Extinção de municípios: finalmente?

A regra é até generosa demais. O município arrecada somente 10% do total de receitas que recebe (portanto, os outros 90% vem da União) e já tem o direito de existir.

Mesmo assim, hoje seriam extintos 1.200 municípios, mais de 20% do total. Ou seja, 1.200 municípios não conseguem sequer arrecadar 10% de sua receita! Uma insanidade!

Olha, se essa PEC for aprovada, vou começar a acreditar.

A disputa para ver quem vai cortar mais gastos

– A minha PEC corta mais gastos!

– Não senhor, é a minha PEC que corta mais gastos!

– É a minha!

– A minha!

Governo e Congresso brigando pra ver quem patrocina o maior corte de gastos.

O Estado brasileiro está possuído pelo espírito de Milton Friedman!

Sai desse corpo que não te pertence!

Gasto com servidores

Gráfico extraído do jornal O Estado de São Paulo

Esse gráfico diz tudo e não esconde nada.

O mesmíssimo gráfico poderia ser feito comparando-se os gastos com Previdência em relação ao PIB e o número de idosos em relação à população total. Veríamos o mesmo tipo de distorção.

A fonte dessas distorções, no entanto, é diferente: enquanto na Previdência o gasto é alto porque as pessoas se aposentam cedo demais, no caso do funcionalismo público o gasto é alto porque os salários são muito altos em relação à massa salarial do país.

No Brasil, 76% dos servidores ganham acima de R$ 6 mil/mês, comparado com apenas 9% da população brasileira como um todo. Servidores ganham bem, não podem ser demitidos e até outro dia se aposentavam com o salário integral. Não é preciso ser expert em finanças públicas para sacar que a conta não fecha.

O Estado brasileiro foi sequestrado pelas corporações. Enquanto não libertarmos o refém, vamos continuar cortando o cafezinho e a luz das repartições públicas para tentar conter os gastos do Estado.

As universidades públicas e o nosso dinheiro

Um artigo defendendo a excelência das universidades públicas paulistas e seu impacto positivo sobre a economia do Estado.

Os exemplos utilizados são dignos do debate raso do Congresso: as universidades sustentariam um ecossistema de bares e barbeiros no interior de São Paulo, por isso seriam importantes.

Obviamente, outros efeitos mais fundamentais para o desenvolvimento do País são atribuídos às universidades paulistas, como o estabelecimento de polos tecnológicos e a produção acadêmica. Mas quis chamar a atenção para o efeito mais bizarro com o objetivo de colocar em cheque todo o raciocínio.

A questão de fundo não são os impactos em si. É óbvio que sempre alguma coisa boa é feita com o dinheiro. A grande questão é se este foi o melhor uso possível para o dinheiro do contribuinte. E, se sim, se este dinheiro está sendo usado de maneira responsável, ou se está sendo desperdiçado com políticas pouco racionais.

A discussão do uso alternativo dos impostos é mais complexa, necessitaria de estudos mais profundos. Mas o uso em si do dinheiro é o que está sendo questionado pela sociedade. A qual, afinal, é quem paga por tudo isso. O artigo urge por uma defesa da universidade pública, como se qualquer crítica ao desperdício fosse um ataque à própria existência da universidade. Não se está discutindo usos alternativos dos recursos, mas o seu uso mais racional. Ainda que a discussão sobre usos alternativos fosse também bem-vinda.

O argumento dos barbeiros e bares baseia-se na mesma falácia de sempre: o Estado seria um criador de riqueza. Como se o dinheiro usado para sustentar a Universidade fosse criado “out of thin air”, como dizem os americanos. Não. Para sustentar a Universidade, é preciso tirar o dinheiro de outra atividade econômica, talvez mais produtiva.

Ainda bem que foi um professor de Química que escreveu, não de Economia. Assim, está perdoado.

Prioridades

Sim, as duas notícias estão no mesmo jornal.

O “estudo conceitual” do museu do STF, onde estão as togas de antigos ministros, vai custar módicos R$240 mil, que serão pagos a um escritório de arquitetura de grife.

Não sei quanto é um salário de estagiário no STF, mas na iniciativa privada, esse dinheiro daria para sustentar 10 estagiários durante um ano. Mas o museu deve ser mais importante.

Em defesa do controle dos gastos públicos

Dentro de pouco tempo, começará uma pressão crescente, que se tornará insuportável, para que o governo “faça alguma coisa” para acelerar o crescimento econômico. Com um desemprego que cairá muuuuito lentamente, o “do something” ganhará força, o que pode levar o governo a tomar medidas irresponsáveis.

Seria muito bom que o presidente lesse este artigo do economista Affonso Celso Pastore, e resistisse às soluções fáceis, que têm como resultado aprofundar o buraco em que nos metemos.

Teto de gastos: uma explicação

A amiga Katia Izumida me pede para explicar o conceito de teto de gastos de maneira simples. Como essa deve ser uma dúvida de mais pessoas, afinal trata-se de um assunto muito técnico, vou tentar aqui.

