O império da mediocridade

Vou explicar para vocês o que é o Brasil.

Como muitos de vocês sabem, tenho uma família grande. Para passear e viajar todos juntos, tínhamos uma van. Como os filhos cresceram, as oportunidades de sairmos todos juntos foram rareando, e sustentar a van passou a não fazer sentido econômico. Fazia muito mais sentido alugar uma van quando fosse necessário, uma ou duas vezes por ano.

Já aluguei van nos EUA, sem problemas. Já quase aluguei van na Argentina (no final, não foi necessário), também sem problemas. Pensei: vou alugar uma van no Brasil-sil-sil.

Liguei para várias empresas, e todas afirmaram que não seria possível alugar sem a contratação de um motorista. Disse que tinha a carta D, necessária para dirigir uma van, que tinha experiência, e coisa e tal, mas, infelizmente senhor, não estará sendo possível sem um motorista da empresa.

Insisti em vários lugares, até que finalmente encontrei uma locadora que alugava sem o bendito motorista! Que felicidade! Havia apenas um detalhe: eu precisava fazer um curso de “motorista de van”. Ok, vou atrás, não será este pequeno detalhe que vai me derrubar.

Conforme orientação da empresa locadora, procurei no site do DETRAN auto-escolas credenciadas a ministrar o tal do “curso de motorista de van”. Na cidade de São Paulo há três: uma no Tatuapé, outra no M’Boi Mirim e outra em Osasco, que não é São Paulo, mas tá valendo. Começou a complicar, mas segui adiante.

Liguei na auto-escola para pedir informações. Senhor, o curso custa R$400, e são 13 aulas das 19:00 às 22:00, mas tem desconto se o senhor puder fazer aula no período matutino. Não, não posso, eu trabalho. Fiquei imaginando o que tanto tem de assunto para 39 horas de aula, e me ocorreu que, em 13 dias muita coisa pode acontecer, e eu posso ter que faltar algum dia. Pergunto então qual a frequência mínima para tirar o certificado. A frequência mínima é 100% senhor, se faltar precisa começar tudo de novo. Ah, ok… E depois de tudo, tem um certificado? Não senhor, o Detran emite outra CNH, com a inscrição “motorista de van”, ou algo que o valha. E a documentação? Não posso passar por telefone senhor, só no site.

Fui até o site para ver a lista de documentos. Comprovante de residência, CNH, RG, CPF, prontuário da CNH (tirada no site do DETRAN). Até aqui, piece of cake. Mas estava muito fácil. Além desses, seria necessário tirar uma Certidão de Distribuição Criminal. E o site é claro, na tal Certidão não pode constar crime de homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores. Fiquei reconfortado em saber que todos os motoristas de van por aí não cometeram homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores. Ufa!

Vou então até o site do Fórum, com um fio de esperança de que eu pudesse tirar a tal da Certidão na Internet. Para minha grata surpresa, sim, está lá! É possível provar que eu não sou bandido via Internet! Começo a preencher o formulário, até que pede a minha data de nascimento. Digito, e recebo a mensagem que me lembra que estou no Brasil: este serviço está disponível apenas para pessoas nascidas após 1969. Como não é o meu caso, preciso comparecer pessoalmente no Fórum.

Esta é a maratona para quem quer simplesmente alugar uma van no Brasil. Eu estava disposto a movimentar a economia brasileira, mas a economia brasileira não está disposta a ser movimentada. O governo, certamente levado por grupos de interesse, inventa regras inúteis para “proteger o cidadão”, e prejudicam quem não tem nada a ver com isso. Como essa, milhares e milhares de outras regras corporativistas travam o crescimento do país. Depois nos perguntamos porque somos medíocres.

A criatura de FHC

O ano é 1995, maio. FHC enfrenta, por onde quer que vá, protestos da CUT. Pequenos, mas bastante ruidosos. Os petroleiros estão em greve, e os protestos são contra as reformas.

FHC anota em suas memórias: “Isso é […] uma atitude que não é nem revanchista, é passadista, de gente que precisa de movimentação e crê que tem diante de si um inimigo, como se fosse o inimigo histórico. Essa coisa tão patética hoje em dia, até porque eu não sou Collor, não tem por que fazer esse tipo de agressão, e muito menos à Ruth, que tem uma atitude bastante aberta.”

