O presidente da Petrobras, general Silva e Luna, publica hoje artigo explicando o preço da gasolina. Dos R$ 6,10 na bomba, apenas R$ 2,00 seriam “culpa” da empresa. Para os restantes R$ 4,10, os “culpados” são os intermediários (R$0,60), a mistura do etanol (R$ 1,00) e os impostos (R$ 2,50). Desses R$ 2,50, R$ 1,65 correspondem ao ICMS. E é aí que o presidente da maior empresa brasileira abandona a análise técnica e começa a fazer política. Como um analista distante, pontifica que os impostos são “excessivos”. Os impostos dos outros, claro.
Bolsonaro, que Silva e Luna emula nesse artigo, vem usando os governos estaduais como bode expiatório para o preço dos combustíveis. Faz sentido? Vejamos.
Em números redondos, a arrecadação do ICMS nos primeiros 4 meses desse ano foi de R$ 200 bilhões. Usando uma regra de três simples, podemos estimar em R$ 600 bilhões a arrecadação anual com esse imposto estadual. Os combustíveis representam mais ou menos 15% desse total, ou R$ 75 bilhões. Se os governos estaduais abrissem mão do ICMS sobre combustíveis, esta seria a arrecadação perdida. É isso que o governo federal está sugerindo.
Vamos voltar um pouco para os fundamentos do sistema arrecadatório brasileiro. A Constituição de 88 estabeleceu que os estados financiariam as suas atividades com impostos incidentes sobre o comércio, e os municípios com os impostos incidentes sobre os serviços. São justamente os impostos que tornam as mercadorias mais caras. Não somente os combustíveis ficam mais caros, mas eletricidade, comida e uma longa lista de etceteras.
Já a União tributa com impostos que ficam mais “escondidos” nos balanços das empresas: basicamente o IPI, PIS/Cofins, os impostos sobre a folha de pagamento e o IR sobre o lucro. A LDO de 2022 prevê cerca de R$1,3 trilhões de arrecadação desses impostos mais o IR sobre a pessoa física. Portanto, o dobro da arrecadação do ICMS. Esses impostos também pesam sobre os combustíveis, pois oneram a atividade da Petrobras, mas não “aparecem” na nota fiscal.
E mais: os estados usam essa arrecadação para pagar professores, polícia e uma longa lista de serviços mantidos pela esfera estadual. E não têm o poder que a União possui de se endividar. A LDO de 2022 prevê um déficit de R$ 170 bilhões na esfera federal, que será coberto com emissão de dívida. Os estados não podem fazer isso. O que Bolsonaro sugere para cobrir o rombo de R$ 70 bilhões com a suposta não cobrança de ICMS sobre combustíveis? O governo federal arcaria com as despesas correspondentes? Qual a sugestão?
O Brasil tem, de longe, a maior carga tributária entre as economias emergentes, para não dizer pobres. Se o nome do tributo é ICMS, IPI ou IR, pouco importa. O fato é que o governo, em suas três esferas, é o grande sócio oculto do brasileiro. Bolsonaro e seus bate-paus querem nos fazer crer que os únicos culpados são os governadores. Não são. Ou, pelo menos, não são só eles. A única conversa séria possível sobre o tema é racionalizar os gastos do Estado brasileiro. Mas isso dá muito trabalho. Bolsonaro e Silva e Luna, que viveram à custa de nossos impostos a vida inteira, preferem usar truques de ilusionismo, jogando a culpa em bodes expiatórios convenientes. Acredita quem quiser.
Este é o demonstrativo de resultados de uma empresa privada:
E este é o demonstrativo de resultados de uma empresa estatal:
Deu para perceber a diferença? Não? É porque não há diferença. Uma empresa estatal possui exatamente a mesma dinâmica de uma empresa privada: produz e vende algum bem ou serviço, paga fornecedores, funcionários, juros e impostos, e o que sobra é o lucro, a ser distribuído para os acionistas da empresa.
Vamos avançar um pouco mais. O balanço de uma empresa, privada ou estatal, é mais ou menos o seguinte:
Os acionistas aportam seu rico dinheirinho, tomam dinheiro dos bancos ou de outros credores e, com esse dinheiro, compram os ativos (equipamentos, imóveis etc.) que servem para produzir o bem ou o serviço. É simples.
Agora, o que acontece se a empresa tem prejuízo? Veja no diagrama abaixo:
O prejuízo causa uma diminuição no valor da empresa para os acionistas e um aumento das dívidas. No limite, podem acontecer três coisas:
Os acionistas aportam mais dinheiro.
