Quem quer, faz

Ain, porque o Congresso…

Ain, porque o Supremo…

Ain, porque a mídia…

Ain, porque as eleições…

O governo de SP apresentou um pacote de austeridade fiscal prevendo fim de estatais, corte de incentivos fiscais e demissão (voluntária) de funcionários públicos. Doria mobilizou sua base, negociou durante semanas, tirando os pontos mais polêmicos do pacote e enfrentando a ira das corporações. Ontem o pacote foi aprovado.

Quem quer, faz. Quem não quer, fica colocando a culpa nos outros.

O mundo do faz-de-conta

O mundo de faz-de-conta da Constituição de 1988, corroborado pelo entendimento da maioria do STF.

Enquanto a letra da lei diz que não pode haver corte de salários, as limitações do orçamento fazem com que os funcionários públicos em muitos estados tenham seus salários atrasados. Na prática, já há corte de salários. Mas é bonito de se ver o esforço de se manter as aparências.

Enquanto isso, aqui fora do aquário, desemprego e cortes de salários comem soltos. Mas tudo bem, porque o governo está jogando migalhas de R$600, dinheiro tirado do outro bolso de quem recebe. Afinal, é preciso manter as aparências.

Herança maldita

Passando aqui só para lembrar: essa dinheirama que os governos estão distribuindo à mão farta é nosso. Só estamos tomando emprestado do nosso futuro.

PS.: nada contra. É só não nos iludirmos de que surgiu dinheiro assim, do nada.

Absorvendo despesas

Vejamos.

Digamos que o público-alvo deste programa seja o mesmo que recebe o bolsa-família. Hoje são cerca de 13,5 milhões de famílias que recebem o benefício. Considerando uma média de 4 membros por família, temos um total de 27 milhões de mulheres recebendo o BF (considerando duas mulheres por família). Considerando ainda que 2/3 dessas mulheres estejam em idade fértil, temos 18 milhões de mulheres potencialmente beneficiadas pelo novo programa.

No Mercado Livre, podem ser encontrados pacotes de absorventes por cerca de R$1,00 a unidade. Digamos que, com o seu poder de compra, o governo conseguisse comprar o material por R$0,75 a unidade. Com R$119 milhões (valor anual previsto pela deputada para o programa), teríamos um pouco menos de 6 absorventes/ano/mulher.

Por motivos óbvios não sou especialista no assunto. Pergunto então para as especialistas que leem esta página: 6 absorventes/ano são suficientes?

Não vou entrar no mérito da iniciativa, pode ser até muito boa, não tenho condições de opinar. Mas, para qualquer política pública, é necessário antes calcular o REAL impacto em termos financeiros. Senão, a conversa já começa viciada.

PS.: claro que o governo pode tentar baratear ainda mais o custo, fundando uma estatal para fabricar os absorventes. Nada é tão ruim que não possa piorar.

Mas não tem crise?

Já escrevi aqui sobre a reivindicação dos professores das universidades estaduais paulistas de poderem ganhar acima do teto constitucional, que é o salário do governador. Não vou aqui entrar no mérito da justeza da reivindicação. Meu ponto é apenas financeiro.

Leio estupefato, em reportagem no Valor de hoje, a afirmação dos docentes de que tal reajuste não afetará financeiramente as contas do Estado, pois o repasse continuará sendo o mesmo: 9,57% do ICMS.

Fiquei estupefato porque, para mim, as universidades paulistas estão em crise financeira, sem condições de tocar obras e, até, de pagar o 13o salário de servidores, conforme podemos observar nas manchetes abaixo.

Se estão em crise financeira, como arrumarão dinheiro para pagar aumentos salariais que sequer estavam previstos no orçamento???Agora, ficamos sabendo que a USP está trabalhando com superávit, e que este reajuste deve poder ser pago com o orçamento já aprovado de 2020. O mesmo deve estar acontecendo com as outras duas universidades, pois não se fala mais em “crise financeira”.

Então, fica aí a lição: quando você ouvir falar em “crise financeira” das universidades, saiba que é fake news. Quando interessa, tem dinheiro sobrando.

Falta de vergonha na cara

Adriana Fernandes, colunista de economia do Estadão, levanta uma bola que eu queria ter comentado nessa semana mas não o fiz por falta de tempo: a capitalização de uma estatal chamada Emgepron, vinculado ao Ministério da Defesa. Foram R$7,6 bilhões autorizados por Bolsonaro no finalzinho do ano passado.R$7,6 bilhões para construir 5 navios de guerra! Sério que esta é a prioridade do Brasil?

Em reportagem de hoje (abaixo), o Estadão traça um quadro deprimente sobre os conflitos por água no Nordeste. No trecho que destaquei, ficamos sabendo que as obras de transposição do São Francisco consumiram R$10,8 bilhões nos últimos 13 anos. Desses, o governo Bolsonaro empenhou R$1,3 bilhão. São números com a mesma ordem de grandeza da construção de 5 navios de guerra.

