Mais um curral

A privatização da Eletrobrás é dessas coisas em que só acredito vendo. FHC, na época das grandes privatizações, até que tentou, mas não conseguiu. Fez privatizações localizadas, de concessionárias estaduais. Mas na vaca sagrada do setor elétrico, não tocou.

O que me chama a atenção nesse episódio é o contraponto que o governo federal está fazendo em relação a Minas Gerais. Enquanto políticos mineiros dos mais diversos partidos lutam sofregamente para manter mais essa ilha de ineficiência chamada Cemig, o governo federal vende a Eletrobrás, para aumentar a eficiência e baratear a energia para o consumidor.

Por que tamanha sofreguidão em manter a Cemig nas mãos do estado? Difícil de entender, sem lançar mão da hipótese de manter nas mãos desses mesmos políticos um instrumento de, digamos, acomodação de interesses. “Interesses estratégicos” ou “patrimônio do povo mineiro” seriam motivos cômicos se não fossem trágicos. Minas, como todos os outros Estados do Brasil, está quebrada. Mas esses políticos irresponsáveis não veem problema em tomar uma dívida de R$11bi para pagar pelas concessões que, de outro modo, seriam leiloadas. E R$11 bi do BNDES, que estaria, assim, perpetuando a ineficiência.

Aécio Neves, o político mineiro que está liderando esta patacoada, posou de moderno na campanha de 2014. Está se mostrando, na verdade, mais um coronel que quer manter o seu curral intacto.

A conta sempre chega

O Valor de sexta, caderno do fim de semana, traz reportagem sobre a penúria da UERJ.

A Veja deste fim de semana traz reportagem sobre a matança de policiais militares no RJ. Morreram quatro vezes mais PMs no RJ do que em SP neste ano.

O Rio é o exemplo do que estaria acontecendo no Brasil se o governo não tivesse capacidade de se endividar ou, no limite, não tivesse o monopólio da impressão do seu próprio dinheiro. O Brasil, assim como o Rio e grande parte dos entes federativos, está quebrado. A coisa só funciona porque, por algum motivo, os credores continuam a dar um voto de confiança na capacidade do país de pagar a sua dívida.

Se o Rio pudesse emitir sua própria dívida, ou imprimir o seu próprio dinheiro, os salários dos professores da UERJ estariam em dia, e os PMs talvez não estivessem morrendo feito moscas. Parece uma solução, mas é só um problema adiado. Um dia, o dinheiro perde o seu valor com a inflação, e os credores perdem a paciência, e exigem o seu dinheiro de volta.

O Brasil está apenas adiando o problema, luxo a que o Rio não se pode permitir. Mas um dia a conta chega. Sempre chega.

País sério

São 45 presidentes dos Estados Unidos, desde o primeiro, George Washington, em 1789. 45 presidentes, em uma história ininterrupta de mais de dois séculos.

O moderno parlamentarismo inglês data do século 17. Mais de três séculos ininterruptos.

Dois sistemas, presidencialismo e parlamentarismo. Dois sistemas que funcionam há séculos em países sérios. E gastamos tempo discutindo sistema de governo, ao invés de discutirmos como vamos nos tornar um país sério.

Pegadinha do malandro

Temer vai mandar MP ressuscitando o imposto sindical.

Gilmar Mendes vai virar o seu voto, e penas de prisão somente poderão ser executadas após o julgamento em última instância.

O Brasil é uma eterna pegadinha do malandro.

Taxonomia da esquerda brasileira

Pequeno guia para classificar um esquerdista quando o assunto é Venezuela.

Grupo 1: esquerda democrática. Exemplos: Roberto Freire, Eduardo Jorge, FHC. Repudiam veementemente, sem colocar um “mas” depois do repúdio.

