as pontes que vai precisar para aprovar uma reforma digna do nome. Vamos depender, mais uma vez, do Congresso para fazer a lição de casa.

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