Essa matéria do G1, e que foi repercutida com estardalhaço pela Globo News, vai entrar para os anais do jornalismo brasileiro como exemplo de como os coleguinhas não têm a mínima noção do que estão fazendo.
Primeiro, a parte técnica: alguém pegou a série de renda REAL do PNAD, e tratou-a como NOMINAL. Ou seja, uma série que já é ajustada pela inflação do período (esse é o significado da palavra real) foi novamente descontada pela inflação do período. O resultado foi uma série em que a inflação entrou duas vezes, como se a inflação no Brasil tivesse o quadrado da inflação real. Ou seja, ao invés de uma inflação de 88% nesses 10 anos do estudo, a conta foi feita como se a inflação tivesse sido de 253%.
Mas, como eu sempre digo para os meus alunos, muitas vezes você não precisa saber a fórmula para acertar uma questão. Basta conhecer o conceito. Como qualquer grandeza agregada, a massa de renda deve mais ou menos acompanhar o PIB em prazos mais longos. Dizer que a renda caiu pela metade significa dizer que o PIB também teria caído mais ou menos pela metade nesse período, o que é uma rematada tolice. Uma tolice que ninguém no G1 ou na Globo News foi capaz de identificar. Não teve um, unzinho, que entendesse minimamente de economia para parar esse trem.
Por fim, e aqui falo somente de jornalismo, como e por que surge uma pauta dessas? Deixo em aberto essa pergunta, pois jornalismo não é minha praia.
Este levantamento do Tesouro, repercutido como manchete principal no Estadão, está eivado de má fé. Está certo que nosso judiciário é, de longe, o mais caro do mundo. Mas para uma análise isenta, é preciso olhar o outro lado da moeda: o nosso sistema é também, de longe, o mais eficiente do mundo.
Por exemplo, crimes, principalmente os de colarinho branco, são julgados muito rapidamente. Pá, pum, e o criminoso já está no xilindró.
Contamos com todo um sistema judiciário apartado somente para julgar causas trabalhistas. Assim, empresas e trabalhadores têm rapidamente suas pendências julgadas e resolvidas, diminuindo em muito o custo de empreender no Brasil.
A nossa democracia é forte e pujante porque temos tribunais dedicados somente ao monitoramento das eleições. Que outro país do mundo conta com essa garantia democrática?
Nosso juízes trabalham de sol a sol, com uma carga de trabalho tão estafante que precisam de dois meses de férias por ano.
Por fim, concordo com o nosso egrégio presidente do STF, quando diz que a insegurança jurídica no Brasil é uma lenda. Claro que toda essa segurança jurídica de que usufruímos, e que é exemplo para o mundo, tem um custo. Mas vale muito a pena.
A atividade de um banco de desenvolvimento se justifica em dois casos: 1) países onde o mercado de capitais não consegue suprir as necessidades de financiamento das empresas e/ou 2) fomento de atividades cujo retorno do capital seja baixo mas que gere externalidades positivas que compensem o custo de empréstimos subsidiados para a sociedade.
O Brasil claramente não se encaixa no primeiro caso. Nosso mercado de capitais é desenvolvido o suficiente para atender a demanda por financiamento das empresas. Além disso, o Brasil não tem controle de capitais, o que permite às empresas acessar livremente o mercado de capitais externo. Portanto, sob este aspecto, um banco de desenvolvimento é dispensável no Brasil.
Resta o segundo caso. E é aí que a porca torce o rabo. É muito difícil medir externalidades, a ponto de cravar a conveniência de um financiamento subsidiado. Um caso clássico de externalidade positiva são os investimentos em energia limpa, que não param em pé sem subsídios, mas que supostamente compensam o seu custo fiscal com menos catástrofes climáticas no futuro. Esta conta é mais uma questão de fé do que de economia, assim como quase tudo o que se refere a externalidades.