A empresa vende ativos para pagar uma parte das dívidas.
A empresa fecha.
Tudo isso é comum às empresas privadas e estatais. Agora, vamos falar de algo que diferencia estes dois tipos de empresa.
Ambos os tipos de empresas pagam juros para os seus credores e dividendos para os seus acionistas. É neste ponto que a empresa estatal difere da empresa pública: o acionista da empresa estatal é o governo. Enquanto o acionista da empresa privada está interessado no retorno de seu capital, o governo está mais preocupado com o “retorno social” da empresa. Nesse sentido, o governo renunciaria a seus dividendos em troca de algum ganho social.
O único motivo plausível para a criação de uma empresa estatal é a geração de benefícios sociais. Estabelecer uma empresa estatal para dar lucro não faz sentido, pois não faz sentido arriscar o caixa do governo em atividades empresariais, atividade própria da iniciativa privada. O caixa do governo deve ser usado única e exclusivamente para gerar benefícios sociais, e a empresa estatal é um instrumento para alcançar este objetivo.
Quais seriam esses “benefícios sociais”? Para a tese que vamos desenvolver a seguir, pouco importa. Pode ser controlar setores estratégicos da economia, desenvolver atividades que não são lucrativas para a iniciativa privada mas que são úteis para a sociedade, geração de empregos, controle de preços de produtos ou serviços, desenvolvimento regional, apoio à indústria nacional e uma longa lista de eteceteras, somente limitada pela imaginação fértil dos responsáveis pelas políticas públicas. Como dissemos, pouco importa. O que importa é que, de alguma maneira, aquela última linha do demonstrativo de resultados, o lucro, será sacrificada em prol do benefício social.
Há basicamente duas formas em que uma empresa estatal sacrifica o lucro. Vejamos o esquema bem simplificado a seguir, que representa uma empresa privada e duas empresas estatais, A e B. As três empresas são do mesmo tamanho e atuam no mesmo setor econômico.
A primeira pizza mostra a empresa privada, que gera vendas de 100, tem custos de 75 e lucro de 25. A empresa estatal do tipo A gera os mesmos 100 de vendas, mas tem custos maiores que a empresa privada, 90, gerando lucros de apenas 10. Os custos da empresa estatal A podem ser maiores porque possui proporcionalmente mais funcionários, ou porque compra de fornecedores nacionais que vendem mais caro, ou ainda porque mantém agências pouco produtivas em localidades distantes. O fato é que, por cumprir alguma missão social, seus custos são mais altos.
Já a empresa estatal do tipo B apresenta um faturamento menor que a empresa privada, apesar de vender a mesma quantidade de mercadorias. Isso pode acontecer porque a empresa estatal B está subsidiando os preços de suas mercadorias, vendendo mais barato do que seria possível se fosse uma empresa privada. Como os custos permanecem os mesmos, o lucro é menor do que se fosse uma empresa privada.
As empresas estatais costumam ser uma mistura dos tipos A e B vistos acima. E notem que nem estamos entrando em outras searas, como a mais baixa produtividade ou a corrupção, que também diminuem o lucro, mas sem gerar benefícios sociais. A análise considera somente a parte meritória da existência da empresa estatal.
O ponto importante aqui é o seguinte: não faz sentido o Estado ser empresário, controlar uma empresa, para gerar o mesmo lucro que geraria uma empresa privada. A estatal serve tão somente para a implementação de políticas públicas. Caso contrário, o Estado estaria arriscando o seu caixa em empreendimentos, enquanto deveria estar usando esses recursos em investimentos com retorno social. Seria como um chefe de família que jogasse na loteria o dinheiro destinado a comprar alimentos para a sua casa.
Tendo isso em mente, vamos abordar os problemas envolvidos nos dois tipos de empresas estatais: a empresa de capital 100% estatal e a empresa de capital misto.
A empresa 100% estatal
Uma empresa 100% estatal (a Caixa Econômica, por exemplo) tem como seu único acionista o Tesouro Nacional. Portanto, é o Tesouro (ou seja, todos nós) que banca as políticas sociais patrocinadas pela empresa estatal. Como vimos, o custo dessas políticas sociais reflete-se na diferença entre o lucro obtido pela empresa estatal e o lucro teórico de uma empresa privada equivalente.