FHC faz o diagnóstico correto: para o PT, ele era o inimigo. Mas, ingenuamente, acredita que, não sendo Collor, merece o respeito de Lula. Tanto é assim, que fez corpo mole nas eleições de 2002, pois seu candidato “in pectore” é Lula. Lula é o seu projeto político: depois de colocar a casa em ordem, entregaria o poder a um operário com mentalidade contemporânea, que seguiria, com mais legitimidade do que ele próprio, a trilha por ele iniciada, com o objetivo de situar o País como uma moderna democracia.

Foi passar a faixa, e ouviu de Lula pela primeira vez as palavras que marcariam dali em diante a relação entre os dois: “herança maldita”. Era a punhalada nas costas por parte de sua criatura. Ali ficava claro que o inimigo era sim ele. FHC e o PSDB eram a única alternativa real de poder. E, portanto, deviam ser destruídos.

Dilma foi uma criatura de Lula, e por isso nunca vamos perdoa-lo. Mas Lula é, de certa forma, uma criatura de FHC, fruto do idealismo (ingenuidade?) de FHC. Tendo entendido a natureza do escorpião, preferiu olhar para o outro lado, e ignorar as evidências que se acumulavam desde o início, como ficou claro no trecho acima. Hoje, FHC se diz decepcionado com Lula. Tarde demais. Se chegamos ao ponto que chegamos, FHC tem uma parcela significativa de culpa. Pois abriu mão do poder em nome de uma espécie de “quitação de dívida histórica” e, depois, abriu mão de seu papel de principal líder da oposição.

Só Deus

Tenho filhos que vão e voltam da faculdade a altas horas da noite. Meu coração fica apertado, mas essa é a vida. Gostaríamos de tê-los sempre conosco, como quando eram crianças pequenas.

Gostaria de dizer que consigo entender a dor desses pais e mães que perderam seus filhos. Mas cada dor é única, pois carrega consigo uma história de vida única. Por isso, seria muita pretenção achar que entendo a dor particular de cada pai, de cada mãe. Não consigo nem sequer acabar de entender minha própria dor, ao tentar imaginar como seria se um de meus filhos estivesse naquele ônibus.

Só Deus numa hora dessas. Minhas orações para que esses pais e mães encontrem forças para superar a dor.

Separando o público do privado

Quer saber porque o Brasil é do jeito que é?

Estou lendo o 1o volume das memórias de FHC na presidência. Logo no início, ele reclama que a imprensa pegou no seu pé por conta de uma viagem de seu filho, Paulo Henrique, ao Uruguai, em avião oficial, quando ele mesmo estava em missão oficial no país. Tratava-se de um avião da segurança, que viajava “vazio”. Portanto, a “carona” de seu filho não havia custado um tostão adicional aos cofres públicos.

Não ocorre a FHC que trata-se, sim, de um privilégio inadimissível. Que o seu filho só viajou de graça porque o papai era presidente da república. Que qualquer outro brasileiro que quisesse viajar de graça em avião oficial, mesmo que esta viagem “não custasse nada aos cofres públicos”, não teria este direito.

FHC é o que de melhor produziu a elite política nacional. Mas mesmo ele não consegue separar o público do privado. Imagine o resto. O nosso subdesenvolvimento não é improvisado.

Atalhos que não funcionam

O MTST, que mais uma vez atazanou os paulistanos hoje, é muito fácil de entender.

Há um grupo de bem-nascidos que chegaram à conclusão de que essa estória de democracia representativa é coisa de burguês. O que realmente vai mudar a vida do pobre é a revolução do proletariado. E eles são a vanguarda dessa revolução.

Pois bem, falta o povo. Como cooptá-lo? Aí vem a grande sacada: a bandeira é a moradia, e o modus operandi é a invasão. Basta, como bastou, convencer alguns incautos de que eles têm o “direito” à moradia (como, aliás, já tive oportunidade de ouvir em entrevistas com esses pobres coitados). Assim mesmo, o direito, que passa por cima de todos os outros direitos.

