Os dilemas da neoindustrialização

E agora? Pra que lado vai pender os desejos de “neoindustrialização” do governo petista? Para as siderúrgicas ou para os seus clientes? Ambos são indústrias. Prevejo muito trabalho para os técnicos governamentais calcularem o “maior valor agregado” de cada setor, de modo a otimizar o parque industrial brasileiro. Ou, para os mais céticos, está na hora de ver quem tem o lobby mais forte.

O fato é que essa briga demonstra que não somos competitivos em aço. E se impusermos tarifas, deixaremos de ser competitivos nas indústrias que compram aço. A solução seria impor tarifas para a importação de todos esses produtos também, resultando em uma economia ainda mais fechada.

Se reservas de mercado resolvessem alguma coisa, seríamos uma potência da informática. Durante a década de 80, a indústria gozou não de tarifas, mas de proibição pura e simples de importação de equipamentos de informática. O que entrava aqui era contrabando. Resultado: os fornecedores gozaram de um mercado cativo durante anos e os consumidores ficaram reféns dos fornecedores, resultando em atraso tecnológico em toda a indústria. Hoje, a indústria nacional de tecnologia se reduz ao zumbi Ceitec.

Em capitulo no livro “Para Não Esquecer: Políticas Públicas Que Empobrecem o Brasil”, o economista Edmar Bacha explora a vasta literatura sobre o fechamento do comércio exterior como fator de estagnação econômica, e defende a abertura comercial como um passo para aumentar a produtividade brasileira, da qual precisamos desesperadamente. Mas Alckmin vai se reunir com os lobbies e decidir com base em “estudos” qual o melhor curso para a “neoindustrialização”. É o mesmo de sempre.

Não há mágica

Desculpem-me já de antemão os corações mais sensíveis, mas neste post vou exercitar mau lado capitalista selvagem. O tema é o recorrente, segundo o Ministério Público, descumprimento de liminares judiciais por parte da Hapvida, a maior operadora de planos de saúde do Brasil.

Em primeiro lugar, a ação do MP é baseada em “sentimento”, não em números concretos. Segundo a desembargadora que coordena o núcleo de mediação do TJ-SP, “não temos números específicos, mas percebemos quando uma situação rara e excepcional vai se tornando reiterada”. Além disso, a reportagem cita um crescimento de 422% no número de queixas contra a operadora nos últimos 4 anos, contra um crescimento de 193% da setor. Só faltou ajustar pelo crescimento da própria operadora, que, como sabemos, se tornou a maior do Brasil nos últimos 4 anos após várias aquisições.

Mas foi o caso concreto escolhido pelo repórter que mais me chamou a atenção. Segundo a matéria, o Estadão “analisou centenas de processos”, e selecionou um para ilustrar a reportagem. Trata-se de uma senhora de 60 anos (chamada de “idosa” no título), que faleceu depois de ter uma cirurgia negada pela operadora. A história é triste, e fica ainda mais tocante depois que vemos a foto da filha segurando o retrato da mãe, em uma pose de luto.

O que diz a operadora? Que o pedido de cirurgia ocorreu 3 dias após a adesão ao plano. 3 dias. Bem, digamos que o plano não tenha sido contratado com o intuito de forçar a cirurgia, que houve uma infeliz coincidência. Esse não é um problema do plano de saúde. Carências são o básico na contratação de planos de saúde, o único ponto negativo destacado pelos corretores quando vendem o produto. É só óbvio que a operadora iria negar a cirurgia, tendo como base o contrato.

Mas aí entra a indústria de liminares contra planos de saúde. Tente dar um Google, e você encontrará páginas e páginas de artigos de advogados explicando como é fácil e rápido obter liminares contra os planos. E isso porque a OAB proíbe publicidade por parte de advogados. Caso contrário, teríamos páginas e páginas de links patrocinados. Some-se a isso um judiciário muito humano, que quase sempre se coloca ao lado da “parte mais fraca”, independentemente do que diz o contrato. Afinal, saúde não é mercadoria, não é mesmo?

