Minhas férias no Japão

Este post tem o objetivo de reunir a minha experiência no planejamento e execução de uma viagem ao Japão sem o auxílio de uma agência de turismo. Escrevi grande parte do texto durante o primeiro dos dois voos intercontinentais da volta, e estou publicando hoje, dois dias depois, de modo a não deixar perder as impressões da viagem.

Parte 1: Motivação e dificuldades iniciais

O Japão não é um destino óbvio. Antes de visitar a Terra do Sol Nascente, outros destinos mais, digamos, fáceis, vêm na frente. América do Sul, Estados Unidos e Europa Ocidental, pela facilidade da língua e por estarem mais “próximos”, acabam sendo a escolha natural para se fazer turismo. O Japão, por outro lado, está a dois voos de longa duração de distância, e seu idioma é completamente diferente, inclusive na escrita.

Estive antes no Japão por seis anos seguidos profissionalmente, entre 2009 e 2014. Foram períodos de uma semana, em que, com exceção de meu deslocamento entre aeroporto e hotel, todo o meu roteiro era determinado pelos meus clientes. Viajava sempre acompanhado, de modo que não precisava me preocupar com nada. Ficava imaginando como seria ter que me virar sozinho.

Prometi para minha esposa que a levaria para conhecer o país algum dia. Comecei a planejar esta viagem a partir de meados de 2019, pois em janeiro de 2020 completaríamos 30 anos de casados, e avaliei que esta seria uma forma muito bonita de comemorar. Acertamos a data da viagem para abril de 2020, pois é o período do florescimento das cerejeiras (“sakura”), uma época em que as árvores se vestem de um tom rosa quase branco.

Como vocês sabem, houve uma pequena intercorrência chamada Covid-19, que adiou os nossos planos. Já havia comprado passagens, reservado todos os hotéis e comprado ingressos para alguns eventos. Tudo cancelado. Consegui reembolso das passagens, dos hotéis e dos ingressos já pagos. Mas não iria desistir tão facilmente desse projeto.

Em meados de 2020, recomprei as passagens para novembro do mesmo ano, dado que a companhia aérea permitia a remarcação sem ônus. Avaliei (quanta ingenuidade!) que em novembro de 2020 as coisas já teriam voltado ao normal. Moral da história: remarquei as passagens para outubro de 2021 e depois para outubro de 2022. Esta seria a última remarcação possível, depois disso perderia as passagens.

Ocorre que o Japão foi o último país do G7 a manter restrições de viagem para turistas estrangeiros. Enquanto todos os países do ocidente abriram suas fronteiras, o Japão se manteve fechado para controlar a pandemia. A única exceção eram turistas em grupos guiados por agências de turismo registradas no Japão. Como excursões nunca foram a minha praia, este tipo de exceção não resolvia o meu problema. No começo de setembro, o governo japonês anunciou a abertura das fronteiras para turistas em excursões “não-guiadas” a partir de 07/09. Minhas passagens estavam marcadas para o dia 12/10 com chegado em Tóquio em 14/10. Esta era a minha oportunidade.

O problema era obter o ERFS, um certificado emitido por uma agência credenciada, que se responsabilizava, diante do governo japonês, pelo visitante. Ou seja, mesmo sem um guia, era necessário ter este certificado. Depois de muito pesquisar, encontrei uma agência que se dispunha a emitir o ERFS cobrando a bagatela de 20 mil ienes (uns R$ 700). Era o preço a se pagar para ultrapassar essa burocracia e não perder as passagens. Com o ERFS emitido, consegui o visto de entrada.

Um mês depois, o governo japonês anunciou o fim de qualquer restrição de entrada para turistas a partir do dia 11/10. Ou seja, nem precisaria ter tido o gasto na obtenção do ERFS. Mas uma viagem desse tipo, em que se permanece duas semanas fora a 20 mil km de distância não se prepara em alguns dias. Então, dificilmente eu conseguiria me planejar entre a data do anúncio do governo japonês e a data do embarque, 12/10. No fim, foi um dinheiro bem gasto, que me permitiu um planejamento melhor.

