Privatizar é duro pra quem é mole

Hoje, Salim Mattar publicou um artigo no Brazil Journal, onde expõe as dificuldades do processo de privatização no Brasil, e afirma que saiu do governo porque o que foi realizado não compensou o esforço dispendido.

Lembrei-me de um artigo de Elena Landau, publicado no último dia 31/07.

Dentro do BNDES, Landau foi a diretora do programa de privatização do governo FHC. Era, por assim dizer, o Salim Mattar do FHC.

Landau descreve, neste artigo, o processo necessário para privatizar. Fala com conhecimento de causa: foi no governo FHC que se deram as mais importantes privatizações da década de 90, entre as quais Vale e o Sistema Telebrás. Trata-se de um processo difícil, complicado, como descrito por Salim Mattar.

Uma defesa que se faz do governo Bolsonaro nesta área é que é exigir demais grandes privatizações em menos de dois anos de governo. É verdade. Ocorre que, como todo processo, é preciso dar um primeiro passo, depois o segundo, e assim por diante, até completar. A crítica de Landau é que não foi dado sequer o primeiro passo. Muito discurso e pouca ação efetiva.

Critica-se também o Congresso, por não se alinhar com as supostas ideias liberais do governo, e interpor dificuldades insanáveis. Landau também endereça este ponto: como exigir do Congresso algo que sequer foi enviado para lá? FHC, assim como Sarney, Collor e Itamar Franco, privatizaram também com um Congresso hostil. Aliás, Congresso hostil é quase uma redundância. Cabe ao presidente construir a sua base para lidar com o Congresso.

Bolsonaro hoje publicou um post aqui no FB. Destaco o seguinte trecho: “Para agravar, o STF decidiu, em 2019, que as privatizações das empresas “mães” devem passar pelo crivo do Congresso”. Ora, isso é óbvio. Afinal, como diz Landau, trata-se de patrimônio público. Todas as privatizações foram objeto de lei, que passaram pelo Congresso. O STF só fez confirmar o entendimento. Culpar o STF e o Congresso não vai resolver o problema. A questão levantada por Landau continua válida: que projeto de privatização do governo está parado no Congresso? (A Eletrobrás não vale, esta foi enviada por Temer).

Então, ao ver o que outros governos fizeram e o que este fez em termos de programa de privatização, a única conclusão possível é a de que se trata de incompetência ou de falta de convicção. Eu prefiro esta última.

O desmonte da Petrobras

Quer saber? A nova conselheira da Petrobras está absolutamente certa.Que sentido tem uma empresa pública buscar lucros? Que sentido tem o governo arriscar seus parcos recursos em aventuras empresariais buscando lucros?

Uma empresa estatal somente tem sua razão de ser se for para implementar políticas públicas. Se for para imitar uma empresa privada, que seja privatizada pois.

Eu sou contra a existência de empresas estatais mesmo que seja para a implementação de políticas públicas. Entendo que o orçamento do Estado deveria ser único, debatido e aprovado pelo Congresso. Os balanços das estatais servem, muitas vezes, como forma do Executivo dar um bypass no Legislativo. Não custa lembrar que as “pedaladas fiscais” foram feitas com o balanço da Caixa, o congelamento dos preços dos combustíveis foi feito com o balanço da Petrobras e a recente capitalização da Emgepron para a construção de navios de guerra só foi possível porque este item não se submete ao teto de gastos. Estatais são verdadeiros orçamentos paralelos que podem ser usados discricionariamente pelo Executivo.

Mas, uma vez que existem, deveriam servir para implementar políticas públicas. Nesse sentido, é uma contradição em termos que empresas estatais sejam abertas e com ações em bolsa. A não ser o raríssimo caso em que os sócios privados estejam buscando o “bem público” ao invés de lucros, só se justifica em dois casos: probabilidade alta de privatização ou um governo que, por algum motivo, acha uma boa arriscar o dinheiro público em atividades de risco para gerar lucros. Este é o caso do atual governo, que não quer falar em privatização, mas administra a Petrobras como se privada fosse. É só uma questão de tempo para que essa contradição se imponha e gere prejuízos aos acionistas privados. Ela sempre se impõe.

Então, estou com a nova conselheira. Vamos parar de hipocrisia e dar nome aos bois: empresa estatal recebe este nome por ser estatal, não privada. O resto é wishful thinking.

Falta de vergonha na cara

Adriana Fernandes, colunista de economia do Estadão, levanta uma bola que eu queria ter comentado nessa semana mas não o fiz por falta de tempo: a capitalização de uma estatal chamada Emgepron, vinculado ao Ministério da Defesa. Foram R$7,6 bilhões autorizados por Bolsonaro no finalzinho do ano passado.R$7,6 bilhões para construir 5 navios de guerra! Sério que esta é a prioridade do Brasil?

