A sentença de Sergio Moro

Acabei de ler a sentença do juiz Sergio Moro em sua integridade.

Em resumo, há uma série de provas documentais, que são corroboradas pelos depoimentos de uma série de testemunhas. Atenção: há provas documentais. As testemunhas (inclusive Leo Pinheiro) apenas as corroboram. A ligação dessas provas com a corrupção é necessária, senão nada mais faz sentido, fica uma história sem pé nem cabeça.

A última cartada da defesa (a de que a OAS teria usado o apartamento como hipoteca ou garantia de empréstimos e no seu acordo de recuperação judicial) é desmontada sem piedade pelo juiz (quem tiver interesse, está entre os números 808 a 818 da sentença).

Vai ser difícil, bem difícil, reformar essa sentença.

Os efeitos das cotas sociais

Vou explicar para vocês o efeito das cotas na USP para as carreiras mais concorridas.

COMO É HOJE

  • 50% vêm de escolas privadas de 1a linha
  • 25% vêm de escolas privadas de 2a linha
  • 15% vêm de escolas privadas de 3a a 5a linha
  • 10% vêm de escolas públicas

COMO SERÁ NO FUTURO

  • 50% virão de escolas privadas de 1a linha
  • 50% virão de escolas públicas

Conclusão: se seu filho estuda em escola privada de 2a a 5a linha, e quer entrar nas carreiras mais concorridas da USP, melhor migrar para a escola pública ou para uma escola privada de 1a linha.

(Obs.: os números acima podem variar, mas o efeito é esse aí mesmo).

A utopia marxista

Ainda no Valor Econômico da sexta, muito rico de várias coisas. Entrevista com o cientista político alemão Michael Heinrich, autor de nova biografia de Marx. Vamos a um trecho:

Valor: “O fracasso da União Soviética e as dificuldades de Cuba abalaram o marxismo”?

Heinrich: “A primeira questão é se a União Soviética teve um socialismo relacionado com as teorias de Marx. Sou muito cético sobre isso. Na União Soviética, no início, havia muitos conselhos de trabalhadores, algo próximo ao conceito de Marx do socialismo. Mas, muito rapidamente, esses conselhos perderam poder para um partido autoritário, que não tem nada a ver com o socialismo. O fracasso da União Soviética é o fracasso de um sistema autoritário e repressivo, montado em torno do Estado, que não tem nada a ver com o conceito de Marx sobre socialismo ou comunismo.”

Então, ficamos assim: no início era o socialismo. Aí, seres alienígenas, vindos das profundezas do espaço sideral, apoderaram-se do poder na União Soviética, e implantaram um regime autoritário, matando o socialismo.

Só mesmo sendo muito desonesto intelectualmente para falar uma barbaridade dessas. Como se a implantação da igualdade a todo custo não exigisse, como pressuposto, um regime autoritário!

Mas o “cientista político” continua.

“Cuba é mais complicado. É um país muito pequeno, com recursos limitados e permanentemente ameaçado pelos Estados Unidos. Por isso, não teve o tempo de criar seu próprio modelo e acabou virando um regime autoritário também.”

Outro exemplo de socialismo que se transformou em regime autoritário por obra de forças alieníginas. Só que dessa vez, não vieram do espaço sideral, mas do norte mesmo. “Não tiveram tempo de criar seu próprio modelo”! Quanto tempo seria necessário? 100 anos? 500 anos? O suficiente para matar todos os oponentes da Revolução?

Diz ainda o “cientista político”: “Socialismo no sentido marxista continua sendo uma utopia, é uma meta ainda não alcançada”. Bem, se todo regime socialista que descamba para o autoritarismo não for marxista, então a utopia marxista vai ficar sendo utopia por toda a eternidade.

Por fim: “Acredito que o capitalismo é um sistema de exploração e de destruição do homem e da natureza. Para a sobrevivência da humanidade, é importante abandonar o capitalismo.” Ok, abandonar o capitalismo. E colocar o que no lugar? Não diz. Talvez a utopia marxista. Vai que agora dá certo.

A não tão sutil doutrinação

Estadão, coluna de Eliane Catanhêde: “… surge o primeiro movimento claro de reaglutinação de forças, e é à esquerda. As articulações projetam, inclusive, um novo personagem nesse atual cenário vazio, desolador: Guilherme Boulos. […] Como Stedile, é inteligente e tem liderança. A diferença é que Stedile parece paralisado num passado que desmoronou e Boulos acena com o futuro”. […] “Assim como a esquerda se rearticula, as demais forças também. Entretanto, a extrema direita defender a volta da ditadura militar não é articulação, é ameaça”.

Valor Econômico, sociólogo Sergio Abranches: “O Brasil, durante a maior parte do tempo, tinha uma esquerda e o resto se dizia de centro. Ninguém se assumia como de direita, no sentido de ser conservador, antifeminista, contra a liberdade de expressão generalizada. Isso é um fenômeno muito novo”.