Todas essas dificuldades tiveram um lado positivo: a virtual ausência de turistas estrangeiros, principalmente chineses. Havia turistas estrangeiros, sim, mas muito poucos. Durante toda a viagem, encontrei somente um casal de turistas brasileiros. E a ausência de turistas chineses fez com que as principais atrações turísticas ficassem relativamente tranquilas, a menos das onipresentes excursões escolares, sobre as quais falaremos mais à frente.

2. Planejamento

Visto

O visto para entrar no Japão não é como o visto americano, que vale por 10 anos. O Japão é muito mais restritivo, e seu visto de entrada vale por 3 meses, para permanência por 30 dias no país. Por outro lado, não tem aquela fila imensa do visto americano, então dá para tirar mais em cima da hora. Aliás, nem adianta tentar tirar muito cedo, justamente porque vale somente 3 meses a partir da data de emissão. O ideal é tirar faltando uns dois meses para a viagem. Eu tirei faltando um mês, sem problemas. O visto fica pronto 3 dias úteis depois de apresentada a documentação.

Quando você vai tirar o visto de entrada para o Japão, você precisa ter uma ideia exata do que vai fazer. Não se trata de um visto aberto, como para os EUA. Você precisa preencher um formulário descrevendo exatamente como será o seu roteiro, que cidades você vai visitar e em quais hotéis você vai se hospedar. Por isso, tudo precisa estar planejado pelo menos um mês antes da viagem, idealmente dois meses antes. Atualmente, é necessário agendar um horário para apresentar a documentação. Neste site do consulado japonês você encontra todos os detalhes.

Transporte

O Japão é o país do trem. Tudo se faz de trem. Portanto, é fundamental comprar um passe de trem chamado JR Pass. JR (Japan Railway) é a principal empresa de transporte ferroviário do Japão. As principais ferrovias do país, incluindo os trem-bala (“shinkansen”) pertencem à JR. Com o JR Pass, você pode andar em qualquer ferrovia da JR pagando um preço único. Para quem vai visitar várias cidades no Japão como eu fiz, é de longe a melhor opção. Tive que pagar à parte apenas a passagem de uma ferrovia pertencente a outra companhia (veremos isso na parte do roteiro da viagem).

O JR Pass vem com opções de 7, 14 e 21 dias. Como eu ia ficar 15 dias, comprei o de 14 dias, e ativei no dia seguinte à minha chegada. Você também pode escolher a versão ordinária ou de luxo, chamada de “Green Car”. Esta versão de luxo custa uns 30% a mais e eu achei que não valia à pena. Acho que acertei, porque os vagões ordinários dos trens japoneses já são suficientemente luxuosos para os nossos padrões. Além disso, os Green Cars precisam ser reservados para serem usados, o que pode ser contraproducente em alguns casos. Veremos mais à frente essa questão da reserva de assentos em trens.

Existem alguns sites que vendem o JR Pass, eu comprei por este aqui. Você recebe em casa um voucher (eu recebi 3 dias depois da compra), que deve ser trocado pelo passe no Japão. Essa troca deve ser realizada nos pontos de venda de tickets da JR, indicados por este símbolo:

Guarde bem este símbolo, ele será a sua salvação. São nesses pontos de venda que você vai resolver seus problemas com trens da JR no Japão. Você chega com seu voucher, e troca por um passe com essa cara:

Guarde esse passe com a sua vida. Ele deve ser usado em toda viagem de trem da companhia JR. Mais adiante, vou explicar como funciona o sistema de trens no Japão e como usar esse passe.

O planejamento do transporte envolve saber quais trens estão disponíveis entre as cidades a serem visitadas. Para tanto, existem dois sites que me foram muito úteis, o Japan Transit Planner (JTP) e o Japan Travel. Usei preferencialmente o primeiro, apesar de ser pago (990 ienes por 3 meses de uso), por fornecer informações mais detalhadas. Por exemplo, para saber como ir de Tóquio até Takayama, basta colocar a origem, o destino, o horário desejado de partida ou chegada e escolher uma das opções de trajeto, conforme o print screen abaixo:

Dessas opções, a mais importante é escolher “also show results for Hikari”, pois os trens “Nozomi” não são cobertos pelo JR Pass. Explicarei essas nomenclaturas dos trens mais adiante.