Planos de saúde são o segundo setor mais demonizado da economia, perdendo apenas para os bancos. A questão é que são empresas que precisam ter retorno para continuarem operando. A julgar pelo comportamento das ações das empresas do setor nos últimos 3 anos, isso não vem acontecendo. No limite, vamos todos para o SUS, sistema que não depende de rentabilidade para funcionar. Mas aí, não tem liminar que resolva o problema…

Não me entendam mal. Não sou pago para defender planos de saúde e nem tenho ações de empresas do setor. Nos casos em que o contrato não for cumprido, a empresa merece ser processada. Mas isso não inclui exigir cirurgia 3 dias após a adesão. “E se fosse com a sua mãe?” Bem, se fosse minha mãe, eu não esperaria o estado de saúde dela piorar para contratar um plano de saúde.

Pagando a conta dos outros

A conta de luz no Brasil é das mais caras do mundo. O vilão principal, claro, são os impostos, principalmente o ICMS. Mas, em um cada vez mais próximo segundo lugar, temos os subsídios bancados pelos consumidores comuns para certos grupos de consumidores privilegiados.

O problema é que a conta cada vez mais cara torna o pagamento da conta de luz cada vez mais problemático. Com a abertura do chamado “mercado livre”, um grupo cada vez maior de consumidores poderá pular fora dessas tarifas mais caras e fechar contratos mais vantajosos com as distribuidoras, deixando de bancar os subsídios que recaem sobre os investidores do chamado “mercado cativo”, eu e você, que não podemos escolher a distribuidora. Também há a “solução” do “mercado livre do B”, livre, no caso, de pagar qualquer conta, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro, em que mais da metade da energia faz parte de um mercado paralelo de gatos, em que a energia sai “de graça”.

No gráfico abaixo, podemos observar que, das quatro principais fontes de subsídios, três estão relacionadas à pauta ambiental: sistemas isolados, fontes incentivadas e geração distribuída.

“Sistemas isolados” refere-se ao combustível gasto para gerar eletricidade em Roraima, único estado não conectado ao sistema nacional. Isso acontece porque não conseguimos vencer o lobby dos indígenas que vivem na região, de modo que o linhão que ligaria Manaus a Boa Vista ainda não saiu do papel.

“Fontes Incentivadas” refere-se a subsídios diversos para a aquisição de equipamentos para a geração de energias renováveis.

Por fim, “Geração Distribuída” refere-se aos subsídios para a compra de equipamentos de geração de energia solar nos telhados da classe média brasileira, e que vem crescendo de maneira exponencial nos últimos anos. Esse é, além disso, mais um mecanismo de distribuição de renda às avessas, em que o pobre da favela subsidia a classe média que coloca painéis solares em seus prédios e casas de campo e praia. O favelado, claro, se defende fazendo gatos.

O problema de todos esses subsídios, considerando a migração de uma parcela de consumidores para o mercado livre, é que a conta recairá sobre cada vez menos gente, comprometendo a capacidade de pagamento e aumentando a inadimplência, o que, no limite, inviabilizará a operação das distribuidoras de energia.

Se você acha que paga caro por um serviço ruim, acredite, você vai sentir saudades.

De volta à cena do crime

Lula voltará à cena do crime. Amanhã, o presidente visitará a refinaria Abreu e Lima, um dos casos mais escabrosos de desperdício de dinheiro na história corporativa brasileira. Este é um ponto fundamental: Lula e o PT irão martelar que Abreu e Lima “não deu certo” por causa da Lava-Jato. A operação liderada por Sérgio Moro teria inviabilizado o que seria um empreendimento de sucesso da Petrobras em parceria com a PDVSA. A manchete da matéria de hoje reforça a lenda.