O problema do Brasil não é falta de recursos. É falta de vergonha na cara.

Da mão para a boca

Um artigo e uma notícia na mesma página. O artigo é de Adriana Fernandes, que escreve sobre a situação dos governos regionais, protegidos por decisões do STF que os desobrigam a fazer ajustes para receber recursos da União. A notícia nos informa que 25% dos municípios brasileiros não têm dinheiro para pagar o 13o salário e pretendem usar o dinheiro do pré-sal para esse fim.

O artigo chama a atenção para a leniência do STF, o que levou os governos regionais a não realizarem os ajustes necessários em suas finanças. Segundo a jornalista, a única forma de a União defender-se é negar aval para novos empréstimos dos governos regionais. Com isso, o único banco que ainda se disporia a emprestar seria a Caixa, que aceita como garantia o dinheiro do Fundo de Participações dos Municípios. Agora, imagine a Caixa tentando reaver o seu dinheiro no STF… O que teremos, na prática, é a criação de um rombo na Caixa, que deverá posteriormente ser coberto por uma capitalização por parte da União. Ou seja, todos nós.

Em suas decisões, o STF argumenta pela “urgência social”. Sim, com certeza o Brasil tem muitas “urgências sociais”. Cabe ao Legislativo, não ao Judiciário, definir quais urgências serão atendidas. É óbvio que nem todas podem ser.

A visão de mundo de alguns ministros do STF é compartilhada por grande parte da população brasileira. Segundo essa visão, as pessoas têm o direito de verem atendidas todas as suas necessidades e o Estado tem o dever de atendê-las todas. Nesta equação, pouco importa se o país cria riqueza suficiente para atender a todas as demandas. O Brasil é um país rico, onde se plantando tudo dá. Deste trecho da carta de Pero Vaz, ficamos com a parte do “tudo dá” e esquecemos da parte “em se plantando”.

Ainda bem que neste ano temos os recursos do pré-sal. Ano que vem, veremos o que mais podemos vender para pagar as contas. E ainda bem também que temos um governo que vende coisas sem muito peso na consciência. Fosse um outro governo, cioso das “nossas riquezas”, a única saída, como bem demonstram Argentina e Venezuela, seria a inflação, o mais letal destruidor de riquezas conhecido.

Sem pressa para as coisas urgentes

A presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet, diz que o Senado “não tem pressa” para votar o pacote emergencial, que prevê gatilhos para congelar salários e progressão de carreira de servidores públicos, além de cortar salários e jornadas em até 25% em caso de absoluta falta de dinheiro.

Claro que eles “não têm pressa”: os congressistas e os milhões de servidores públicos do País não fazem parte do contingente de mais de 11 milhões de desempregados. Não há porquê ter pressa.

Simone Tebet diz estar preocupada com o que o Senado “vai entregar ao País”. Só se for com o País dos servidores públicos. Porque se estivessem realmente preocupados com o País que está na chuva, o senso de urgência seria outro.

Um município é uma agência bancária?

O Itaú anunciou seus planos para o ano que vem: vai fechar cerca de 450 agências deficitárias, o que equivale a 10% de sua rede. É assim que funciona na iniciativa privada.

O Brasil anunciou seus planos para os próximos anos: vai fechar cerca de 1.200 municípios deficitários, ou 21% de sua base de municípios. Alguns perguntarão: é assim que deveria funcionar no setor público?

Obviamente, o raciocínio que vale para a iniciativa privada não deveria valer automaticamente para a esfera pública. Afinal, os objetivos são bem diferentes: enquanto a iniciativa privada busca o lucro, a administração pública busca o bem-estar das pessoas.

A criação de municípios sempre foi justificada como a única forma de dar atenção a populações marginalizadas pelo poder central de um município maior. Ao ter seu próprio orçamento, o novo município teria como atender às necessidades daquela população local. Isso mais do que compensaria o custo adicional da nova máquina administrativa.

Bem, essa é a história oficial. A verdadeira, na maior parte das vezes, é bem outra: permitir que determinado grupo político tenha uma prefeitura para chamar de sua. São cargos de prefeito, secretários, vereadores, cada um com seus gabinetes, vivendo das verbas do fundo de participação dos municípios, dos repasses do ICMS e de outros programas federais e estatuais. É o que mostra a reportagem acima.

A questão política é sempre complexa: como garantir que uma determinada parcela da população seja beneficiada pela administração pública? Há duas soluções para esse problema: a primeira é a população da localidade reforçar sua participação política, elegendo seus representantes na esfera legislativa. A segunda, é criando um novo município. Esta segunda tem a óbvia desvantagem de ser muito mais cara, o que provavelmente anula qualquer vantagem de ter um centro decisório descentralizado. Mas esse é o cálculo econômico, o cálculo que um Itaú faria. O cálculo político é outro. Por isso o Itaú dá lucro enquanto o Brasil está quebrado.