Os fatos começam a jogar contra

Hoje é dia 15/12, data que o governador João Doria havia prometido divulgar e encaminhar para a Anvisa os dados de eficácia da Coronavac. Ontem foi adiado para 23/12, com a desculpa de que já haviam atingido o número mínimo de pacientes infectados para encaminhar não o pedido de uso emergencial, mas o pedido definitivo.

Fernando Reinach coloca o dedo na ferida: se tem os dados, por que não divulgá-los agora? Por que esperar a burocracia do envio para os órgãos reguladores? Há alguma lei ou procedimento que impeça a divulgação dos resultados antes do envio do pedido de registro? A Astra Zeneca publicou os resultados de seus estudos fase 3 (cheio de problemas) e ainda não enviou para registro.

O ser humano tem a tendência de sempre esperar pelo melhor, e engolimos as explicações do governador porque queremos acreditar que teremos uma vacina logo. A hipótese de a Coronavac não funcionar é impensável, pois ficaríamos sem vacinas no 1o semestre. Por isso, nos agarramos à esperança. Mas que é estranho, sem dúvida é estranho.

Há dois dias escrevi um post sobre o limite da política ou da politicagem: os fatos. Por enquanto, Doria está ainda no campo da política (ou politicagem). Os fatos começam a jogar contra a sua narrativa. Esperemos o dia 23/12.

A politização dos políticos

Os políticos estão politizando a questão das vacinas. Oh!!!, que surpresa!

Políticos politizam. Por definição. Acho graça daqueles que exigem “espírito público” dos políticos, e que tomem decisões em prol da sociedade. Acho graça porque esse “em prol da sociedade” é sempre na visão particular de quem está pedindo espírito público dos políticos. E se o político entender que a sua própria atuação está sempre dirigida “em prol da sociedade”? Aliás, provavelmente este é o caso. Inclusive quando se refere às próximas eleições: o político sempre vai achar que ele próprio ganhar as próximas eleições é o melhor que pode acontecer para a sociedade. Churchill é considerado um dos grandes estadistas do século XX. Quem leu a sua biografia e assistiu à 1a temporada da série Crown, no entanto, vê um Churchill focado em tomar e manter o poder. Politicagem, diriam seus adversários. Política, diria Churchill.

Quem simpatiza com Bolsonaro, vê em suas atitudes com relação à vacina uma luta pela preservação da liberdade do povo brasileiro diante de um conluio global que envolve medo, lockdown para quebrar a economia e vacinas perigosas aprovadas a toque de caixa. Os que antagonizam Bolsonaro veem no presidente alguém que está jogando para evitar que seu maior adversário potencial nas eleições de 2022 ganhe dividendos políticos, mesmo que isso signifique colocar em risco a saúde dos brasileiros. De um ou outro modo, estamos falando de política ou politicagem, a depender do ponto de vista.

Quem simpatiza com Doria, vê em suas atitudes uma preocupação genuína em torno da saúde da população, em um momento em que o governo federal parece não dar a mínima para isso. Já para os que o antagonizam, o governador de São Paulo está dançando sobre cadáveres, usando as mortes de brasileiros para ganhar dividendos políticos. De um ou outro modo, trata-se de política ou politicagem, a depender do ponto de vista.

Governadores e prefeitos que estão apoiando Bolsonaro ou correndo atrás de Doria para comprar a vacina também estão fazendo política ou, como querem os nostálgicos de estadistas, politizando a questão. Todos eles.

A política, no entanto, tem um limite: a realidade. As narrativas políticas, mais cedo ou mais tarde, acabam esbarrando em sua majestade, os fatos. Antes de uma luta, os boxeadores tentam se mostrar, diante das câmeras de TV, superiores ao seu adversário. Mas, quando começa a luta, aquele que efetivamente tem mais força e agilidade, vence.

O governo federal está contando com 3 vacinas: Astra Zeneca, consórcio COVAX e Pfizer. A Astra Zeneca errou na dosagem nos testes da fase 3, e não conseguiu provar eficácia para maiores de 55 anos, justamente o principal grupo de risco. Agora, parece que vão misturar com a Sputinik V, o que provavelmente demandará vários meses de testes fase 3 novamente. Ou seja, ao que tudo indica, essa vacina é só para o 2o semestre, com sorte. O consórcio COVAX ainda não divulgou nenhuma vacina com eficácia, e a quantidade é muito pequena diante das necessidades brasileiras. Por fim, a Pfizer também vai disponibilizar uma quantidade muita pequena (se disponibilizar), com todas as dificuldades de logística conhecidas. Em resumo: o governo federal tem muito pouco na mão até o momento.

Doria, por sua vez, prometeu divulgar os estudos de eficácia da Coronavac até o dia 15. Se, de fato, houver uma eficácia razoável (acima de 70%), Doria terá na mão uma fábrica de 1 milhão vacinas/dia, ou 180 milhões no primeiro semestre, o suficiente para vacinar quase metade da população brasileira. A política ou politicagem esbarram, no final do dia, nos fatos. Como dizia um antigo locutor de futebol quando o juiz apitava o início do jogo, vamos ver quem tem mais garrafa velha pra vender. Dia 15, saberemos.