A dinâmica, portanto, é esta: invade-se e, com governantes as mais das vezes covardes ou coniventes, obtém-se aquele terreno, que é distribuído aos que mais participam das manifestações ligadas ao movimento. Assim, temos um ganha-ganha: o movimento obtém uma massa de manobra para suas manifestações, e os manifestantes obtém moradia. Claro, quem perde é a sociedade, em vários sentidos: no seu direito de propriedade, no seu direito de ir e vir.

Ultimamente, a tática atingiu requintes de crueldade: com o programa Minha Casa Minha Vida – Entidades, os manifestantes não precisam mais invadir terrenos. Nã-nã-não. Agora, o governo patrocina a baderna. E os manifestantes furam a fila do MCMV. Sim, porque os imóveis do MCMV-Entidades poderiam ser distribuídos para pessoas igualmente necessitadas, mas que simplesmente não participam de manifestações. O critério para receber uma casa passa a ser “fazer parte da revolução”, sem precisar esperar em uma fila. Afinal, fazer fila é coisa de trabalhador que não tem tempo para fazer a revolução.

O problema da moradia é muito grave no Brasil. Assim como o problema da saúde, da educação, da segurança, e uma longa lista de etcéteras. A única solução permanente para todos esses problemas é o aumento da renda per capita do país, que só se alcança com aumento da produtividade do capital e do trabalho. Enquanto pessoas forem capazes de fazer apenas serviços básicos por falta de formação, o seu destino é não ter acesso aos bens reservados àqueles que são mais produtivos. Não há milagre. Qualquer outra solução é simplesmente não sustentável. Todos os países que tentaram um atalho se deram mal. Muito mal. O último e trágico exemplo é a Venezuela.

Assim, por mais que corte o coração a situação dessas pessoas, não é desrespeitando o Estado de Direito que se vai resolver o problema. Aliás, pelo contrário: em um país onde a lei não vale para todos, os mais prejudicados são sempre os mais pobres.

Cultura do estupro

Está rolando uma campanha chamada “Eu digo não à cultura do estupro”.

Ninguém em sã consciência é a favor do estupro. Portanto, uma campanha “Eu digo não ao estupro” parece desnecessária. Mas não é esta a campanha. A campanha é contra uma tal de “cultura do estupro”. E o que vem a ser a “cultura do estupro”?

Não vi nenhuma definição, por mais que procurasse. Mas acho que a pista está na frase “Todo homem tem um estuprador dentro de si”, que vi em um perfil feminista. Assim, penso (e me corrijam se estiver errado) que a tal “cultura do estupro” seria o seguinte: a culpada pelo estupro, em última análise, seria a mulher, que provoca o estuprador que todo homem tem dentro de si. Todo homem seria assim uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hide, e um shortinho mais curto seria suficiente para libertar Mr. Hide. Com isso, as mulheres restariam podadas em seu direito de usarem a roupa que quisessem ou frequentarem os lugares que lhe aprouvessem, sem serem molestadas pelos Mr. Hide soltos por aí. E mais: os monstros embutidos nos homens – em todos os homens – seriam fruto de uma cultura machista ancestral, em que os novos meninos bebem a “cultura do estupro” com o leite materno.

Um par de considerações a respeito.

Em primeiro lugar, a natureza humana desenhada por este raciocínio não está incorreta. De fato, todos os seres humanos, homens e mulheres, temos dentro de si um Mr. Hide pronto a atacar. Fazemos coisas “irracionais”, mesmo sabendo que são erradas. Que o digam os que lutam para parar de fumar, ou para iniciar e manter uma dieta, ou começar um programa de ginástica. Que atire a primeira pedra quem nunca fez nada de errado na vida, tendo consciência de que era errado. Esta é a natureza humana: consciência de anjo e instinto animal, em uma mistura muitas vezes desconcertante. Isto não tem nada a ver com a “cultura machista”, que também existe. Por outro lado, isto significaria que aquele que erra não é culpado pelo erro? Isto nos leva à segunda consideração.