A verdade é que a corrupção foi o menor dos problemas envolvendo a refinaria de Pernambuco, uma mera cereja do bolo. O dinheiro queimado em uma obra inviável economicamente desde a sua concepção é várias ordens de grandeza maior do que as propinas pagas. Ainda que se possa argumentar que, não fosse a possibilidade de arrecadar propinas, o projeto perderia muito de seu atrativo para o consórcio Lula/Chávez.

Na minha série A Economia na Era PT, há um episódio inteiramente dedicado à Petrobras. A seguir, transcrevo o trecho referente a Abreu e Lima:

“A refinaria Abreu e Lima nasceu do compromisso do governo Lula de estabelecer uma parceria estratégica com o governo da Venezuela, então liderado pelo comandante Chávez. No dia 16/12/2005, a pedra fundamental da nova refinaria foi lançada com a presença dos dois presidentes. O discurso de Chávez fez menção ao seu apoio à reeleição de Lula nas eleições do ano seguinte.

O TCU resume o processo decisório que levou à construção da refinaria Abreu e Lima em um relatório devastador. Segundo o relatório de auditoria do TCU, a decisão de construção da refinaria passou pelas 5 etapas do processo decisório da diretoria da Petrobras sem que houvesse condições para tal. Entre os problemas encontrados, podemos listar os seguintes:

– Parceria com a PDVSA sem definição de responsabilidades: a RNEST (nome oficial da refinaria) precisaria refinar petróleo brasileiro e venezuelano, este de baixa qualidade, o que importou em investimentos adicionais em relação ao custo estimado inicial;

– Já na terceira fase do processo decisório, chegou-se à conclusão de que o projeto teria um VPL (Valor Presente Líquido) negativo de US$ 3 bilhões. Para fazer com que este VPL se tornasse positivo, a diretoria da Petrobras considerou, segundo levantamento do TCU, “elevação do fator de utilização da refinaria para níveis irreais”, “redução da taxa mínima de atratividade” que a Petrobras normalmente utilizava, “ampliação da vida útil do empreendimento de 25 anos para perpétua”, “incentivos fiscais que ainda dependeriam de aprovação legislativa” e “impacto de uma hipotética perda de mercado caso um terceiro construísse uma refinaria semelhante na mesma localização”. Fazendo essas adaptações, o VPL tornou-se positivo em apenas US$ 0,08 bilhões.

– Em 2015, o VPL atingiu a astronômica cifra de US$ 20 bilhões negativos. Foi então que a empresa decidiu interromper a construção com 82% da obra já executada.

O relatório se encerra com o seguinte parágrafo: “O conjunto probatório reunido nos autos levou à conclusão de que, ao longo de sua concepção e implantação, o projeto de construção da Refinaria Abreu e Lima não tinha maturidade técnica adequada e era um investimento inviável economicamente.” Mas, acrescento eu, se encaixava na estratégia de usar a Petrobras como alavanca de desenvolvimento econômico e parceria com governos aliados, além de fonte de propinas.

Lula voltará à cena do crime. Mas, ao contrário do que aconteceria em países mais civilizados, Lula se orgulhará de sua obra e colocará a culpa em Sérgio Moro pelo seu fracasso. Poucas coisas resumem tão bem Lula e o PT do que a refinaria Abreu e Lima.

PL das Fake News já!

Para quem ainda tem dúvidas sobre a necessidade da PL das Fake News, esse episódio do filho do ministro do STJ é o argumento definitivo: precisamos regular as redes sociais.

Em primeiro lugar, o vídeo claramente atenta contra os pilares do Estado Democrático de Direito, ao mostrar o filho do ministro exibindo roupas de marca em uma rua de Amsterdã. Segunda a juíza que mandou retirar o conteúdo das redes, o vídeo tem “o objetivo de ridicularizar o autor e, por meio disto, atingir terceiro, injustificadamente”. O “autor” é o filho do ministro, enquanto o “terceiro” é o próprio ministro. Ainda bem que ainda há juízes no Rio de Janeiro para proteger o autor de si mesmo.

