Já ouvi gente boa e honesta colocando reparos à operação Lava-Jato. Que haveria prisões arbitrárias. Que os procuradores se colocariam como “salvadores da Pátria”. Que o Moro atuaria na zona cinzenta da lei.
A Lava-Jato veio desafiar as estruturas de poder baseadas no crime? Ou não passam de um bando de Savonarolas, que atropelam o Estado de Direito sob o pretexto puritano de “purificar” o país?
Este “choque de narrativas” me faz lembrar do filme Mente Brilhante, que conta a história do matemático e prêmio Nobel John Nash. Nash (atenção: spoiler!) sofria de esquizofrenia, e vivia, desde a juventude, uma vida dupla: a real e a imaginária. Na imaginária, havia alguns personagens com os quais Nash convivia, entre as quais uma garotinha. No ápice do filme, quando Nash desespera-se por não saber distinguir a realidade de suas alucinações, de repente se depara com a evidência que vai definir a distinção entre uma coisa e outra: a garotinha não envelhece. Ele nota isso, e descobre o seu mundo de alucinações.
A narrativa construída, em primeiro lugar, pelo PT, e abraçada gostosamente por baluartes da moralidade como Renan Calheiros, é de que o Ministério Público e o juiz Sérgio Moro estão destruindo o Estado de Direito no Brasil, achacando testemunhas, prendendo sem provas, liberando escutas, espetacularizando a justiça, imiscuindo-se nos assuntos “interna corporis” de outros poderes da república.
Segundo esta narrativa, as 10 medidas contra a corrupção seriam, na verdade, o instrumento final da Ditadura do Ministério Público. Pior que a ditadura militar, como várias vezes ouvimos dos “defensores do Estado de Direito”.
Articulistas influentes, como Reinaldo Azevedo, e fontes insuspeitas, como o editorial do Estadão, já alinharam-se, em maior ou menor grau, a esta leitura da realidade. Não é à toa que se produziu, como definiu Deltan Dalagnol outro dia, uma “fissura” entre a opinião pública e a operação Lava-Jato. E os procuradores da operação sabem que esta fissura é a morte da operação. Sem a opinião pública a seu lado, os procuradores e os juízes são nada perto dos interesses poderosos que estão sendo desafiados.
Mas, afinal, como distinguir alucinação de realidade? Onde está a “garotinha que não envelhece”, que nos dará a certeza de que a Operação Lava-Jato está agindo dentro da lei, ou, ao contrário, está destruindo o Estado de Direito no Brasil?
Poderia aqui entrar nas tecnicalidades. Por exemplo, a de que a essência do trabalho dos procuradores é acusar, e os empreiteiros/políticos acusados exercem plenamente o seu direito de defesa, pagando os melhores advogados do Brasil. Ou que Sérgio Moro pode ter as suas decisões reformadas pelas instâncias superiores, até o STF. Ou seja, há pesos e contrapesos, de modo que a história de “justiceiros” sem lei parece fora de lugar.
Mas, para mim, a “garotinha que não envelhece” fica evidente quando vejo, de um lado, Moro e Delagnol, e do outro, Lula, Renan, Temer, e toda a cambada do Congresso. Lula, Renan, Temer, são “a velha política que não morre”. Tem algo de muito estranho, mas muito mesmo, quando vemos um baluarte da moralidade como Renan defendendo o “Estado de Direito”. A “garotinha que não envelhece” é evidente.
Não se deixe enganar por alucinações. Temos uma oportunidade única de avançar no patamar civilizatório brasileiro.
Dia 4, nos encontramos na Paulista.