É importante observar que este custo é real, não é teórico. Considere o investimento alternativo: digamos que, ao invés de o governo investir seus recursos para estabelecer uma empresa estatal, investisse o mesmo montante comprando ações de uma empresa privada equivalente no mesmo ramo. Representamos estas duas possibilidades a seguir.
Neste exemplo, se o governo fosse sócio de uma empresa privada, receberia dividendos no valor de 25 dinheiros, e usaria esses recursos para investir em benefícios sociais. Note que estes 25 dinheiros passam pelo crivo do Congresso para serem gastos: trata-se de uma dotação orçamentária.
Na alternativa em que o governo estabelece uma empresa estatal, os dividendos são menores (10 dinheiros), mas o lucro não obtido (15 dinheiros) é direcionado para benefícios sociais. Note que o resultado final é rigorosamente o mesmo, em tese. Há, no entanto, duas diferenças fundamentais entre essas duas alternativas:
1) A empresa estatal, em geral, é menos eficiente do que a empresa privada. Não necessariamente porque seus empregados sejam menos produtivos, mas porque a estatal precisa funcionar sob regras relativas ao dinheiro público (regras de licitações etc.) que amarram a sua administração. Basta ver a dificuldade de a Petrobras vender as suas refinarias: o que seria uma decisão de business normal na iniciativa privada torna-se um calvário de recursos judiciais sem fim quando se trata de uma estatal. Sem contar a possibilidade de corrupção. De modo que, desses 15 dinheiros de custos adicionais, nem tudo vai para benefícios sociais. Uma parte é destinada ao pedágio da estrutura estatal.
2) Este segundo ponto é o mais importante: note que uma parte dos benefícios sociais é financiada diretamente pela empresa estatal (no exemplo, os 15 dinheiros). Não passa pelo orçamento da entidade governamental. A decisão de aplicação daquele dinheiro é terceirizada para a estatal. E quem manda na estatal? Depende da força política que se “apossa” da empresa. Então, temos um processo de dotação de recursos muito menos transparente. Neste caso, os gastos públicos estão usando uma espécie de “orçamento paralelo”, representado pelo balanço da empresa estatal, longe dos olhos do grande público. A elaboração do orçamento público é o palco onde, nas democracias, se decidem as prioridades do Estado. A estatal serve para esconder uma parte desse orçamento, em um mecanismo pouco democrático, onde alguns poucos têm o poder de decidir sobre o destino de recursos públicos.
Sobre este último ponto, vejamos um exemplo concreto, justamente aquele que mexeu com a opinião pública nos últimos dias: o preço do diesel praticado pela Petrobras. Apliquemos o esquema visto acima a este caso.
Observe como, se o governo brasileiro fosse dono de ações da Exxon (ou de uma Petrobras administrada como se empresa privada fosse), receberia 25 dinheiros de dividendos, e estes recursos passariam por uma decisão do Congresso, que poderia ou não dirigir uma parte deles (no caso, 15 dinheiros) para subsidiar os combustíveis. Já no caso da empresa estatal, o subsídio oculto representado pelo represamento dos preços dos combustíveis vai automaticamente para o subsídio aos motoristas. Quem decidiu esse subsídio? Não foi uma instância democrática, em que os recursos escassos da sociedade são disputados a tapa na confecção do Orçamento Público.
Ao invés de a Petrobras subsidiar os combustíveis, que tal o Congresso criar um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis com recursos orçamentários? Fica aqui o desafio de encontrar os recursos no orçamento para formar esse fundo. Se não existem, vale usar o orçamento da Petrobras para esconder esses gastos dos olhos públicos?
Mas a coisa pode ficar ainda pior.
A empresa estatal de capital misto
Na empresa estatal de capital misto, investidores privados são sócios do Estado. Ou seja, a partir do que vimos acima, os investidores privados topam participar da geração de benefícios sociais através do uso de empresas estatais.
Mas, alguém poderia perguntar: por quê?
O que afinal leva um investidor privado, que tem à sua disposição inúmeras opções de investimentos em empresas privadas, a optar por colocar parte do seu dinheiro em uma empresa que, como vimos acima, por definição, usará uma parte de seu lucro para distribuir benefícios sociais?
A resposta é simples: tudo tem um preço.
O investidor privado cobrará mais caro para ser sócio de uma empresa estatal do que de uma empresa privada equivalente. O que significa este “cobrar mais caro”? Simples: pagará menos por uma fatia do capital da empresa estatal do que pagaria por uma fatia equivalente da empresa privada.