Mas o problema não acaba aqui. O vídeo teve quase 3 milhões de visualizações, e só foi retirado após a intervenção da justiça. Está aí o motivo pelo qual a aprovação do PL das Fake News é tão necessária: um ataque desse naipe à nossa Democracia circulou por aí descontroladamente, colocando em risco as nossas Instituições. Estivesse o PL ativo, as próprias redes tirariam o conteúdo do ar muito antes, pois os seus censores, quer dizer, analistas de conteúdo, perceberiam o potencial desestabilizador do vídeo, evitando que fosse utilizado pelo submundo fasci-nazi-bolsonarista para colocar em dúvida a higidez de nosso sistema judiciário, que, como bem lembrou o nosso decano, deu uma reposta à ameaça anti-democrática de forma muito melhor que a justiça americana.

PL das Fake News já!!!

O mistério da fama de Marielle

Você já ouvi falar de Kleber Ferreira da Costa, Aguinaldo Carvalho de Aguiar e Aldecyr Maldonado? Não?

Kleber Ferreira da Costa (PL) era vereador do município de Paulo de Faria (SP). Foi assassinado em julho de 2023.

Aguinaldo Carvalho de Aguiar, conhecido como Aguinaldo Promissória (União) era vereador do município de Santarém (PA). Foi assassinado em setembro de 2023.

Aldecy Maldonado (PL) era vereador do município de São Gonçalo (RJ). Foi assassinado em novembro de 2023.

E de Rosa Fernandes (PMDB), já ouviu falar? Rosa foi eleita vereadora no município do Rio de Janeiro em 2016 com 57.868 votos. No mesmo pleito, Marielle Franco (PSOL) recebeu 46.502 votos. Com um detalhe: Rosa obteve seus votos na região do Irajá, enquanto o grosso dos votos de Marielle veio das lindas praias da Zona Sul da cidade.

Rosa Fernandes foi assassinada? Não. E, por isso, continua sendo uma ilustre desconhecida. Mas para ser um ilustre conhecido basta ser assassinado? Também não, como provam os três exemplos acima. Então, por que cargas d’água a figura de Marielle Franco não sai dos noticiários há 5 anos?

E não só. Sua irmã, Anielle Franco, foi guindada ao posto de ministra de Estado, com base em um curriculum em que a linha mais reluzente é ser irmã de Marielle. (E nem vou falar aqui da sinecura no Conselho da Tupy, que seria uma indelicadeza).

O editorial do Estadão desconfia que todo esse foco no caso tem fins mais políticos do que propriamente policiais. Eu conto ou vocês contam?

Uma boa notícia para os investidores em fundos previdenciários

Estamos tão focados em política que as (raras) boas notícias desse governo passam debaixo do radar. Essa é uma delas.

O governo Lula promulgou uma lei no último dia 10, modificando a forma como os investidores em fundos previdenciários optam pelo regime de tributação. Antes que eu perca os poucos leitores que me acompanharam até aqui, deixe-me traduzir o que isso significa. Tenho certeza que vai interessar a todos.

Quando você investe em um PGBL ou VGBL (tipos de fundos para poupar para a aposentadoria), é necessário escolher como o leão do imposto de renda vai te morder quando você resgatar os seus recursos. Há duas formas, o regime regressivo e o regime progressivo.

No regressivo, você vai pagar alíquotas de 35% (para resgates antes de 2 anos de prazo) até 10% (para resgates acima de 10 anos de prazo), em uma escadinha que vai variando de 5 em 5% a cada dois anos.

Já no progressivo, o imposto é cobrado de acordo com a escadinha da tabela do imposto de renda. Ou seja, o resgate é considerado uma renda, e você pode ser isento, ou pagar 7,5%, 15%, 22,5% ou 27,5%. E mais, esse resgate do investimento soma com outras rendas que você venha a ter para efeito da alíquota a ser considerada.