Com essas informações, o site dá algumas opções de rotas para sair de Tóquio e chegar em Takayama, conforme o print abaixo:

Dá uma olhada nos preços dos trajetos. Isso somente para uma viagem relativamente curta. O JR Pass custa umas três vezes mais do que uma simples viagem, o que já demonstra o seu valor.

Observe como o site dá a opção de adiantar ou atrasar em 5, 10 ou 15 minutos a partida da origem ou a chegada no destino, conforme a escolha feita anteriormente. Isso permite fazer um planejamento mais flexível da viagem.

Cada rota é detalhada conforme o print abaixo:

Observe dois detalhes importantes:

  1. Os horários iniciais das rotas estão com hiperlink. Isso significa que, se você clicar no horário, obterá uma programação de saída de todos os trens daquele tipo. Isso pode ser útil quando você quiser, por algum motivo, gastar um tempo adicional em uma determinada estação, ou estiver desconfortável com o tempo de transferência entre um trem e outro (lembre-se, você precisa sair do trem e procurar a plataforma de onde o outro trem vai sair, tarefa às vezes meio intimidadora). Então, você usa essa programação para escolher um trem de outro horário.
  2. Observe que ele fornece as paradas intermediárias com seus respectivos horários. Isso dá uma segurança adicional de que se pegou o trem certo. Aliás, esses horários são cumpridos irritantemente à risca.

O JTP tem um defeito, porém: ele não identifica os roteiros que são cobertos pelo JR Pass. Para isso, o site do Japan Travel é o complemento perfeito. Neste site é possível colocar uma opção “JR Pass”, de forma que ele filtra os roteiros que são cobertos pelo JR Pass. Assim, você pode selecionar somente aqueles roteiros que interessam no JTP.

Roteiro

O Japão é um país muito rico de destinos turísticos. Então, prepare-se para priorizar e abrir mão de coisas legais. O que não necessariamente é ruim, pois a própria viagem ao país já é um acontecimento em si.

Para montar o meu roteiro, usei como critério de escolha visitar preferencialmente os pontos mais turísticos. Para quem nunca esteve em um país, creio que a primeira coisa a se fazer é conhecer os lugares mais famosos, e guardar o lado B para uma segunda visita. Pesquisei vários sites de viagem especializados em Japão e fiz um ranking dos lugares mais citados. Cheguei, então, em uma espinha dorsal daquilo que seria o meu roteiro.

De todos os sites especializados, o meu preferido e que serviu como base para a montagem do roteiro foi o Japan Guide. Também muito útil para dicas práticas foi este post do blog Viaje na Viagem.

Cada um fará o roteiro de acordo com seu próprio gosto. Eu fiz uma mistura do tradicional com o moderno que acho que ficou legal. No final, visitei 10 cidades: Tóquio, Takayama, Kanazawa, Shirakawa-go, Kioto, Osaka, Koyasan, Nagasaki, Himeji e Nagoya. Na parte sobre o roteiro entro no detalhe de cada um desses destinos.

Hotéis

Usei o Booking.com para reservar todos os hotéis, é muito prático. No entanto, existe um negócio no Japão chamado “Ryokan”, que são estabelecimentos de hospedagem que não são hotéis, mas locais mais tradicionais, onde se dorme em tatames. Para fazer a reserva dos ryokans em Shirakawa-go e Koyasan, usei o site Japan Guest Houses.

A viagem para e do Japão

Muitos têm receio de uma viagem tão longa. Se já é cansativo viajar para Estados Unidos ou Europa, imagine duas viagens dessas seguidas! Por isso, muitos preferem fazer uma conexão prolongada, dormindo uma noite na cidade da conexão para enfrentar a segunda perna da viagem mais descansado. A desvantagem óbvia é perder dois dias de viagem, um na ida e o outro na volta. Optamos por fazer o sacrifício de viajar direto, e não nos arrependemos. Como veremos na parte do roteiro, chegamos pela manhã em Tóquio e ainda fomos passear à tarde, depois de um bom banho no hotel.