Grupo 2: esquerda autoritária envergonhada. Exemplos: Marcelo Freixo, Jean Willys. Repudiam, colocando um “mas” depois do repúdio. “Mas a direita também é golpista”, “mas o Temer”, “mas as oligarquias”, mas, mas, mas. Querem o socialismo do século XXI, mas os métodos ferem a sua sensibilidade.

Grupo 3: esquerda autoritária desavergonhada. Exemplos: a maioria, seria exaustivo listar. Apoiam sem restrições. Afinal, o socialismo é do século XXI, mas ainda não inventaram nada melhor que os métodos do século XX para implementá-lo.

Grupo 4: esquerda pra inglês ver. Exemplo: Lula. Não abriu a boca, que não é besta.

Um país dividido

Muito se tem falado sobre o silêncio das ruas. Por que os mesmos que bateram panelas e invadiram as ruas para a Dilma e o PT estão recolhidos ao calor de seus lares quando se trata de protestar contra a corrupção do atual governo?Todo mundo está dando palpite, então vou dar o meu também.

Na verdade, acho que a pergunta está errada. O que se deve perguntar é porque raios a classe média saiu às ruas e bateu panelas em 2015/16.

Desde que me conheço por gente, as únicas manifestações de rua da classe média haviam sido as diretas-já em 1984, a campanha pelo impeachment do Collor em 1992 e as passeatas de 2013, exigindo “padrão-FIFA” do Estado brasileiro. Mas nada se compara ao que aconteceu em 2015/16, em duração e tamanho.

Então, a regra é que a classe média fica em casa. Portanto, os últimos meses foram a regra, não a exceção. E por que a exceção de 2015/16?

Em primeiro lugar, o protesto contra a corrupção está longe de explicar o que aconteceu. Não faltaram corruptos notórios na história do Brasil, e que não mereceram passeatas multitudinárias. Minha hipótese é a seguinte: as manifestações ocorreram porque a corrupção foi encabeçada pelo PT.

FHC, em artigo de hoje no Estadão, relembra que Brizola dizia que Lula era a “UDN de macacão”. UDN era a sigla da União Democrática Nacional, partido que se destacava por ter um programa liberal, e apontar a corrupção do sistema político, principalmente sob Getúlio Vargas. A esquerda, sempre que quer desmoralizar um adversário que aponta seus defeitos, chama a crítica de “moralismo udenista”.

Pois bem. O PT cresceu criticando as estruturas carcomidas do estado brasileiro pela corrupção. Por isso, a observação de Brizola. E mais: quem não era PT e não apoiava a pauta “progressista”, era intrinsecamente corrupto, segundo o PT. Se você não é esquerda, você é ganancioso. Se você não vota no PT, você faz parte da elite insensível. Se você não é “progressista”, você não gosta de pobre.

O PT sempre se colocou como “O BEM”. Até hoje. Mesmo depois de tudo, o PT não sai do seu pedestal, apontando o dedo para todos que não rezam pela sua cartilha.

Minha hipótese, então, é a seguinte: a classe média saiu às ruas para derrubar um governo que se colocou acima do bem e do mal. Temer (assim como Maluf, Quércia, Ademar de Barros, e tantos e tantos outros) pode ser corrupto até o fundo da alma, mas não se coloca como a encarnação do BEM, contra o qual só pode haver o MAL.

Para sair às ruas, é preciso ter raiva. “Angry men” saem as ruas. Minha hipótese é que ninguém fica realmente bravo com a corrupção. Fica chocado, fica sem esperança, fica desconsolado. Mas bravo mesmo, fica quando alguém te acusa de ser do mal só porque não concorda com as políticas populistas de um governo. Um governo corrupto não divide um país. O PT dividiu o país. Então, o outro lado saiu às ruas. Esta é a minha hipótese.

Preços iguais, consequências não intencionais

Qual será o efeito?

Se a demanda for inelástica ao preço, nada. Ou seja, o mesmo número de homens e mulheres continuarão indo à balada. Mas essa hipótese não é muito provável, porque senão, os preços poderiam ser aumentados indefinidamente.