Como escolher entre uma metodologia ou outra? Pela menor alíquota, claro. E a menor alíquota de imposto de renda vai depender do prazo do investimento, do tamanho da sua renda e quais são os descontos que você pode lançar na sua declaração (plano de saúde, por exemplo).

Pois bem. Até a promulgação dessa lei, essa opção precisava ser feita no momento do investimento. Ou seja, 10, 20 ou 30 anos antes do resgate! Como saber, com tanta antecedência, qual será o regime mais vantajoso? Impossível. A nova lei permite que essa opção seja feita no momento do resgate, quando, aí sim, saberemos com certeza qual o melhor regime de tributação para nós.

Não me pergunte porque o governo decidiu abrir mão de receita. Sim, porque essa nova lei permitirá que os investidores em fundos de previdência minimizem o pagamento de imposto de renda no futuro. Mas não vamos reclamar, não é mesmo?

A dificuldade de lidar com números

Eu entendo que o pessoal de “humanas” tenha alguma dificuldade com números e raciocínio lógico, mas às vezes dá a impressão de que vale tudo para colocar uma pauta, mesmo que a coisa não esteja amparada pelos fatos objetivos. É o que intuo que tenha acontecido nessa reportagem sobre a bilheteria dos cinemas no Brasil em 2023, que ainda não atingiu o nível pré-pandemia. A tese central é de que a retomada passa pela “maior presença de filmes nacionais no circuito de cinema brasileiro”(!).

Vamos lá. A venda de ingressos foi 34% menor em 2023 em relação a 2019, pré-pandemia. Ao mesmo tempo, houve uma perda de participação do cinema nacional em relação ao pré-pandemia, de 13,3% do total de ingressos para meros 3,2%. Daí que, imagina-se, se a participação do cinema nacional voltar ao patamar anterior, deverá haver um aumento do número de ingressos vendidos. Inclusive, há um depoimento afirmando que “os países que têm uma cinematografia forte, tendem a ter mais gente na sala de cinema”. E é aqui que a coisa entorta.

Para demonstrar a tese, o jornalista afirma que a bilheteria em 2023 nos EUA foi de US$ 9 bilhões, maior número desde a pandemia, enquanto na França, houve um crescimento de 18,9% na bilheteria entre 2022 e 2023. Estes números seriam ótimos se provassem o ponto. O problema é que provam o inverso.

Vamos começar pelo mais fácil. A bilheteria na França cresceu 18,9% no ano passado. Mas no Brasil, esse crescimento foi de 19,4%, número que está na própria reportagem! Ou seja, a França, que tem uma “cinematografia forte”, apresentou crescimento mais ou menos igual ao Brasil.

Agora, os EUA. Aqui precisamos fazer um pouco de pesquisa. Em 2019, o faturamento das salas norte-americanas foi de US$ 11,4 bilhões. Ajustando pela inflação dos últimos 4 anos, temos algo como US$ 13,6 bilhões. Comparando com os US$ 9 bilhões de 2023, temos uma queda de 34%, exatamente igual à queda da bilheteria brasileira. Ou seja, mesmo tendo “cinematografia forte”, os norte-americanos foram menos ao cinema na mesma proporção que os brasileiros.

Tudo isso prova que a queda da bilheteria não tem correlação com uma “cinematografia forte”, e nem com a queda da participação dos filmes nacionais, no caso da bilheteria brasileira. Ou seja, os brasileiros estão indo ao cinema tanto quanto os franceses e os estadunidenses, mas estão preferindo outras “cinematografias”. Os motivos levantados vão desde o boicote do governo Bolsonaro à Ancine até a morte de Paulo Gustavo. De qualquer forma, a “retomada” do cinema nacional provavelmente não levará mais pessoas ao cinema, haverá apenas uma troca de mix. As pessoas decidem ir ao cinema e depois escolhem o filme. Pelo menos, é isso o que os números mostram.

Quem escolhe o que você vai ler, ouvir e assistir?