Vamos lembrar do nosso exemplo acima. A empresa privada paga 25 dinheiros de dividendos e a empresa estatal equivalente paga 10, pois 15 são os custos adicionais dos benefícios sociais. Ora, digamos que o investidor privado queira ter um retorno de 10% sobre o seu capital. Como a empresa privada paga 25 dinheiros de dividendos, este investidor estaria disposto a pagar 250 por uma fatia da empresa. Já para ser sócio da empresa estatal, o mesmo investidor estaria disposto a pagar, no máximo, 100.
Em resumo: o investimento sempre será proporcional ao retorno esperado. Mas o que isso significa na prática? Significa que a Petrobras paga mais caro pelo capital que capta no mercado.
Aliás, isso nos faz dar um passo atrás e nos perguntar: mas afinal, por que o governo precisa de sócios privados? Não seria tudo mais fácil se a empresa pertencesse totalmente ao governo? Sim, seria. O problema, como sempre, se reduz a um só: falta de dinheiro.
A empresa estatal precisa de recursos para fazer investimentos e, assim, viabilizar as suas atividades. No entanto, como sabemos, são inúmeras as necessidades competindo pelo orçamento público. Então, a solução é chamar sócios com dinheiro.
(Só um aparte: em 2010, a Petrobras fez a maior capitalização da história do mercado de capitais brasileiro para investir nos poços do pré-sal. O governo entrou com o petróleo que seria descoberto, enquanto os sócios privados entraram com o dinheiro (R$ 120 bi na época). Na época, a ação valia R$ 20 (já ajustada pelos dividendos do período), e hoje, mais de 10 anos depois, valem R$ 22. A poupança rendeu mais no período).
Ao fazer isso, o governo assume o compromisso de gerir a empresa estatal como se privada fosse. Mas é um “me engana que eu gosto”: o Estado faz de conta que não quer extrair benefícios sociais da empresa e o investidor privado faz de conta que acredita. Claro, como dissemos antes, esse jogo de faz-de-conta tem um preço: o desconto no valor da ação da empresa.
Vamos a um exemplo prático.
A Exxon produz cerca de 2,3 milhões de barris/dia de petróleo, mais ou menos o que produz a Petrobrás. No entanto, o valor de mercado da Exxon é de US$ 230 bilhões, enquanto da Petrobrás é de US$ 53 bilhões.
Ou seja, quando você compra uma ação da Exxon, você está pagando o equivalente a mais ou menos 100 mil dólares por barril/dia de produção. Já quando você compra uma ação da Petrobras, o preço de cada barril/dia de produção da petroleira brasileira vale aproximadamente 23 mil dólares, ou um quarto do valor da Exxon. O mesmo petróleo. Por quê? Porque o investidor espera, ao longo do tempo, ter quatro vezes mais lucro com Exxon do que com a Petrobras.
(A conta não é assim tão simples. Os negócios das duas empresas não são exatamente os mesmos, então a comparação precisa ser feita com cuidado. Mas a diferença de preços é suficientemente grande para fazermos o ponto aqui).
Mas o mais importante vem agora: o que isso significa para a empresa que precisa levantar recursos junto aos investidores para tocar suas operações? Significa que a Exxon consegue levantar quatro vezes mais capital do que a Petrobrás ao vender a mesma fatia da empresa. Isso se chama custo de capital. Ou seja, o trabalho e o esforço que os funcionários da Petrobras empregam para retirar um barril de petróleo de debaixo da terra vale quatro vezes menos do que o trabalho e o esforço que os funcionários da Exxon dispendem para o mesmo resultado. Tudo isso porque existe o tal “benefício social” extraído da empresa.
A propósito, os acionistas privados não têm muito do que reclamar quando, de vez em quando, o governo, acionista majoritário, rasga a fantasia e deixa explícito qual o verdadeiro objetivo da existência da empresa. Afinal, estão pagando muito mais barato do que se investissem em uma equivalente privada. Não existe almoço de graça.
Uma nota final sobre ESG
O investimento com preocupação social está na moda. A sigla ESG (Meio-ambiente, Social, Governança, na sigla em inglês) está se tornando onipresente. Segundo a filosofia ESG, toda empresa deveria se engajar em iniciativas de preservação do meio-ambiente, inclusão de minorias, diminuição das desigualdades e, ao mesmo tempo, tratar com respeito os acionistas minoritários.