PS escrito em 14/12: hoje Doria adiou a divulgação dos estudos de eficácia para o dia 23/12. Serão 8 dias a menos para a Anvisa aprovar. Por enquanto, continuamos só tendo retórica. Vamos ter que esperar mais um pouco pelos fatos.

Cheque-mate na Anvisa

Doria fez o que qualquer executivo de empresa faz: colocou uma data para entregar o trabalho. A data serve para pressionar os subordinados.

Mas a Anvisa não é subordinada ao governador de São Paulo. Portanto, não faz sentido.

Faz.

Apesar de a Anvisa não ser subordinada funcionalmente, passou a ser subordinada politicamente. Imagine você chegarmos no dia 24/01, as caixas com as vacinas nos postos de saúde, filas começando a se formar, e o governador anunciar que não teremos vacinação porque a Anvisa AINDA não autorizou. Pode acontecer? Pode. Vai acontecer? Difícil.

Doria não teria arriscado uma data se já não tivesse em mãos dados de eficácia promissores. E lembremos que estamos em um processo de aprovação contínuo, e se trata de uma autorização emergencial, não o registro definitivo. Além disso, a vacina já estará espalhada por outros estados da federação, só aguardando o sinal verde da agência. A pressão será insuportável.

Imagine o contrário: Doria esperando a aprovação da Anvisa para daí anunciar a data do início da vacinação. Sabe quando viria a tal aprovação? Põe aí uns meses, se viesse a aprovação.

Doria deu uma chave de galão no governo Bolsonaro com essa vacina e a Anvisa passou a ser mera coadjuvante no processo.

Quem quer, faz

Ain, porque o Congresso…

Ain, porque o Supremo…

Ain, porque a mídia…

Ain, porque as eleições…

O governo de SP apresentou um pacote de austeridade fiscal prevendo fim de estatais, corte de incentivos fiscais e demissão (voluntária) de funcionários públicos. Doria mobilizou sua base, negociou durante semanas, tirando os pontos mais polêmicos do pacote e enfrentando a ira das corporações. Ontem o pacote foi aprovado.

Quem quer, faz. Quem não quer, fica colocando a culpa nos outros.

A bandeira do anti-petismo

Em seu artigo semanal, Guzzo toca em um ponto que discuti ad nauseam durante as eleições: a ridícula estratégia de Alckmin durante a campanha. Em uma eleição quase plebiscitária, onde se estava decidindo se o PT deveria ou não voltar ao poder, Alckmin atacava Bolsonaro usando justamente as bandeiras do PT, chamando-o de homofóbico e misógino, ao invés de tentar se colocar como “O” candidato anti-PT. E não adiantava (como não adiantou) dizer que seria o único capaz de bater o PT no 2o turno. Afinal, de que servia ter um candidato como Alckmin no 2o turno, se ele não era um “antipetista de verdade”?

(Só um parênteses: pesava também contra Alckmin o fato de ter uma base de partidos do chamado “centrão” a apoiá-lo, em uma eleição “anti-sistema”. Então, mesmo que tivesse se travestido de “o anti-petista”, acho que não chegaria ao 2o turno. Mas, provavelmente, teria mais do que os 5% de votos que teve. Fecha parênteses).

Não é à toa que Bolsonaro elegeu Witzel e, num segundo plano, Doria, como seus inimigos mortais. As suas diatribes contra os governadores têm, na verdade, esses dois como alvos. Ao contrário de Alckmin, Witzel e Doria, principalmente o primeiro, têm irrefutáveis credenciais anti-petistas. Em uma eleição, disputariam o mesmo eleitor. Huck, por outro lado, representa essa elite de consciência pesada (o que Guzzo chama de “banqueiro de esquerda”) que não vai a lugar algum, como Alckmin não foi.

Mas (e esse mas é importante) ainda estamos a pouco menos de 3 anos das eleições. É uma eternidade. Teremos que ver se o sentimento anti-petista será o principal fator de decisão do eleitor em 2022. Se não for mais, os termos da eleição mudam. Por isso, o Supremo (ao revogar a prisão após condenação em 2a instância), o Papa, a prefeita de Paris e júri do Oscar vêm prestando um grande serviço ao bolsonarismo, ao manter a chama do anti-petismo acesa. Só falta, como cereja do bolo, o Supremo liberar a candidatura do não-proprietário do triplex. Desconfio de que este seja o sonho secreto de Bolsonaro.

Alianças improváveis

Andrea Matarazzo quer ser prefeito de São Paulo de qualquer jeito.