A estratégia que usamos foi a seguinte: não acordar muito cedo no dia da viagem e evitar ao máximo dormir na primeira perna, até o destino da conexão. Acho que assisti a uns 5 filmes seguidos. Assim, a segunda perna é dedicada ao sono, e estamos tão cansados do primeiro voo que conseguimos dormir de qualquer jeito.

Essa estratégia, inclusive, ajuda na adaptação ao fuso horário, o que é também uma preocupação frequente. Não se preocupe: nosso corpo está “programado” para ficar acordado de dia e dormir à noite. Então, você vai conseguir fazer isso no Japão também. O que não evita períodos durante o dia em que, como dizia minha esposa, parecia que a “mosca tsé-tsé” tinha picado. Mas como estamos a passeio e, normalmente, caminhando muito, dá para tirar de letra.

3. Se virando no Japão

Idioma

Como, em uma viagem como essa, passamos basicamente por pontos turísticos, é natural encontrar pessoas que falam algum inglês. O problema é entendê-los, o sotaque é muito carregado, o que dificulta a compreensão. Mas é melhor do que nada.

Um “life saver” é o Google Tradutor. A função “câmera” permite tirar uma foto do que está escrito e traduzir para o português. Às vezes a tradução é imprestável, mas às vezes ajuda, principalmente em restaurantes.

Aliás, os restaurantes são um caso à parte. É muito comum ter réplicas dos pratos do lado de fora, de forma que é possível saber exatamente o que você vai comer. E, além disso, os menus têm fotos dos principais pratos. Menus em inglês também são bastante comuns. Assim, de maneira geral, não tivemos dificuldade em pedir comida em restaurantes, apesar de parecer intimidador deparar-se com algo assim:

De maneira geral, em todos os pontos turísticos e em todos os escritórios da JR pude me comunicar em inglês sem grandes problemas. Em todos os trens, metrôs e ônibus, as mensagens são feitas em japonês e inglês. Em todas as estações existem sinalizações em inglês.

Internet

A escolha natural do provedor de internet é o roaming da nossa própria operadora. No entanto, há uma opção mais barata, que é alugar uma internet móvel no Japão. Eu fiz isso ao comprar o JR Pass. No mesmo site, eles oferecem essa opção, que custou 9900 ienes por 15 dias (aproximadamente R$ 365). Como o roaming diário da Vivo custa R$ 60 por dia, temos aí uma economia de mais de R$ 500. A desvantagem é que você precisa ficar carregando o modem junto e ter o cuidado de carregar a bateria. Como a bateria não aguentava um dia inteiro, você também precisa ter um powerbank (aliás, independentemente de ter ou não o modem, é muito útil ter um powerbank para recarregar o celular durante o dia, evitando ter que ficar parado em algum lugar esperando o seu celular recarregar).

De uma forma ou de outra, é indispensável ter internet disponível 24 horas por dia. Inclusive porque você vai precisar usar o Google Maps, como veremos a seguir.

Google Maps

O Google Maps será o seu amigo de todas as horas. Para ir de um ponto a outro dentro das cidades, basta digitar os nomes dos lugares, e ele vai te dar a opção com o transporte público ou à pé.

Uma coisa boba, mas que pode ser bastante angustiante, é achar o hotel ao sair da estação de trem. Claro que você pode sempre pegar um táxi (que é muito caro no Japão), mas o Google Maps te salva nessas horas. Você digita o nome do hotel e ele indica o caminho com precisão.

Em determinada ocasião, queria experimentar o McDonalds do Japão. Encontrei o endereço mais próximo e caminhei até o lugar indicado pelo Google Maps. Não havia nada ali. Como estávamos na rua e a estação de trem ficava embaixo, imaginei que a loja deveria ficar ali. Batata: foi só descer e encontramos a loja.

No caso de sugestão de rota por metrô, o Google Maps chega ao ponto de dizer qual vagão é melhor para sair mais próximo da saída recomendada. E todos os vagões são numerados no Japão, numeração esta que fica estampada no chão da plataforma ou no guarda-corpo que divide a plataforma dos trilhos.

