STF proíbe prisão após condenação em 2a instância

Tenho dois amigos que migraram para o Canadá neste ano.

Dois engenheiros, formados em universidades públicas, migraram com as famílias, filhos pequenos.

Migraram sem terem emprego lá, vão viver das reservas e trabalhar com qualquer coisa.

Cérebros, deles, das esposas e dos filhos, que poderiam ajudar o Brasil a crescer.

Depois da decisão de hoje do STF, não os critico. O Brasil está condenado ao fracasso.

Ainda a prescrição de pena

Escrevi exatamente isso aqui ontem. O ministro Marco Aurelio toca no nervo do problema: a prescrição é só a cereja do bolo, a questão verdadeira são as décadas que processos levam para serem julgados em Brasília. Queremos a punição após a 2a instância como uma gambiarra constitucional para um problema de celeridade da justiça.

Óbvio que o STF não vai mover uma palha para diminuir a possibilidade de embargos dos embargos dos embargos, nem mudará uma vírgula seus supremos procedimentos. Então, a prisão após condenação em 2a instância é o que resta no país dos puxadinhos.

Prescrição

O problema, obviamente, não se resume à prescrição da pena. A prescrição é apenas o coroamento de um problema maior: a lentidão do sistema todo.

Digamos que esse projeto seja aprovado. O sujeito continuará solto praticamente ad eternum, à espera do julgamento de todos os embargos no Supremo. A protelação, que hoje tem o seu fim na prescrição de pena, não terá fim nunca. A arte da protelação será levada aos cumes da perfeição.

Quem deve estar esfregando as mãos são os advogados criminalistas, que terão clientes eternos.

Cláusula pétrea

O busílis está no inciso LVII (57, pra quem não curte algarismos romanos) do artigo 5o da Constituição: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Bem, não está escrito “ninguém será PRESO até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Diz apenas que não será considerado culpado.

Resta saber se tem algum inciso dizendo que é possível prender alguém que não seja considerado culpado.

O inciso LXI (61) diz o seguinte: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente,…”

Não está escrito “ninguém será preso antes que se prove culpado” ou “ninguém será preso antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Está escrito que basta a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Senão, não seria possível a prisão provisória, por exemplo.

Bem, esta é a interpretação de um completo ignorante em matéria constitucional. No caso, eu. Comigo, estão 5 ministros do Supremo, o que, para mim, é o que basta.

Mas o ponto que queria tocar é outro.

O inciso LVII pertence ao artigo 5o, que se refere aos Direitos e Garantias Fundamentais. Estes Direitos e Garantias, segundo o parágrafo 4o do art. 60, são cláusula pétrea. Não podem ser modificadas nem com uma Proposta de Emenda Constitucional.

Em outras palavras: se os congressistas porventura aprovarem uma emenda estabelecendo a prisão após condenação em 2a instância, é bem provável que alguém entre com algum daqueles muitos instrumentos junto ao STF pedindo a inconstitucionalidade da medida. Adivinha o que vai acontecer.

Somos escravos de uma Constituição que consagra a impunidade como cláusula pétrea.

Respeito à jurisprudência

Os editoriais do Estadão são absolutamente insuspeitos na defesa intransigente do Estado Democrático de Direito e no respeito à Constituição. Muitas vezes discordo de seus posicionamentos à respeito da atuação da força-tarefa da Lava-Jato.

O editorial de hoje, sobre a posição do STF a respeito das prisões após condenação em 2a instância, está irretocável. Representa minha última palavra sobre o assunto.

A desinibição do crime

Este é um trecho do artigo de Antônio Claudio Mariz de Oliveira no Estadão hoje, criticando (que surpresa!) o pacote anti-crime de Moro. O doutor Mariz ganha a vida livrando brandidos endinheirados da cadeia. Nem ele deve ter notado o tiro no próprio pé ao defender o desencarceramento. Se não for a ameaça de ir para a cadeia, o que ele vai fazer da vida?

Enfim, vamos à questão colocada. “O mundo todo já reconheceu a ineficácia da pena de prisão”. Talvez seja por isso que só no Brasil ainda existam prisões. Ah, como deve ser bom viver em um país onde não existem prisões! O doutor Mariz poderia nos indicar ao menos um, para que pudéssemos visitá-lo.

“A prisão não inibe novos crimes”. Sim. Principalmente em países onde o Estado é incapaz de inibir a formação de quadrilhas dentro do estabelecimento prisional e o sujeito pode sair depois de cumprido um sexto da pena. Experimente deixar o bandido preso por 30 anos pra ver se não diminuiu o índice de criminalidade.

Além do mais, prisão não tem como objetivo principal “inibir” ninguém. Prisão serve para afastar o bandido do convívio social, lugar onde provou não estar preparado para estar. A prisão serve, antes de mais nada, para proteger a sociedade. A “reeducação” do preso é objetivo secundário. Que seria, inclusive, melhor atingido com penas mais duras.

O doutor Mariz nos alerta que o pacote anti-crime tem viés autoritário. Hoje, atinge os acusados e condenados, amanhã poderá ser qualquer um de nós. Sobre isso, só tenho uma coisa a dizer: me inclua fora dessa, doutor Mariz.

Estado Democrático de Direito dos Gatunos

Texto tirado do jornal O Estado de São Paulo

Na minha santa ingenuidade, pensei que o julgamento sobre a prisão após condenação em 2a instância não atingiria o molusco. Afinal, ele já foi condenado em 3a instância, o STJ.

Mas parece que ainda não foram esgotados todos os recursos no STJ. Tem ainda os embargos infringentes dos embargos de declaração dos embargos da putaquepariu. Data maxima venia.

A nossa única esperança de Lula continuar preso é o próprio Lula. Como o presidiário-mor da nação já afirmou que só sai da prisão se sua inocência for reconhecida, então ele deveria continuar preso. Mas acho que desse susto não morremos.

Um escárnio. Sim, um escárnio. Mas nada surpreendente em um país que está acostumado a rir da cara de seus cidadãos. Aos que ainda se perguntam como um sujeito como Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República, basta vê-lo como uma reação de escárnio ao escárnio.

Depois, gastam-se rios de tinta para entender porque as democracias morrem. Não é preciso ir longe. Quando gatunos confessos se escondem atrás do Estado Democrático de Direito, não há mais porque defender o Estado Democrático de Direito.