Dr. Jekyll é o verdadeiro culpado pelas diabruras de Mr. Hide. Quem leu a novela de Robert Louis Stevenson lembrará que Dr. Jekyll libertou Mr. Hide conscientemente. Era uma forma de fazer o que ele sempre quis fazer, sem querer assumir os seus atos. Dr. Jekyll e Mr. Hide são, afinal, uma e a mesma pessoa. Portanto, por mais que o instinto animal esteja no comando, é o homem (e a mulher) que devem responder por seus atos. Afinal, não deixam de ser seres humanos, com toda a responsabilidade que deriva de sua condição humana. Assim, os estupradores são culpados, os únicos culpados, por seus atos, e devem pagar por isso.

Aqui, um adendo: a culpa independe do que acha ou deixa de achar o culpado. Todos nós, quando fazemos coisas erradas, procuramos justificativas. É muito, muito difícil dizer “eu errei”. Certas pessoas, ao se justificarem, distorcem tanto a realidade, que chegam a construir um universo paralelo. Assim, quem rouba, na verdade, estaria realizando uma “redistribuição de renda”, e, portanto, fazendo justiça. Quem estupra pode pensar que está apenas realizando um ato devido naturalmente à sua condição de homem em relação à mulher. Afinal, se aquela mulher está vestida daquela maneira naquele lugar, na verdade ela quer ser estuprada. Este é o raciocínio da “cultura machista”, que faz o sujeito cometer um crime com a consciência tranquila. Obviamente, como já dissemos, este raciocínio absolutamente não o exime de culpa. E aqui vem a última consideração

Ao mesmo tempo que a mulher estuprada não compartilha da culpa que somente ao estuprador cabe, é necessário reconhecer a natureza humana como ela é, não como desejaríamos que ela fosse. Dou um exemplo: o roubo. Roubar é errado, todos sabemos. E sabemos, também, que, por mais errado que seja, haverá homens dispostos a roubar. Posso tentar lançar uma campanha “Abaixo a cultura do roubo”, tendo como pressuposto que o roubo é ensinado desde a infância, e os homens trazem um ladrão dentro de si. Tudo isso pode ser até verdade, não vou entrar no mérito. Ocorre que os ladrões continuam por aí. E não será segurando um cartaz “Eu não mereço ser roubado” que vou evitar ser assaltado. Devo tomar minhas precauções: não andar em certos lugares a certas horas. Infelizmente, minha liberdade é injustamente limitada pela existência de ladrões. Posso rebelar-me contra isso e não adotar regras de prudência, ou aceitar a realidade como ela é, e tomar os meus cuidados. No final, a culpa é totalmente do ladrão, mas as consequências são por mim sofridas.

Assim, as meninas e mulheres, infelizmente, precisam tomar precauções: não andar vestidas de maneira provocativa, nem frequentar lugares inconvenientes, nem se embebedar até cair. Espero que o que escrevi acima tenha sido suficiente para afastar a ideia de que esta orientação seja fruto de meu “machismo”. Apodar-me de machista por dar este conselho não vai ajudar em um milímetro a evitar um estupro. Tomar certos cuidados é apenas uma regra de prudência, em uma sociedade formada por homens, não por anjos. Isto não significa, por óbvio, não denunciar esta realidade. Campanhas contra coisas erradas são sempre bem-vindas. O que não dá é achar que minha vontade de mudar o mundo vai proteger-me deste mesmo mundo. E se você, menina, mulher, acha que sua luta contra o machismo inclui desafiar regras básicas de prudência, tenha em mente que as consequências atingem não só você, mas todos os que te amamos.

Quem cuida melhor do dinheiro do acionista?

Caixas eletrônicos no aeroporto de Congonhas.

Itaú não tem um próprio.

Bradesco não tem um próprio.

HSBC não tem um próprio.

Santander não tem um próprio.

Todos eles compartilham os vários caixas da rede 24 horas.

Em compensação, o Banco de Brasil tem um exclusivo, e a Caixa tem não um, mas DOIS caixas exclusivos.

Conclua aí quem cuida melhor do dinheiro do acionista.

Parabéns à Globo!

O JN hoje está dando uma aula de jornalismo. Edição perfeita, com a ênfase correta nos diversos fatos, sem esconder nada, dando voz a todos os lados, mas colocando-se ao lado da lei. No dia em que 4 repórteres da Globo foram covardemente agredidos por brucutus fascistas, meus parabéns à maior e mais bem sucedida empresa jornalística do Brasil.