Andando de trem

As estações de trem no Japão são um capítulo à parte. Talvez não tenha nada mais intimidador para o turista do que uma estação de trem em uma grande cidade japonesa, com aquelas milhares de pessoas indo e vindo de todos os lugares e um monte de sinalizações em kanji e hiragana.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, você precisa passar pela catraca correta. Normalmente, em estações menores, você tem uma catraca para todos os trens. Nas estações maiores, você tem catracas para os trens comuns (JR) e para os trens-bala (Shinkansen). Está tudo bem sinalizado.

Para passar pela catraca, você precisa introduzir o seu JR Pass, conforme a figura abaixo:

Observe como existem dois tipos de catraca, uma com uma fenda na frente e o outro sem a fenda. Você deve passar pela catraca com a fenda, onde você vai introduzir o seu JR Pass e retirá-lo do outro lado. É sempre assim: você retira o seu JR Pass do outro lado, pois esse é o passe que você vai usar o tempo inteiro.

A catraca sem a fenda somente pode ser usada por quem tem um IC Card, que é uma espécie de “bilhete único” para o transporte. Falaremos disso mais adiante, quando abordarmos o transporte público.

O JR Pass permite que você reserve assento nos trens de longa distância. Reservar assento tem uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é, obviamente, garantir seu assento. Foram raras as ocasiões em que pegamos trens cheios, mas isso aconteceu. Sem a reserva, teria sido complicado achar lugar. Além disso, há trens que não têm vagões com assentos não reservados. Ou seja, se você não tiver reserva de assento, nada feito, não é permitido viajar. Isso acontece, por exemplo, nos trens chamados “Limited Express”, em que todos os assentos precisam ser reservados. O Narita Express, trem que leva do aeroporto de Narita até a estação de Tóquio, também é todo reservado.

Não reservar, porém, dá a vantagem da flexibilidade. Você não fica preso ao horário da reserva, podendo mudar mais facilmente seus planos. Mas reservar assentos não necessariamente acaba com essa flexibilidade. Ocorreu uma vez o seguinte: eu havia reservado assentos para um determinado trem, mas resolvemos pegar o trem anterior na mesma linha. Sem problemas. Entramos em um vagão “não-reservado” e fomos. Poderia ser que não houvesse lugar, mas tinha, e correu tudo bem.

E mais uma coisa: para quem viaja com bagagem grande, a reserva de assento é obrigatória. Falaremos mais adiante sobre bagagem.

Como disse acima, a reserva de trem é feita no escritório da JR, identificado por este símbolo:

Eu escrevia em um pedaço de papel a origem, o destino, o horário de partida, o horário de chegada e o nome e o número do trem, conforme o roteiro determinado pelo Japan Transit Planner, explicado acima. Facilita muito a comunicação com o atendente. Com o seu JR Pass em mãos, o atendente emite uma reserva que tem essa cara:

Neste caso, temos uma reserva do trem Thunderbird18, de Kanazawa até Kyoto, saindo 20/10 às 10:56 e chegando às 13:09, carro 2, assento 11-A.

Observe como o trem tem um “nome”, não somente um número. No caso, Thunderbird18. O nome do trem facilita uma barbaridade identificá-lo. O número é sequencial, de forma que o trem anterior era o Thunderbird17 ou um número inferior e o posterior era o Thunderbird19 ou um número superior.

Note como estão descritas todas as informações, menos a plataforma em que o trem vai parar. Para saber a plataforma, você precisa observar as sinalizações na estação. Se você sabe qual trem você precisa pegar, é normalmente fácil encontrar. Abaixo, um exemplo de sinalização em uma estação:

Observe como você tem os nomes dos trens (Kodama 649, Hikari 469 e Nozomi 281), o seu horário, a plataforma a que se refere (no caso, plataforma 24) e quais vagões são não reservados. Estes são os vagões em que você pode entrar sem ter feito uma reserva.