Em sua coluna de ontem, Pedro Doria pondera que o problema não é o que é dito, mas como o que é dito chega até nós. O colunista nos lembra que, no passado, para nos informarmos sobre o que ia no mundo, precisávamos ler jornais, ouvir rádio e assistir a TV, tudo isso à nossa livre escolha. Ou seja, escolhíamos a que tipo de informação teríamos acesso. Hoje não. Hoje, são os algoritmos que decidem o que vamos ler, ouvir e assistir. Assim, e essa é a conclusão de Doria, “as ideias radicais já existiam e não havia necessidade de censura, porque as ignorávamos coletivamente, e hoje os algoritmos as impulsionam”. Não está dito, mas fica subentendida a necessidade de censura do conteúdo das redes.

Os malabarismos de Pedro Doria para defender a censura nas redes estão equivocadas em dois aspectos.

Em primeiro lugar, as pessoas nunca foram livres para ler o que bem entendessem. Sempre houve um algoritmo, no caso, humano, que define o que vai aparecer nos jornais e programas de rádio e televisão. Não somente a notícia que vai aparecer, mas o tom dado. Durante crises políticas, faço questão de assistir ao Jornal Nacional, pois quero entender como a Globo está se posicionando, dado o seu grande poder de influência (hoje menor por conta das redes, mas ainda assim grande). Inclusive, o apelo à emoção, um dos elementos dos algoritmos das redes, sempre esteve presente na confecção das manchetes. O clique de hoje era a compra do jornal na banca de ontem. As redes somente automatizaram o processo. E cabe destacar que o algoritmo humano era tão opaco quanto o automatizado, a não ser quando sob censura estatal, ocasião em que o algoritmo fica claro para todo mundo.

Ainda sobre este primeiro aspecto, pode-se argumentar que a imprensa tradicional responde pelo que publica, o que não acontece com as redes. E nem poderia. Afinal, o jornal publica conteúdo próprio, ao passo que as redes publicam conteúdos de terceiros. São os terceiros que devem assumir a responsabilidade, não as redes. Apesar disso, as redes já hoje mobilizam exércitos de funcionários para monitorar e retirar conteúdos criminosos das redes. Mas sabemos que não é disso que se trata, mas sim, da repressão a conteúdos políticos, como se a imprensa tradicional não assumisse posicionamentos políticos em cada linha e frase que os editores decidem publicar.

O segundo aspecto a se considerar é a afirmação de que, antes dos algoritmos automatizados, ideias extremistas ficavam isoladas, não causando mal às sociedades. Joseph Goebbles daria gostosas gargalhadas diante de uma afirmação dessas. O chefe da propaganda do Reich não precisou de um Tik Tok para manipular a sociedade alemã. Aliás, cabe se perguntar se a sociedade alemã não se deixou manipular voluntariamente. As coisas são muito mais complexas do que a ideia simplista de manipulador-manipulados. O fato é que os radicalismos políticos antecederam as redes em muitos milênios.

Toda essa elaboração elegante de Pedro Doria serve apenas para justificar a censura, o que não deixa de ser triste, em se tratando de um jornalista.


Corroborando o que escrevi acima, quando pressionei a tecla “publicar” no Facebook, recebi uma mensagem alertando para o fato de que o meu post poderia ferir as “regras da comunidade”, e que a minha conta poderia sofrer restrições. Imagino (só imagino) que tenha sido pelo fato de ter usado a palavra “n a $ i s t a”. Troquei a palavra por Reich, vamos ver. Aliás, essa é a primeira vez que isso acontece comigo, uma experiência nova.

É sobre isso: as redes já filtram certos conteúdos, com base em critérios opacos. Exatamente como fazem os editores na imprensa tradicional.

Bloco dos sujinhos

Nenhuma novidade aqui. O Brasil se une a notórios defensores dos direitos humanos, como Venezuela, Nicarágua e a Liga Árabe, no apoio a essa acusação. A diplomacia petista não pode ver um “bloco dos sujinhos” que vai logo se juntando. É do caráter.