Gosto de pensar no orçamento federal nos mesmos termos do orçamento doméstico. Afinal, é tudo dinheiro que entra e dinheiro que sai.

No nosso orçamento, uma grande parte é engessado. As despesas com escola, com o convênio de saúde, com o supermercado, com luz, água e gás, com aluguel ou prestação do apartamento, gastos com transporte, enfim, com as coisas essenciais, normalmente mexemos muito pouco, se é que mexemos.

Aí você tem uma outra categoria de gastos, que não são necessariamente menos essenciais, mas que podem ser adiados. Roupas, restaurantes, viagens. A gente pode adiar essas coisas, mas não muito. Quem aguenta ficar muito tempo sem uma roupa nova? Ou sem viajar ou se divertir de alguma maneira? São os falsos adiáveis, coisas com que um dia você vai precisar gastar.

O orçamento das pessoas, geralmente, é em grande parte formado pelo primeiro tipo de gasto, que são “incompressíveis”. Mais do que incompressíveis, eles se expandem no tempo. Queremos sempre algo melhor no supermercado, uma escola melhor para os filhos, um convênio melhor (na verdade, o preço do convênio aumenta sem ficar melhor rsrsrs).

Enquanto as receitas estão aumentando, tudo bem. O problema é quando param de aumentar ou cessam de uma vez por conta de uma demissão, por exemplo. Aí, os gastos “incompressíveis” vão tomando conta do orçamento e expulsando os gastos adiáveis. Só que tem uma hora que a coisa estoura! Como eu disse, é muito difícil ficar sem comprar uma roupa ou sem se divertir durante muito tempo.

O que fazemos com nosso orçamento, neste caso? Podemos, por exemplo, comprimir as despesas “incompressíveis”: compramos coisas mais baratas no supermercado, mudamos as crianças de escola, rebaixamos o convênio médico. Podemos também vender bens ou nos endividar. Claro que vender bens e endividar-se não resolve o problema, somente o adia. O problema somente será resolvido quando a receita for maior que a despesa.

O orçamento doméstico tem um teto de gastos natural, dado pela receita que temos. Mas isto é uma grande armadilha: aumentar as despesas acompanhando o aumento das receitas fará qualquer ajuste no futuro ser muito mais doloroso. A família se acostuma com um certo padrão de vida e, caso a receita caia abruptamente, a adaptação é muito difícil. O ideal é utilizar qualquer aumento de receita para fazer um pé-de-meia para um eventual tempo de vacas magras. Há duas vantagens nesta postura: a primeira é ter esta poupança. A segunda é viver com um padrão de vida um pouco menor do que a receita permitiria, o que torna uma eventual adaptação menos dolorida.

O governo caiu nessa armadilha com as quatro patas. Houve um aumento de receitas espetacular no grande ciclo das commodities (de 2003 a 2007). O que fez o governo, em todos os níveis? Aumentou despesas como se não houvesse amanhã. E quando falamos de governo, é bom lembrar que boa parte das despesas é “incompressível” por força de lei. Ou seja, os gastos “incompressíveis” são incompressíveis mesmo. Nada neste mundo consegue comprimi-los. Está escrito na lei e, para eliminar gastos incompressíveis é preciso mudar a lei. O resultado disso é que os gastos “adiáveis” são comprimidos até desaparecerem. Estes são os chamados “gastos discricionários”, aqueles para os quais não há uma lei forçando a mão do presidente. Para estes gastos, o executivo pode contingenciar, ou seja, deixar de gastar.

A lei do teto de gastos veio para tentar barrar o aumento desenfreado das despesas. Na verdade, é mais suave do que a lei que deveria existir e realmente resolveria o problema, que é gastar menos do que se arrecada. O governo está rodando com déficit! Em outras palavras, mesmo com o teto de gastos, a situação continua a se deteriorar! Este é o resultado de anos de aumento irresponsável de despesas.

O governo, assim como as famílias, pode vender bens (privatizar) ou se endividar para cobrir o rombo do orçamento. Mas a capacidade de se endividar termina quando os credores decidem que terminou. Isso não acontece da noite para o dia. No início, as taxas de juros cobradas sobem. Aos poucos, os credores dispostos a rolar a dívida vão diminuindo. Até que ocorre uma crise da dívida. Se você não sabe o que é isso, dê uma olhada na Argentina hoje.

Ao contrário do orçamento doméstico, os governos têm à mão a alternativa de imprimir o dinheiro com que pagam as suas dívidas e suas compras. Só que isso é uma ilusão: esse dinheiro sem lastro acaba perdendo o valor e, no final, não passa de papel pintado que ninguém quer. A isso chamamos de inflação.

Então, Katia, resumindo:
– O governo elevou despesas ao longo dos anos, com base em receitas crescentes. Quando as receitas caíram, descobrimos que as despesas são “incompressíveis”. Resultado: déficit nas contas e aumento da dívida.
– A lei do teto de gastos procura diminuir o ritmo de aumento das despesas. Trata-se de uma terapia suave, se comparado com o que deveria ser realmente feito, que é eliminar o déficit.
– A gritaria toda está nos gastos “adiáveis”, quando o problema real está nos gastos “incompressíveis”. Aí estão as vacas sagradas.