No chão da plataforma próximo ao trilho, você vai encontrar uma sinalização como essa:

Aqui você vai saber onde cada vagão vai parar. Observe como você tem a informação do número do vagão no caso de trens com 16 vagões e no caso de trens com 8 vagões. No caso, estávamos esperando o trem de 16 vagões, e o nosso vagão reservado era o 9. Se você tem um assento reservado, deve aguardar o trem próximo da entrada indicada por essa sinalização.

Andando de transporte público

Usamos basicamente o metrô em Tóquio, Quioto, Osaka e Nagoya e, em Quioto, usamos também o ônibus. Tanto um quanto o outro tem tarifa que depende da distância percorrida. Para evitar ter que fazer esse tipo de cálculo e facilitar as idas e vindas no transporte público, é ALTAMENTE RECOMENDÁVEL comprar um IC Card.

O IC Card é um cartão magnético vendido em máquinas como a da figura abaixo, que é encontrada em toda e qualquer estação, próxima das catracas:

A máquina tem uma opção em inglês, e seu funcionamento é autoexplicativo. Você compra o IC Card (que pode ser de empresas diferentes, como Suica ou Pasmo, a depender da máquina) e coloca dinheiro nele. São cobrados 500 ienes pela emissão do cartão, e só. No meu caso, comprei o cartão Pasmo:

Para usar esse cartão, você simplesmente bate na catraca onde está escrito “IC Card” conforme abaixo:

Você precisa bater o cartão na entrada e na saída, pois ele só cobra na saída, proporcionalmente ao tamanho do trecho percorrido. Se o cartão não tiver saldo suficiente, toca um sinal e a catraca fica vermelha, não abrindo a cancela. Nesse caso, você precisa voltar e encontrar próximo uma máquina para “fare adjustment”, que nada mais é do que colocar mais dinheiro no IC Card. Tendo feito isso, é só passar.

No caso específico de Tóquio, em que ficamos 3 dias, valeu à pena comprar um passe de metrô de 72 horas:

Neste caso, não precisamos usar o IC Card em Tóquio. Eu comprei esse passe no próprio aeroporto de Narita, no mesmo guichê onde compramos os tickets para o Shuttle Bus que nos levou a Tóquio.

Os metrôs das grandes cidades japonesas são extremamente fáceis de serem entendidos. As estações recebem uma combinação de letras e números, de modo que não é necessário saber os seus nomes. Assim, a estação de metrô Tóquio é a M17, linha Marunouchi, estação número 17. Se preciso ir para a estação da linha G, número 7, é só procurar no mapa onde se faz a baldeação para a linha G e, uma vez na linha G, procurar a plataforma que leva para a estação 7. No mapa abaixo, podemos ver que a baldeação se dá na estação M16, onde se deve mudar para a estação G09, então devemos ir para a plataforma em que os números das estações estão diminuindo (de M17 para M16).

Mas, se você não quiser se preocupar mesmo, o Google Maps também é uma mão na roda aqui. Basta colocar origem e destino, e ele traça a rota dentro do metrô. Inclusive, informa qual o melhor vagão para ficar mais próximo da saída ideal.

Assim como no caso dos trens, os vagões são numerados, e seus números podem ser vistos no chão da plataforma.

E no caso dos ônibus? O metrô dá um conforto psicológico maior para o turista, porque as estações são fixas e bem sinalizadas, o que achamos que não acontece com os ônibus. Engano.

Com a ajuda do Google Maps, identificamos os ônibus que devemos pegar e os nomes dos pontos em que eles param, conforme o exemplo abaixo, que mostra um trecho do ônibus número 206, de Quioto:

Dentro do ônibus, o nome de cada ponto aparece claramente em uma tela, de modo que você pode ir acompanhando até chegar ao seu destino, conforme podemos observar na foto abaixo, que eu tirei de dentro do ônibus em Quioto:

Chegando ao destino, basta bater o seu IC Card na catraca (catraca é modo de dizer, não tem catraca) próximo ao motorista e pronto, está pago. É realmente muito fácil, e trata-se de uma experiência incrível para quem, como eu, anda de ônibus no Brasil. É aquilo que os ônibus deveriam ser.