Mas, vamos por um momento admitir que é possível obter externalidades positivas. Aparentemente não é este o objetivo do BNDES. Em entrevista de hoje, o diretor do BNDES, José Luís Gordon, afirma que o banco abrirá o seu balcão para qualquer empresa que venha com um “bom projeto”. Sua justificativa poderia ser a mesma que qualquer um de nós daria em uma mesa de bar: “os empregos gerados pela indústria tirarão as pessoas dos programas sociais”. Explicação simplória, e que ignora o custo de cada um desses empregos gerados, conta que ninguém nos governos do PT faz muita questão de fazer. Aliás, Lula sempre justificou o Bolsa Família como sendo um fomento para o crescimento econômico, pois “o pobre vai comprar na vendinha, que por sua vez vai precisar comprar da indústria e assim por diante, girando a roda da economia”. No mínimo, deveríamos medir qual desses dois estímulos é mais eficaz.
Mas o ponto não é esse. A questão é que, se é para atender “todo bom projeto que vier”, por que raios precisamos de um BNDES? Lembre-se, temos um mercado de capitais que pode atender toda a demanda por financiamento. A única justificativa chama-se SUBSÍDIO.
Ninguém disse nada por enquanto, mas o próximo passo será rever a TLP, a taxa de juros cobrada nos empréstimos pelo BNDES. Hoje, essa taxa segue mais ou menos as taxas de juros do mercado, mudança feita pelo governo Temer depois do desastre fiscal do governo Dilma. É questão de tempo para que se coloque em discussão a TLP, senão o alcance do programa ficará muito limitado. Sem dinheiro barato, a neoindustrialização não decola. Governo e empresários sabem disso, e o único entrave é o maldito mercado financeiro, que insiste em medir o risco de crédito de todo esse arranjo.
Esses R$ 300 bilhões serão, em última instância, fornecidos pelo mercado em troca de dívida pública. Ou seja, ao invés de emprestar para as empresas diretamente, o sistema financeiro emprestará para o governo, que repassará para o BNDES, que emprestará para as empresas. No fim, teremos mais dívida pública, aumentando as taxas de juros para quem não teve a sorte de ter o seu “bom projeto” escolhido pelo BNDES. Já vimos esse filme antes.
Mercadante desafia: “por que a China é o país que mais cresceu nos últimos 40 anos?”, subentendo-se que foi pela ação decisiva do Estado chinês.
Que a China tem uma economia dirigida pelo Estado não há dúvida. O problema dessa correlação é ignorar todo o resto. A China foi palco do maior processo de urbanização da história humana. Essa migração dos campos para as cidades em poucas décadas proporcionou um aumento de produtividade excepcional, o que permitiu o aumento do PIB potencial do país. O mesmo fenômeno ocorreu no Brasil entre as décadas de 30 e 70, o que fez do Brasil um dos países de maior crescimento do mundo no período (sim, já fomos a China). Além disso, com a política do “filho único”, a China antecipou o bônus demográfico, potencializando os ganhos de produtividade. Por fim, a China investiu pesado em formação de sua mão de obra, o que se reflete, por exemplo, em seus resultados no PISA.
A comparação com os EUA é ainda mais risível. A maior e mais produtiva economia do planeta pode brincar de subsídios por um certo tempo. Afinal, os EUA imprimem o dólar, o que lhes dá algum fôlego. Aqui, como na China, os estímulos governamentais são concedidos em um ambiente propício para o crescimento econômico. E, no caso dos EUA, estão longe de serem os responsáveis pelo sucesso da economia norte-americana.
Mercadante olha apenas para os subsídios e “esquece” de todo o resto. Ele acha que basta dar capital barato para as empresas e a mágica acontecerá. Já tentamos isso (R$ 440 bilhões em 6 anos), resultando na maior recessão da história brasileira. Mas sabe como é, agora vamos fazer “do modo certo”, com o auxílio de luxo de uma economista italiana. Dessa vez, nossa debacle será de grife.
Existem pessoas essencialmente boas e existem pessoas essencialmente más. As pessoas essencialmente boas, quando dizem coisas más, é porque “cometeram um deslize”, “uma gafe”, ou falaram “de maneira impensada”. A fala saiu omo um peido irreprimível, sem querer. Já as pessoas essencialmente más, quando dizem coisas más, estão essencialmente expressando o que vai em seus corações. A fala é de caso pensado, só confirmando o que todos já sabem.