Não estariam as empresas estatais justamente na vanguarda do ESG? Afinal, como já ouvi por aí, a preocupação em distribuir “benefícios sociais”, que é da própria essência das empresas estatais, deveria ser uma preocupação de todas as empresas privadas também. Gerar lucro já não seria o único e nem sequer o principal objetivo de uma empresa. As questões ESG seriam o novo paradigma dos negócios do século XXI.
O que dizer?
Em primeiro lugar, essa é uma interpretação rasa do que seja ESG. Em momento algum se pretende colocar o lucro em segundo plano. A geração de lucro continua sendo o objetivo principal das empresas, mesmo porque, sem remunerar adequadamente o capital, nenhuma empresa sobrevive para se engajar em causas sociais.
Na verdade, gerar lucro é a principal contribuição que uma empresa pode dar para a sociedade, pois significa que está adicionando valor para os seus consumidores. E é a adição de valor que gera crescimento econômico e riqueza no longo prazo. Os critérios ESG vieram justamente para garantir a geração de lucro no longo prazo, ao garantir a sustentabilidade dos negócios. Uma empresa predatória, que se aproveita de esquemas pouco éticos, pode até gerar lucros no curto prazo, mas não consegue sustentá-los ao longo do tempo. ESG significa explicitar princípios que irão garantir a sustentabilidade da geração de lucros no longo prazo. Note que não se trata de renunciar à maximização de lucros ao longo do tempo, pelo contrário.
Neste sentido, o que o governo ameaça fazer com a Petrobrás fere dois dos princípios ESG: 1) ao sugerir que pode subsidiar combustíveis, está incentivando o uso de combustíveis fósseis e 2) não está cumprindo com seu dever fiduciário junto aos acionistas privados minoritários, que têm direito a uma gestão não ruinosa da companhia.
E que fique claro que não se enquadra entre os princípios ESG a missão de apaziguar os ânimos de caminhoneiros e garantir a paz social. Esta é uma função do acionista majoritário, não da empresa por ele controlada.
É realmente inacreditável a capacidade de Bolsonaro arrumar briga que, no final, só vai prejudicá-lo. O último caso é o dos preços dos combustíveis.
O preço do petróleo no mercado internacional está despencando por conta do coronavírus, refletindo uma queda pontual do consumo chinês. A Petrobras está aproveitando para diminui os preços da gasolina em suas refinarias. Seria uma ótima notícia, que seria surfada por qualquer governo. Mas não, Bolsonaro arrumou um jeito de transformar uma boa notícia em uma briga de rua.
Ocorre que a diminuição dos preços nas refinarias não está chegando nas bombas. Alguém soprou para o presidente que o problema é a forma de cálculo do ICMS: como os Estados consideram a base de cálculo fazendo uma média de 15 dias, a queda dos preços demora um pouco para afetar essa média. O resultado é o aumento da incidência do imposto, pois a base de cálculo é maior do que o preço na ponta. O efeito inverso também ocorre: quando há um aumento dos preços nas refinarias, a base de cálculo demora um pouco a ser recalculada, e a incidência do imposto fica proporcionalmente menor. Não sei porque existe essa metodologia de cálculo, suponho que seja para facilitar a administração dos impostos.
Enfim, seria apenas uma questão de dias para que os preços começassem a diminuir nas bombas, como sempre. Mas Bolsonaro viu aí uma oportunidade de estocar os que ele vê como inimigos políticos: os governadores, principalmente Doria e Witzel. Começou uma discussão extemporânea sobre impostos, justamente às vésperas de começar a tramitação pra valer da reforma tributária.
Como sabemos, essa reforma é complicadíssima, e não sai se não houver um alinhamento com os Estados. Qual o objetivo de Bolsonaro ao arrumar briga com os governadores? Arrumar uma desculpa para o eventual fracasso da reforma? Enfraquecer seus adversários políticos de 2022? Posar de defensor dos caminhoneiros às custas dos governadores? Ou se trata apenas de um ato irrefletido de um presidente que não está preparado para enfrentar questões desta complexidade? Qualquer que seja a explicação, nenhuma justifica esse bate-boca ginasial.
Estamos todos ansiosamente aguardando a proposta de reforma tributária do governo desde a aprovação da reforma da previdência. Já lá se vão 6 meses. O máximo que saiu do Planalto foram ensaios de uma CPMF natimorta e agora o “imposto sobre o pecado”. E, além de não ter proposta, Bolsonaro destrói as pontes que vai precisar para aprovar uma reforma digna do nome. Vamos depender, mais uma vez, do Congresso para fazer a lição de casa.