Valor Econômico, reportagem sobre os 150 anos de Marx: “…filósofo e revolucionário do século XIX, inspiração para os movimentos de esquerda e assombração para os governos autoritários de direita,…”

O que há de comum nesses três trechos, escolhidos entre tantos outros em apenas um dia de jornal? Basta saber ler para notar a glamourização da esquerda e a satanização da direita.

Catanhêde eleva à condição de estadista um radical que queima pneus nas ruas e usa pobres coitados como massa de manobra, mas o antidemocrático é somente aquele que pede a volta da ditadura militar.

Sergio Abranches identifica a direita com a falta de liberdade de expressão, quando são os regimes de esquerda que, notoriamente, eliminam esse direito uma vez no poder.

A reportagem sobre Marx guarda o adjetivo “autoritário” para a direita, quando, mais uma vez notoriamente, os regimes de esquerda se destacaram (e ainda se destacam, vide Venezuela, Cuba e Coreia do Norte) como autoritários.

A doutrinação é sutil, mas poderosa. O tempo inteiro, estão tentando nos convencer de que a esquerda é “do bem” e a direita é “do mal”.

A reportagem do Valor, onde Sergio Abranches nos brinda com a observação acima, tenta entender a ascensão da “extrema direita”, representada por Bolsonaro. O adjetivo “extrema” é usado ao longo de toda a reportagem. Lanço aqui um desafio: encontre hoje, no jornal, o adjetivo “extrema” associado à esquerda. Boa sorte.

A alucinação e a realidade

Nestas últimas semanas estou me sentindo como o matemático John Nash, que foi muito bem retratado no longa “Mente Brilhante”.

(Atenção! Spoiler!)

Nash, ganhador do Prêmio Nobel de Economia por sua Teoria dos Jogos, sofria de esquizofrenia. Ele convivia com personagens criados por sua imaginação que, de tão reais, chegam a confundir o próprio expectador.

Uma dessas personagens é uma garotinha de seus 10 anos de idade, que o trata como um tio carinhoso. No clímax do filme, quando Nash encontra-se dividido entre a realidade e suas alucinações, ele nota que a garotinha não envelheceu, mesmo depois de anos de convivência. Esta é a chave que o convence de que aquele universo paralelo é falso.

Lembrei desse filme porque a quantidade de narrativas vem se acumulando exponencialmente nas ultimas semanas. Temer é o chefe da quadrilha? E Lula? Gilmar Mendes é bandido, ou quer manter a governabilidade? E Rodrigo Janot, está querendo derrubar Temer em conluio com a Globo? A Lava-Jato está extrapolando suas atribuições, ou todas as críticas não passam de cortina de fumaça? Quem tem razão? Quem não tem? Onde está a realidade e onde está a alucinação?

No meio disso tudo, parece-me que existe um, e somente um, elemento que pode fazer o papel da garotinha que não envelhece, aquela que nos ajudará a distinguir a realidade da alucinação: o juiz Sérgio Moro.

Moro não tem agenda política. Moro julga de acordo com as provas nos autos dos processos. Moro não dá declarações para a imprensa. Moro é um estudioso dos crimes do colarinho branco, aqueles em que as digitais dos bandidos são sutis.

Não é à toa que todos se pelam de medo de ir para Curitiba. Lá, as narrativas não colam. Lá, o que vale são as provas. Lá, distingue-se realidade de alucinação.

No recôndito da cabine de votação

Você, eleitor do PSDB desde que elegeu FHC em 1994, está P da vida porque o partido decidiu continuar na base de apoio desse salafrário do Temer. Jurou nunca mais passar perto de uma urna com o nome de alguém do partido estampado. Ok, muito justo.

1o turno das eleições de 2018. Quatro nomes chegam com chances reais de ir ao segundo turno:

  • João Doria – PSDB/PMDB
  • Jair Bolsonaro – coligação de partidos nanicos
  • Ciro Gomes – PT e seleta de partidos de esquerda
  • Marina Silva – Rede/PSOL (a esquerda limpinha)

No recôndito da cabine de votação, qual a sua decisão?

Não precisa falar, o voto é secreto.

Má política econômica

Mais um balão de ensaio deste governo que vai cada vez mais se parecendo com o que o antecedeu. Desta vez, a eliminação da alíquota de 27,5% do IR para a pessoa física. Para não perder arrecadação, seria substituído por um imposto sobre dividendos.

Parece justo: diminui-se a carga tributária da classe média, enquanto tributa-se a renda dos mais ricos, os donos das empresas. Digamos que fosse isso. (Não é. Existem empresas dos mais diversos tamanhos, cujos donos não são milionários, além de acionistas minoritários das grandes empresas). Mesmo assim, seria política econômica ruim. Explico.

Qualquer investidor somente investe em um negócio se o retorno compensar o risco. Se os dividendos forem tributados, esta cunha fiscal fará com que o retorno líquido para o investidor seja menor. Portanto, para investir em um negócio, o investidor requererá um retorno maior, de modo a compensar o imposto adicional. Assim, menos negócios serão viáveis, resultando em menos investimentos. Isto, em um país que precisa desesperadamente de investimentos.