Se a demanda for elástica ao preço, há três alternativas: 1) o preço do ingresso masculino cai para igualar o feminino. 2) o preço do ingresso feminino sobe para igualar ao masculino ou 3) um mix das duas anteriores.

A alternativa 3 seria a mais óbvia se considerarmos demanda inelástica, pois manteria o mesmo faturamento da balada. Mas, ao aumentar o preço das mulheres, menos mulheres comparecerão, e ao abaixar o preço dos homens, mais homens comparecerão. Assim, o mix homens/mulheres obtido com a combinação anterior se alterará e, provavelmente, diminuirá o interesse pela balada, diminuindo o número de pessoas interessadas.

Para tentar manter o faturamento, a balada precisará, portanto, aumentar o preço de ambos os ingressos, até que se atinja um ponto de equilíbrio, se é que existe. Então, esta lei pode ter duas consequências não desejadas: 1) aumento generalizado do preço das baladas ou 2) fechamento de baladas, por não conseguir atingir um ponto de equilíbrio com o novo arranjo.

A conferir.

Conceitos de democracia

PT e PSOL soltaram notas em apoio a Maduro. Nos dois casos, a palavra “democracia” é usada, afirmando-se, de um modo ou de outro, que o regime de Maduro é democrático.

Parece uma insanidade, mas não é. Trata-se apenas de um outro conceito de democracia.

Estamos acostumados, desde as Revoluções Francesa e Americana (e mesmo antes, com o sistema inglês), a considerar como democracia um regime de representação parlamentar: as ideias são discutidas e votadas em um parlamento eleito pelo povo. Estas ideias são executadas por um corpo burocrático estável, e supervisionadas por uma justiça independente. Além disso, há imprensa livre para criticar e apontar os defeitos do governo. Isto é o que conhecemos por “democracia”. Por isso, a primeira coisa que qualquer regime autoritário faz é cassar o parlamento, aparelhar a justiça e fechar os jornais.

Para os partidos da chamada “esquerda revolucionária”, democracia não é isso. Estes são valores burgueses, o parlamento é controlado pelo capital, o povo não tem vez. A verdadeira democracia (o “poder do povo”) só tem lugar quando o povo toma o poder. E o que significa “o povo tomar o poder”? Simples: o povo toma o poder quando um partido de esquerda revolucionária chega ao poder!

Uma vez chegando ao poder, o partido de esquerda revolucionária começa a desmantelar as “instituições burguesas”. Instituições como Congresso, Justiça, Imprensa, ou são aparelhados, ou são simplesmente substituídos. Outras instâncias de decisão são estabelecidas à margem das eleições: conselhos comunitários, congressos disso e daquilo, movimentos sociais. Todas expressões da “vontade do povo”, mas que, na prática, são dominadas pela estrutura do partido de esquerda revolucionária.

O povo, assim representado, finalmente chega ao poder. Sem intermediários. Porque o Partido é o Povo, e o Povo é o Partido. Qualquer oposição ao Partido é considerada oposição ao Povo. Portanto, um atentado à democracia.

Por isso, não acuse o PT de ser incoerente ao se dizer democrático e, ao mesmo tempo, defender o regime de Maduro. Eles têm outro conceito do que seja democracia.

O retrato da tragédia brasileira

Hoje fui à casa de meus pais. Como fazem todo sábado à tarde, estavam assistindo ao programa do Luciano Huck.

Um dos quadros é o tradicional “perguntas e respostas” valendo dinheiro. A convidada não conseguiu responder qual era a capital do Paraná, e quem escreveu a carta sobre o descobrimento do Brasil. Detalhe: nesta última havia somente duas alternativas: Pero Vaz de Caminha e Cristóvão Colombo.

