A riqueza como virtude

Em determinado momento do debate de ontem nos EUA, Hillary Clinton começa a listar alguns motivos pelos quais Donald Trump se recusa a mostrar a sua declaração de imposto de renda. “Talvez porque ele não seja tão rico quanto diz, talvez porque ele não seja tão bem-sucedido quanto diz, talvez seja porque ele não faça tantas doações filantrópicas quanto diz”. Chamou-me a atenção porque Hillary lista “ser rico” e “ser bem-sucedido” como virtudes que Trump não tem como provar.

Corta para a eleição paulistana. Erundina, em debate, “acusa” Doria de morar em uma mansão que vale milhões de reais, e Lula, em comício, “acusa” Doria de vestir um casaco que compraria não sei quantos cisnes do sítio que não é dele.

João Doria acaba de assumir a liderança na corrida eleitoral paulistana. Difícil identificar o motivo do sucesso de sua campanha. Na minha opinião, ele é o candidato que melhor conseguiu encarnar o anti-petismo, e isso explica a sua espetacular ascensão. Mas é só um chute, pode estar certo ou errado. O que é absolutamente certo é que a “riqueza” de Doria não está atrapalhando.

Doria, guardadas as devidas distâncias, tem o mesmo perfil de Trump: outsider da política, Trump se coloca como o self-made man que vai usar a fórmula do seu sucesso empresarial para governar. Nos EUA, terra em que o sucesso é admirado, costuma funcionar. No Brasil, terra onde, como uma vez disse Tom Jobim, o sucesso é ofensa pessoal, não.

A ascensão de Doria coloca em cheque esta visão. Os intelectuais da rota Rio-Paris e os sociólogos de bar da Vila Madalena juram que rico vota em rico e pobre vota em pobre. Os pobres, donos de seus votos, estão passando outra mensagem, imortalizada na célebre frase do filósofo Joãozinho Trinta: “Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”. Joãozinho Trinta era carnavalesco da Beija-Flor, e respondia deste modo aos críticos, que diziam que havia um excesso de luxo em seus desfiles, contrastando com as condições de pobreza em que vivia o povo que desfilava.

Riqueza fruto do trabalho (e não da corrupção) deveria ser encarada como uma virtude. A eleição paulistana está mostrando que, pelo menos, não está sendo considerada um pecado.

Proposta revolucionária

Uma ideia para a plataforma de algum candidato a presidente em 2018.

O valor de mercado da Petrobras, hoje, é de aproximadamente R$ 187 bi. Desse total, cerca de 30%, ou R$ 56 bi, pertencem ao governo. Digamos, para efeito de cálculo, que este fosse o preço de venda da empresa (é maior, se considerarmos o prêmio de controle).

No Brasil, são 13 milhões os beneficiários do Bolsa Família. Dividindo-se R$ 56 bi por 13 milhões, dá R$ 4.300 por família.

Proposta: vender a Petrobras, e dividir o dinheiro entre os beneficiários do Bolsa Família. Assim, pela primeira vez na história do Brasil, a Petrobras seria de fato do povo! E duvido algum candidato, qualquer um, perder a eleição com uma plataforma dessas!

A peça de acusação

Aqui está o famoso PPT dos procuradores da República. Aquele que é “só espuma”. Confira das páginas 63 em diante, onde estão as provas de que o triplex, cuja reforma milionária foi paga pela OAS, era de Lula, e a armazenagem de suas “tralhas” também foi paga pela empreiteira. Não se deixe enganar pelo discurso dos petralhas: as evidências são cristalinas. Não dá pra exigir escritura de papel passado em crime de lavagem de dinheiro, cuja natureza é justamente ocultar patrimônio.

Quanto ao resto, a acusação de que Lula é o “general da propinocracia”, serve a dois propósitos: 1. Deixar clara a motivação da OAS e 2. Dar o tom político necessário ao enfrentamento de réu tão poderoso. Este último item é controverso, vários acharam desnecessário, mas não prejudicará o andamento do processo.

Ruptura institucional?

Na história brasileira, a toda ruptura institucional seguiu-se a elaboração de uma nova Constituição. Foi assim em 1824, quando elaborou-se a primeira Constituição brasileira, após a independência. Foi assim em 1891, após a proclamação da República. Foi assim em 1934 e 1937, quando duas novas Constituições legitimaram os dois golpes de estado de Getúlio Vargas, o ditador preferido das esquerdas, depois de Fidel Castro. Foi assim em 1945, quando uma nova Constituição foi elaborada para um Estado pós ditadura Vargas. Foi assim em 1967, quando uma nova Constituição foi feita para legitimar a ditadura militar. E, finalmente, foi assim em 1988, quando a atual Constituição moldou o Estado de Direito do país pós ditadura militar.

A todos aqueles que acham que houve uma ruptura institucional (popularmente conhecido como golpe) na cassação de Dilma Rousseff, recomendo o estudo da História Brasileira, para entender a diferença entre os momentos descritos acima e o atual. Ou alguém acha que Michel Temer chamará uma Assembleia Constituinte para legitimar o seu mandato?