Andrea Matarazzo foi filiado ao PSDB de 1991 a 2016. Quase um fundador, portanto. Saiu do partido quando Alckmin bancou a candidatura de Doria à prefeitura, contra todos os tucanos da velha guarda, incluindo FHC. Alckmin já pressentia a necessidade de sangue novo no partido, desgastado depois de anos de parceria Caracu com o PT. Pôs a máquina do partido para trabalhar pela candidatura Doria, e Andrea sentiu que o velho PSDB havia morrido em São Paulo. Foi para o PSD de Gilberto Kassab, que, como sabemos, tem altos ideais e alma pura.

Agora, junto com outro grande campeão da ética, Paulo Skaf, pretende ser o candidato bolsonarista em São Paulo. Objetivo dos três (incluindo Bolsonaro): ferrar Doria em sua cidade.

Resta saber se o bolsonarismo-raiz vai tampar o nariz e votar em um ex-tucano de alta plumagem, amigo pessoal de FHC e que está agora no partido de Kassab, só para atrapalhar o projeto presidencial de Doria. Vou dar muita risada ao ler os altos raciocínios estratégicos para justificar esse voto.

Briga de rua

É realmente inacreditável a capacidade de Bolsonaro arrumar briga que, no final, só vai prejudicá-lo. O último caso é o dos preços dos combustíveis.

O preço do petróleo no mercado internacional está despencando por conta do coronavírus, refletindo uma queda pontual do consumo chinês. A Petrobras está aproveitando para diminui os preços da gasolina em suas refinarias. Seria uma ótima notícia, que seria surfada por qualquer governo. Mas não, Bolsonaro arrumou um jeito de transformar uma boa notícia em uma briga de rua.

Ocorre que a diminuição dos preços nas refinarias não está chegando nas bombas. Alguém soprou para o presidente que o problema é a forma de cálculo do ICMS: como os Estados consideram a base de cálculo fazendo uma média de 15 dias, a queda dos preços demora um pouco para afetar essa média. O resultado é o aumento da incidência do imposto, pois a base de cálculo é maior do que o preço na ponta. O efeito inverso também ocorre: quando há um aumento dos preços nas refinarias, a base de cálculo demora um pouco a ser recalculada, e a incidência do imposto fica proporcionalmente menor. Não sei porque existe essa metodologia de cálculo, suponho que seja para facilitar a administração dos impostos.

Enfim, seria apenas uma questão de dias para que os preços começassem a diminuir nas bombas, como sempre. Mas Bolsonaro viu aí uma oportunidade de estocar os que ele vê como inimigos políticos: os governadores, principalmente Doria e Witzel. Começou uma discussão extemporânea sobre impostos, justamente às vésperas de começar a tramitação pra valer da reforma tributária.

Como sabemos, essa reforma é complicadíssima, e não sai se não houver um alinhamento com os Estados. Qual o objetivo de Bolsonaro ao arrumar briga com os governadores? Arrumar uma desculpa para o eventual fracasso da reforma? Enfraquecer seus adversários políticos de 2022? Posar de defensor dos caminhoneiros às custas dos governadores? Ou se trata apenas de um ato irrefletido de um presidente que não está preparado para enfrentar questões desta complexidade? Qualquer que seja a explicação, nenhuma justifica esse bate-boca ginasial.

Estamos todos ansiosamente aguardando a proposta de reforma tributária do governo desde a aprovação da reforma da previdência. Já lá se vão 6 meses. O máximo que saiu do Planalto foram ensaios de uma CPMF natimorta e agora o “imposto sobre o pecado”. E, além de não ter proposta, Bolsonaro destrói as pontes que vai precisar para aprovar uma reforma digna do nome. Vamos depender, mais uma vez, do Congresso para fazer a lição de casa.

As cores da social-democracia

Entrevista de João Doria hoje.

O PSDB não é mais social-democrata.

Mas vai manter “social-democrata” no nome porque PSDB é uma sigla bacana.

Para mostrar que não é mais social-democrata, ao invés de trocar o nome, trocou as cores. Fica claro para todos que verde-amarelo não é social-democrata.

Desse jeito, PT e Bolsonaro vão se alternar no poder ainda durante muitos anos.

Ciclofaixas e eleições

Ontem senti falta da ciclofaixa do domingo, mas pensei: deve ser por causa da chuva, né?

Nada disso: foi incompetência da prefeitura mesmo, que não conseguiu repor o patrocinador que desistiu do contrato.

Não sei se foi um problema do contrato, que não previa aviso prévio, ou da prefeitura, que dormiu no ponto. Pouco importa. O culpado será sempre o prefeito.

Bruno Covas tem tentado se destacar com pautas da esquerda bem-cheirosa. A falta da ciclofaixa atinge em cheio justamente esse público, digamos, mais sensível à causa. O atual prefeito corre o risco de acabar o mandato falando sozinho.

Esperto é o Doria, que já se movimenta em direção ao seu plano B: Joice Hasselmann. E mais esperto ainda é o Bolsonaro, que já avisou que Joice não é a sua candidata.

As eleições para a prefeitura de São Paulo serão, como sempre, interessantes.