Minha mãe, obviamente, respondeu às duas questões. Bem, nem tão obviamente. Minha mãe chegou aqui vinda da Polônia com 11 anos de idade (claro, sem dominar uma palavra de português), e completou apenas o que hoje é o Ensino Fundamental. A convidada do Luciano Huck, por outro lado, foi criada em uma favela do complexo do Alemão, e é estudante de jornalismo.

Ao comentar como podia uma estudante de jornalismo não responder duas questões tão básicas, enquanto minha mãe, quase sem educação formal, tê-las respondido de pronto, minha mãe matou a charada: “Claro, eu leio!”

Sim, minha mãe lê. Lê muito. Está sempre lendo alguma coisa. Eu aprendi a ler com minha mãe. É a única pessoa que conheço que conseguia ler na sala com a TV passando a novela. Prestava atenção nas duas coisas. Acho que logo notou que poucos neurônios eram necessários para entender a novela, então aproveitava os neurônios ociosos para ler um livro.

Voltando à estudante de jornalismo que não sabe qual é a capital do Paraná. O problema da Brasil vem muito antes da qualidade do ensino. O problema é que as pessoas não leem. E este não é um problema da escola. É um problema de formação familiar, de mesma natureza, por exemplo, de saber que não se pode jogar lixo na rua.

Sintomaticamente, a única pergunta que a estudante de jornalismo conseguiu responder sem a ajuda de algum “universitário” tinha a ver com os quesitos de julgamento das escolas de samba. Alguns dirão: “mas Carnaval é cultura popular!”. Sim, cultura que não exige leitura, apenas o acompanhamento da cobertura do Carnaval pela Globo.

A estudante de jornalismo que nasceu na favela é uma história de superação. É muito, mas é pouco, muito aquém do necessário para que o país passe para o próximo nível. É o retrato acabado da tragédia brasileira.

Tirando ideias do papel

Jeff Bezos acabou de se tornar o homem mais rico do mundo, ultrapassando Bill Gates.

Você não sabe quem é Jeff Bezos? É o fundador, CEO e maior acionista da Amazon.

A Amazon é dos poucos remanescentes da bolha “dot com” que estourou no início de 2000. Várias, muitas, milhares de empresas “dot com” ficaram pelo caminho. O que distingue Bezos, Zuckerberg, Gates, Jobs e outros poucos empresários que conseguiram não só sobreviver, mas tornarem-se bilionários? Simples: execução de uma ideia brilhante. Nesta ordem.

Muitos têm ideias brilhantes. Poucos, bem poucos, são capazes de tirar suas ideias brilhantes do papel.

Empresários são aqueles que conseguem tirar suas ideias do papel. As economias mais desenvolvidas são aquelas que facilitam esta tarefa. Uma economia em que ser empresário chega a ser heroico, é uma economia fadada ao fracasso.

Marx idealizou uma economia sem empresários. O próprio proletariado seria o dono dos meios de produção, apropriando-se, assim, da “mais-valia”. Ao eliminar o empresário, as economias comunistas eliminaram aqueles que tiram ideias do papel. Deu no que deu.

Hoje, Jeff Bezos é estupidamente rico. Mais rico do que uma parcela significativa da população mundial. Alguns acham isso um horror, o exemplo da maldade intrínseca do capitalismo. Eu penso diferente.

Se Jeff Bezos acumulou tanto dinheiro, é porque conseguiu tirar do papel uma ideia que ajudou, que foi útil, a bilhões de pessoas, que se mostraram dispostas a pagar por esta ideia. Hoje, o mundo está melhor porque Jeff Bezos conseguiu tirar sua ideia do papel. E sua fortuna é proporcional ao número de pessoas que ele beneficiou.

Não, você não tem direito divino a comprar coisas na internet e recebê-las no conforto do seu lar. Você só consegue fazer isso porque Jeff Bezos tirou uma ideia do papel. Se não fosse por pessoas como Jeff Bezos, talvez a igualdade de renda fosse maior, mas provavelmente estaríamos ainda esfregando gravetos para fazer fogo.