Se um tipo como Bolsonaro, ou qualquer bolasonarista notório, tivesse sugerido um boicote a negócio de pretos ou indígenas, isso renderia horas de debates na Globo News e um inquérito aberto ex-oficio no STF. No entanto, como Genoíno é uma pessoa essencialmente boa (segundo Cantanhede, sua pena no Mensalão foi a mais injusta de todas), sua fala foi “impensada”. Quem me dera ser protegido de meus próprios erros dessa maneira.
O editorial do Estadão foi menos condescendente. Descartou a hipótese de “fala impensada”, uma vez que Genoíno, até o momento, não se retratou. O editorial foi além, dando ao boi o nome correto: antissemitismo.
Não, Genoíno não falou de maneira “impensada”. Ele somente verbalizou o que Lula, os petistas e a esquerda em geral pensam (quem tem dúvida, é só dar uma passeada nos perfis à sinistra do Xwitter): sob a capa de antissionismo (que é basicamente negar aos judeus o seu direito à autodeterminação), pulsa um antissemitismo secular que, em um mundo dividido entre opressores e oprimidos, identifica os judeus com o lado opressor de uma maneira muito mais ampla do que as escaramuças em Gaza fazem supor. A menção às “empresas de judeus” por parte de Genoíno não foi extemporânea; por trás dessa frase emerge a imagem do judeu rico, poderoso, que move os cordões do mundo, e contra os quais se insurge o proletariado. Os judeus estão do lado errado da História, e por isso merecem ser boicotados.
Genoíno está pagando o preço de falar em público o que a esquerda fala em privado. Nesse sentido, vou concordar com a Cantanhede: sua fala foi “impensada”, pois inadvertidamente abriu a tampa do esgoto do pensamento da esquerda.
Mariana Mazzucato é a nova musa dos economistas desenvolvimentistas brasileiros. Depois de décadas do domínio inconteste de Maria da Conceição Tavares, e preenchendo o vácuo que a professora da Unicamp deixou, a professora italiana vem dar um novo brilho às velhas ideias de sempre.
Mazzucato embala a sua teoria com o papel de embrulho do conceito de “missão”. O Estado seria o indutor do desenvolvimento ao determinar “missões” em torno das quais os agentes econômicos trabalhariam harmoniosamente, alavancando o crescimento econômico. Neste artigo no Valor (e em outro que já tinha lido), Mazzucato cita como exemplo a “missão” de colocar um homem na Lua, dada por John Kennedy em 1963, e que levou ao desenvolvimento das muitas tecnologias necessárias para o bom termo do empreendimento. Assim, um “pequeno” investimento do Estado (via NASA) alavancou muitos setores econômicos, multiplicando em muitas vezes a sua potência.
A ideia, como todas as ideias às quais se agregam uma narrativa ex-post, é muito sedutora. O problema é achar que o investimento estatal em uma “missão” é condição suficiente para que a mágica aconteça. É o mesmo que ver alguém riscando um fósforo e colocando fogo em um tanque de combustível, e tentar fazer o mesmo com um tanque de água. O ambiente empresarial e acadêmico dos EUA é um tanque de combustível, pronto a responder a qualquer estímulo, enquanto o ambiente brasileiro é um tanque de água. Pode riscar quantos fósforos quiser, a água não vai pegar fogo.
Vou listar aqui alguns problemas que a indústria enfrenta, e que não há “missão” que dê jeito:
– carga tributária que incide principalmente sobre o setor. A reforma tributária vai melhorar isso, mas vai levar alguns anos de transição.
– complexidade tributária (a reforma vai ajudar aqui também)
– insegurança jurídica, apesar do que possa dizer o presidente do STF
– ambiente de corrupção em vários níveis, sem punição
– protecionismo, que dificulta a atualização tecnológica
– falta de mão-de-obra bem formada
Além disso, a professora sugere usar as compras governamentais para “induzir” o crescimento. A fórmula é batida: o governo privilegiaria a compra de produtos nacionais, beneficiando o empresário local em detrimento da eficiência dos seus gastos. Como isso contribuiria para o crescimento permanece um mistério.