Assim como ocorre com a energia elétrica e vários outros produtos, os combustíveis são caros no Brasil porque são muito tributados. A discussão agora se dá sobre eventual redução do ICMS para contrapor um possível aumento dos preços do petróleo no mercado internacional. Obviamente não vai acontecer, porque os Estados estão quebrados e não podem abrir mão de receita.
É comum, nesses momentos, surgirem “soluções indolores” para o problema. É o caso de um tal “fundo federal de estabilização de preços dos combustíveis”. O funcionamento desse fundo seria simples: quando o preço do petróleo caísse, ele seria capitalizado com a diferença entre o preço do petróleo no mercado internacional e o preço do petróleo praticado no mercado interno. Ou seja, a Petrobrás não baixaria os preços dos combustíveis e usaria o lucro gerado por cobrar mais caro para capitalizar esse fundo. Quando, por outro lado, o preço do petróleo subisse no mercado internacional, recursos desse fundo seriam usados para compensar a Petrobrás por praticar preços mais baixos.
Vejamos os problemas dessa brilhante ideia.
O primeiro é a capitalização inicial. Quanto dinheiro seria necessário? O governo tem esse dinheiro? Digamos que o fundo nascesse com o dinheiro necessário para segurar os preços dos combustíveis no atual patamar de US$70/barril até os preços internacionais atingirem US$75 ou Us$80. O que acontece depois? Bem, depois os preços voltam a subir, porque acabou o dinheiro. Digamos, por outro lado, que o conflito no Irã não dê em nada e os preços do petróleo caiam. Mas agora, os preços dos combustíveis não caem, estão congelados no nível de US$70/barril. A diferença servirá para capitalizar a Petrobras.
Ou seja, o fundo de estabilização cria, na verdade, um piso para o preço dos combustíveis: para baixo do preço atual não passa, mas pode ir para cima, quando o dinheiro do fundo de estabilização terminar.
Mas, e esse é um detalhe importante, essa coisa não é simétrica. Explico: se a Petrobrás não baixar os preços dos combustíveis no mercado interno quando o preço do petróleo cair, atrairá importadores independentes, que aproveitarão a diferença entre os preços locais (mais altos) e os internacionais (mais baixos), lucrando com isso. Ou seja, o lucro adicional da Petrobrás, que serviria para capitalizar o fundo de estabilização, iria parar nas mãos de competidores privados. Portanto, quando o preço do petróleo voltasse a subir, o fundo de estabilização não contaria com os recursos necessários para segurar os preços! A forma de evitar este fenômeno seria proibir a atuação de importadores independentes, o que, além de criar um mercado clandestino de combustíveis, reforçaria o monopólio da Petrobras. Mas essa seria uma medida do PT, não do Paulo Guedes, o defensor número 1 do livre mercado.
A ideia de um “fundo de estabilização” é dessas usadas pelos políticos para não atacar o problema de fundo: os gastos perdulários dos entes governamentais e a estrutura tributária injusta que temos no Brasil. Enquanto profissionais liberais fazem de conta que pagam impostos, insumos importantíssimos para a economia, como eletricidade e combustíveis, são absurdamente taxados, onerando principalmente os mais pobres. Este é o problema.
“Você não pode ter uma política predatória no preço combustível para salvar a Petrobras e matar a economia brasileira. Qualquer coisa no combustível reflete no preço da mercadoria que tá lá na ponta. Ninguém quer a Petrobras com prejuízo, mas também não pode ser uma empresa que usa do monopólio para tirar o lucro que bem entende.”
Ciro não teria dito melhor.
Dilma não teria dito melhor.
Um mérito Bolsonaro tem: ninguém vai poder acusá-lo de estelionato eleitoral.
Deixe-me ver se entendi corretamente: a ANP espera atrair investidores privados congelando periodicamente seus preços, é isso? Muito esperto, como não pensamos nisso antes.
Ufa! Fiquei aliviado em saber que todo o poder de polícia do governo será usado para controlar preços e não em coisas secundárias como o combate ao crime organizado, por exemplo.
Quem tem mais de 40 anos vai lembrar da Sunab, Superintendência Nacional de Abastecimento. Era o órgão responsável por fiscalizar os preços na década de 80.
O PROCON fiscalizando preço de combustível na bomba vai dar muito certo, pode apostar.