Então, como o governo tenta consertar isso? Subsidiando a taxa de juros para as empresas, via BNDES. Este subsídio aumenta a dívida pública e cria um mercado de dívida dual, forçando a taxa de juros cobrada dos pobres mortais para cima. Como a dívida pública pertence a todos os brasileiros, e a taxa de juros mais alta é paga direta ou indiretamente por todos os brasileiros, pobres ou ricos, ficamos assim: alivia-se a carga tributária da classe media-alta, transferindo-se essa carga tributária para a população como um todo.

Mas não para por aí. O BNDES não consegue, até por restrições orçamentárias, compensar todo o aumento de imposto. Portanto, uma parte deste aumento da carga tributária vai parar nos preços dos produtos, naqueles setores em que é possível repassar. Assim, novamente, toda a população paga.

Resumindo: uma simples medida populista é capaz de diminuir o nível de investimentos, elevar as taxas de juros e piorar a distribuição de renda. Obviamente, trata-se apenas de um balão de ensaio, não acredito que o governo Dilm… ops, quer dizer, Temer, faria isso.

Comparação descabida

A comparação com o advogado criminalista é completamente descabida: está mais do que provado que pelo menos uma parte das doações eleitorais foi fruto de corrupção (se foi achaque ou corrupção ativa, pouco importa). Ou seja, os partidos não só conheciam a origem do dinheiro, como ajudaram a “fabricá-lo”.

Se resta provado que o advogado criminalista não só tem conhecimento da origem do dinheiro que recebe, mas ajudou a roubá-lo, é cúmplice do crime.

Mas por que estou perdendo tempo com isso? O ilustríssimo Ministro certamente sabe disso.

A verdadeira riqueza das nações

Estou lendo “Dez decisões que mudaram o mundo”, de Ian Kershaw. O livro trata dos bastidores das mais importantes decisões tomadas durante a 2a Guerra Mundial.

No capítulo sobre o Japão, o autor explora a decisão do país de se aliar à Alemanha e à Itália em 27/09/1940, formando o que viria a ser conhecido como o Eixo.

A ideia do governo japonês era intimidar os Estados Unidos, para que estes não se metessem nas pretensões imperiais do Japão no sudeste asiático. As elites japonesas viam o país com poucos recursos naturais, principalmente petróleo, e imaginavam que, ao dominar o sudeste asiático, garantiriam um fluxo de matérias-primas estratégicas que, de outra forma, não conseguiriam com segurança.

O tiro, obviamente, saiu pela culatra. Os EUA, assim que o Pacto Tripartite foi assinado, viram o Japão como “uma força beligerante, opressora e imperialista no Extremo Oriente, um equivalente asiático da Alemanha nazista, e que precisava ser contido”. O embate era só uma questão de tempo, para desgraça do Japão.

Mas o interessante desse capitulo o autor guarda para o final. Reproduzo: “Depois que a Guerra do Pacífico seguiu seu curso catastrófico para o Japão, o país conseguiu se reconstruir e estabelecer uma prosperidade sem precedentes, com base, precisamente, na dependência dos Estados Unidos e na incorporação bem-sucedida no comércio mundial, apoiada na competição capitalista e na economia de mercado.”

Está aí. Quando o Japão largou o fetiche das “matérias-primas estratégicas”, e partiu para a sua inserção nas cadeias produtivas globais, saiu de ser um país pobre e destruído para uma potência mundial.

Alguém dirá, e com razão: mas o japonês tem um nível de instrução muito superior ao brasileiro, eles conseguem ser muito mais produtivos. Sem dúvida! E mesmo sabendo disso, preferimos sustentar uma Petrobras, universidades públicas caríssimas e aposentadorias que custam ao país o dobro do que deveriam, ao invés de investir em educação básica!

Mas volto ao ponto anterior: ainda estamos amarrados à ideia de que recursos naturais são uma benção. Lembra? O pré-sal era um bilhete de loteria, um passaporte para o futuro. Me digam: que país exportador de petróleo é uma potência mundial? Pelo contrário: o povo desses países, invariavelmente, é pobre. Os venezuelanos que o digam.

Esse fetiche da “matéria-prima estratégica” é a senha do atraso. Não precisa ir longe: somos um dos maiores produtores de café do mundo, mas é a Suíça que produz o Nespresso. A Suíça! Qual a vantagem competitiva da Suíça? Simples: cérebros.

Enquanto não nos convencermos de que a verdadeira riqueza de um país não está dentro da terra, mas dentro das cabeças das pessoas, continuaremos a ser uma nação subdesenvolvida.

O capitalismo é lindo

Saída do Pacaembú, onde fui assistir ao jogo do Santos ontem. Peço um Uber para voltar para casa. Chega o motorista e, para nossa surpresa, está com a camisa do time.

– Estava assistindo ao jogo. Resolvi pegar uma corrida mais ou menos na direção de casa.

O capitalismo é lindo.