Isso tudo porque estamos falando somente do rombo primário, ou seja, sem considerar o pagamento de juros da dívida. A dívida acumulada por décadas de irresponsabilidade é tão gigantesca, que o pagamento dos juros é um capítulo à parte. E, mesmo que a dívida desaparecesse do dia para a noite (um calote, por exemplo), não teríamos nossos problemas resolvidos, pois ainda gastamos mais do que arrecadamos. Quem iria nos emprestar dinheiro para continuar a farra?

Os sacrifícios do governo

A meta de déficit fiscal é de R$ 136 bilhões. Atenção: não é de superávit. É de DÉFICIT. Mesmo assim, o governo vai parar em setembro porque não há dinheiro para cumprir esta meta.

Guedes está raspando o tacho, dessa vez antecipando o máximo possível de dividendos das estatais. Dividendos esses que somente seriam devidos no ano que vem. E no ano que vem? Sei lá, a gente se vira.

O governo está fazendo sacrifícios enormes para tentar se enquadrar. Sacrifícios com o bu do povo, que fique bem claro. Serviços essenciais estão ameaçados, desde a emissão de passaportes até o atendimento de saúde. Mas despreocupe-se quem está pensando que o governo está vivendo a pão e água. Vejamos:

– O STF decretou que salários públicos são irredutíveis. E, claro, funcionários públicos são inamovíveis.

– Entrantes em carreiras de Estado continuam recebendo o mesmo que profissionais tarimbados sequer sonham em ganhar na iniciativa privada.

– Penduricalhos continuam pendurados nos salários dos servidores, fora do alcance da Receita.

– Dentes continuam sendo tratados no Congresso, garantindo o sorriso dos representantes do povo.

– Municípios continuam sendo criados, para garantir o ganha-pão de novos prefeitos e vereadores.

– Aposentadorias integrais para ex-servidores com menos de 60 anos, incluindo moçoilas que tiveram a sorte de não se casar, continuam sendo religiosamente depositadas.

– E uma longa, longuíssima lista de privilégios adquiridos se segue.

Mas, para não ser injusto, a máquina está fazendo a sua parte. Ouvi dizer que as luzes da esplanada dos ministérios estão sendo apagadas às 18:00 hs e o cafezinho está sendo cortado. Mas, claro, descansem os espíritos mais sensíveis, sem tocar na copeira que ganha o equivalente a engenheiros: ela é irredutível e inamovível.

A grande reforma fiscal dos últimos anos foi a da Previdência. R$ 1 trilhão economizados nos próximos 10 anos. Grande parte dessa economia virá do grande público. Muito bem, assim tinha que ser. Afinal, de onde sairia o dinheiro para manter essa máquina de privilégios funcionando?

Municípios que não deveriam existir

Tive uma ideia de projeto de lei: e se o município que não prestasse contas fosse incorporado à algum outro que tivesse prestado contas? Só neste ano, teríamos o enxugamento de 1.029 municípios, claramente incapazes de andar com as próprias pernas. Seriam 1.029 prefeitos e câmaras municipais a menos, além de menos gastos com eleições.

Alguém conhece algum deputado para encampar essa ideia?

Crise do Pacto Federativo

Três notícias no jornal de hoje dão conta do que se convencionou chamar “crise do Pacto Federativo”.

Na República Velha, os Estados eram praticamente autônomos. O presidente da República era “eleito” com base em conchavos entre os presidentes dos Estados (na época, “governador” era “presidente”, o que simboliza a centralidade do ente sub-nacional). São Paulo e Minas Gerais eram os Estados que dominavam a politica na época, por serem os que lideraram a derrubada do Império.

Getúlio Vargas acabou com tudo isso. Ele sabia que não conseguiria governar tendo o poder descentralizado. Nomeou interventores para os Estados e concentrou todos os poderes no Palácio do Catete. E assim ficamos até hoje.

Discutir um novo Pacto Federativo significa descentralizar o poder novamente. E o poder é descentralizado quando o dinheiro é descentralizado.

Mas, como diria a tia do Homem-Aranha, “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Nos EUA, grande parte do poder é descentralizado. Os Estados e Municípios podem arrecadar e tomar dívida à vontade. Mas, quando quebram, a União não está lá para socorrê-los. Cada um com seus problemas.

Os Estados estão claramente quebrados. Difícil dizer se esta situação decorre das distorções causadas pelo Pacto Federativo de Getúlio Vargas ou de irresponsabilidade mesmo. Provavelmente trata-se de uma mistura de ambos. Discutir um novo Pacto Federativo, com maior autonomia de Estados e Municípios, significa também deixar os entes sub-nacionais cuidarem sozinhos de seus próprios problemas. Estarão preparados?