Enfim, as ideias da professora Mazzucato soam como música aos ouvidos de nossos burocratas e políticos. Afinal, ela passa a impressão de que finalmente encontramos a fórmula que garantirá a eficiência dos investimentos públicos. Nos nossos vários ciclos de planejamento central e investimento estatal (JK, ditadura militar, Lula/Dilma), a coisa começou com festa e terminou em um desastre profundo de recessão e dívidas impagáveis. Agora não! Agora temos “missões”, que é o que faltou nos ciclos anteriores. Assim é se assim lhe parece.
Não foi à toa que a bolsa caiu hoje, na contramão do mundo. Só não é pior porque, como sabemos, este é o governo Circo de Pulgas, em que se anuncia o maior espetáculo da Terra para depois entregar algo minúsculo e que não vai fazer muita diferença, a não ser para os amigos de sempre.
Há 9 meses, o governador da Califórnia, Gavin Newson (democrata) decidiu reduzir em 75% os subsídios para a instalação de painéis solares nos telhados das casas da Califórnia. Resultado: a instalação de novos equipamentos recuou nada menos do que 85% nesse período.
A justificativa do governo da Califórnia é clara e cristalina: os subsídios representam uma distribuição de renda às avessas, em que o imposto dos pobres financia a energia barata dos mais ricos, aqueles que têm condições de instalar painéis solares em seus telhados.
Isso aqui pode ser facilmente extrapolado para todos os incentivos à energia limpa. Por exemplo, toda vez que um real do governo é gasto subsidiando carros elétricos para os mais ricos, é um real a menos para políticas públicas que beneficiam os mais pobres.
Pode-se argumentar que os pobres se beneficiam indiretamente desses subsídios, na medida em que se evitam catástrofes climáticas no futuro, e que prejudicariam principalmente os mais pobres. Pode ser. O problema está em tirar dinheiro de políticas para mitigar a miséria atual para despejar em políticas para mitigar um teórico sofrimento futuro. Não sei qual seria a opinião dos mais pobres que não têm painéis solares ou carros elétricos sobre esse trade off.
Sempre que você tiver vontade de dizer isso, lembre-se que o “alguém” pode ser alguém com quem você não concorda, e o “alguma coisa” pode ser alguma coisa de que você não gosta.
E agora? Pra que lado vai pender os desejos de “neoindustrialização” do governo petista? Para as siderúrgicas ou para os seus clientes? Ambos são indústrias. Prevejo muito trabalho para os técnicos governamentais calcularem o “maior valor agregado” de cada setor, de modo a otimizar o parque industrial brasileiro. Ou, para os mais céticos, está na hora de ver quem tem o lobby mais forte.
O fato é que essa briga demonstra que não somos competitivos em aço. E se impusermos tarifas, deixaremos de ser competitivos nas indústrias que compram aço. A solução seria impor tarifas para a importação de todos esses produtos também, resultando em uma economia ainda mais fechada.
Se reservas de mercado resolvessem alguma coisa, seríamos uma potência da informática. Durante a década de 80, a indústria gozou não de tarifas, mas de proibição pura e simples de importação de equipamentos de informática. O que entrava aqui era contrabando. Resultado: os fornecedores gozaram de um mercado cativo durante anos e os consumidores ficaram reféns dos fornecedores, resultando em atraso tecnológico em toda a indústria. Hoje, a indústria nacional de tecnologia se reduz ao zumbi Ceitec.
Em capitulo no livro “Para Não Esquecer: Políticas Públicas Que Empobrecem o Brasil”, o economista Edmar Bacha explora a vasta literatura sobre o fechamento do comércio exterior como fator de estagnação econômica, e defende a abertura comercial como um passo para aumentar a produtividade brasileira, da qual precisamos desesperadamente. Mas Alckmin vai se reunir com os lobbies e decidir com base em “estudos” qual o melhor curso para a “neoindustrialização”. É o mesmo de sempre.