Em reportagem de hoje (abaixo), o Estadão traça um quadro deprimente sobre os conflitos por água no Nordeste. No trecho que destaquei, ficamos sabendo que as obras de transposição do São Francisco consumiram R$10,8 bilhões nos últimos 13 anos. Desses, o governo Bolsonaro empenhou R$1,3 bilhão. São números com a mesma ordem de grandeza da construção de 5 navios de guerra.

O problema do Brasil não é falta de recursos. É falta de vergonha na cara.

A privatização da PDVSA

A ideologia acaba quando começa a fome.

Agora, imagine o preço que a Venezuela vai conseguir pela sua sucata. Sabendo-se, inclusive, que a chance de uma reestatização hostil mais à frente não é desprezível.

A parte mais interessante, no entanto, é a tela azul no sistema da esquerda. Quero ver alguém defendendo a Petrobrás estatal depois que a PDVSA for vendida.

Mais uma estatal

20 minutos do primeiro tempo e levamos um gol no contra-ataque, apesar da pressão e promessas privatistas.

Ainda tem muito jogo pela frente, o time é bom, o discurso melhor ainda. Mas vamos ver como o time reage saindo atrás no placar.

Reestatizando a Vale

A Vale vale hoje R$250 bilhões em bolsa. Digamos que uma reestatização reduzisse esse valor à metade. O desembolso do governo para recomprar a empresa seria de uns R$60 bilhões. Nada que um pouco mais de dívida não resolvesse.

Em 1997, quando foi privatizada, a Vale exportava algo como US$3 bilhões/ano. Hoje, exporta em torno de US$ 21 bilhões/ano. Em 1997 tínhamos déficit na balança comercial, hoje temos superávit, graças ao agronegócio e à Vale.

Em 1997, a Vale gerou lucro de US$220 milhões. Em tese, se todo esse lucro fosse distribuído, como a União tinha 40% do capital total, os dividendos recebidos seriam de US$88 milhões. O lucro gerado em 2018 foi de US$6,6 bilhões. Considerando uma alíquota de IR de 15%, isso gera US$ 1 bilhão em impostos. Fora os royalties.

Mas nada como devolver as riquezas do povo para o povo. E, de quebra, ter muitas diretorias para distribuir aos aliados e um cofre cheio para pilhar. Tudo em nome do social.

Enxugando gelo

Já escrevi aqui algumas vezes (a última, a respeito da criação da NAV, a mais nova estatal do governo brasileiro), que o tão festejado ímpeto privatista do governo Bolsonaro ainda está longe de se provar.

Elena Landau, uma das responsáveis por levar adiante as grandes privatizações da década de 90, resume, neste breve artigo, todos os sinais acumulados, até o momento, de que as privatizações são agenda secundária neste governo. Vale a leitura.

A mais nova estatal brasileira: a história completa

Está aí a história completa da mais nova estatal do governo Bolsonaro.

O que me chamou a atenção foi o fato do Mattar ter procurado um deputado do Partido Novo para brigar na Câmara. Não encontrou nenhum deputado do PSL, partido do governo, para comprar a briga? Pior: Flávio Bolsonaro foi o relator da MP no Senado. O que só confirma a minha hipótese de que Paulo Guedes e sua equipe formam uma ilha de liberalismo em um governo (e partido) que cultivam o corporativismo.

A MP vai para a sanção de Bolsonaro. Vamos ver. Tomara que eu queime a língua.

Vontade de privatizar

Salim Mattar reclama da burocracia para privatizar. Não conseguimos sequer vender o excesso de ações do Banco do Brasil que estão nas mãos da União. O BNDES se enrolou na burocracia e não vai conseguir vendê-las. No entanto, somos rápidos na criação de estatais: o atual governo já criou uma, a NAV Brasil, que vai herdar as atividades (e funcionários) da Infraero. Era para ter zero estatais no setor aéreo, agora temos duas.

Collor acabou com a Siderbras e privatizou a Usiminas.

Itamar Franco privatizou a CSN e a Embraer.

FHC privatizou a Vale e todo o sistema Telebras.

Perto de CSN, Embraer, Vale e Telebras, privatizar os Correios não parece ser um desafio especialmente difícil. Tenho fé de que o governo mais privatista da história vai conseguir.

1 x 0 para o time das estatais

O time reúne a nata do liberalismo. Só tem craque. Entra em campo como franco-favorito. Começa tocando a bola de lado, estudando o adversário. De repente, em um cochilo, leva um contra-ataque mortal e sofre um gol que ninguém esperava.

Senado aprova MP que cria estatal de navegação aérea NAV Brasil

1 x 0 para as estatais. A esta altura do jogo, a torcida já esperava a inauguração do placar pelo time liberal, mas nenhuma privatização foi feita ainda. E ainda por cima levamos esse gol.

Mas são só 20 minutos do 1o tempo, e nosso time é muito melhor. Certamente vamos virar o placar e ganhar de goleada. Don’t panic.