A única cidade em que não usamos o IC Card para pegar transporte público foi Nagasaki, em que compramos um passe de um dia para andar de bonde (veremos isso mais adiante).

Dinheiro

Eu queria evitar usar meu cartão de crédito, por causa do câmbio turismo e do IOF de 6%. Por isso, comecei a comprar ienes em cash no início de 2020, porque sabia que dinheiro vivo ainda é uma forma muito comum de transação no Japão. Inclusive, os ryokans só aceitam pagamento em dinheiro vivo. Havia comprado metade do que iria usar quando veio a pandemia, e fiquei com esse dinheiro em casa. Quando ficou claro que a viagem ia acontecer, resolvi fazer um cartão Wise e carreguei com os ienes restantes. Foi uma decepção.

Tive imensa dificuldade de usar o Wise no Japão. O cartão não funcionava nem com o chip e nem por aproximação, e somente com muita dificuldade funcionava com a tarja magnética. Depois do 3º dia de sofrimento, resolvi simplesmente sacar o dinheiro e pagar tudo em cash. A taxa para saque é salgada (cerca de 2%), mas acabou a dor de cabeça. Detalhe: nem todo ATM aceitava o Wise, somente do Seven Bank. Mas ok, consegui sacar o dinheiro.

Assim, eu tinha basicamente dois tipos de formas de pagamento: cash e o IC Card. O IC Card é aceito como forma de pagamento em vários estabelecimentos além dos meios de transporte, como lockers de malas e vending machines de bebidas, como veremos adiante. No entanto, é preciso ter cuidado: como é difícil ter o reembolso do saldo do IC Card, o que você colocou lá dentro vai ser perdido se você não conseguir usar. O cash você pode eventualmente trocar por dólares no aeroporto.

Cash é amplamente aceito em qualquer estabelecimento. Inclusive, em grande parte deles, as máquinas registradoras calculam o troco automaticamente e o atendente nem precisa pensar. Ninguém torce o nariz para uma nota grande (a maior é a de 10 mil ienes). Com dois dias de prática, você já consegue identificar as moedas entre si. Portanto, é altamente recomendável levar um porta-níqueis, será muito útil.

Preços

E por falar em dinheiro, vamos falar de preços.

Claro que cada viajante terá as suas preferências, e o céu é o limite para gastos com hotéis e restaurantes. Vou dar aqui uma ideia de gasto em hoteis de rede bem pequenos mas que dão para o gasto, e restaurantes de rua, sem pedigree, que foi onde tivemos grande parte de nossas refeições. E vou dar os preços em ienes, cada um que faça a conversão com o câmbio da época. A vantagem do Japão é que não tem inflação lá, então esse artigo continuará atual daqui a 10 anos.

De maneira geral, hoteis da rede APA perto das estações de trem (que foi onde sempre me hospedei) saem por volta de 8.000 ienes a diária para o casal, sem café da manhã, em um quarto apertado mas muito bem equipado. Já um bom riokan (onde me hospedei por duas vezes), sai por cerca de 25.000 ienes a diária, incluindo jantar e café da manhã. Para quem quer cometer um exagero, em Tóquio eu me hospedei no Marunouchi Hotel, um hotel de negócios muito charmoso extremamente bem localizado, com diária de 27.000 ienes, sem café da manhã. Os quartos têm vista para a estação de Tóquio, e pode-se ficar horas olhando os trens chegarem e partirem. Não é um hotel suntuoso, pelo contrário, é bem discreto.

O café da manhã tomávamos no Starbucks. Sempre tem mais de um Starbuck perto das estações de trem. Dois sanduíches, dois café latte tall e um cookie saia por cerca de 2.100 ienes. Quanto às refeições, você se alimenta bem com a comida do dia a dia por 1.500 ienes por pessoa. Sempre comi muito bem por este preço em todos os restaurantes de rua que entrei. Já o sushi é mais caro, cerca de 2.000 ienes por pessoa o mais barato. Mas neste preço o sushi não é bom, precisa gastar mais para ter um sushi decente. Tivemos um bom teppanyaki (carne frita na mesa na hora) por 2.500 ienes por pessoa. Comemos uma vez no McDonalds, gastamos 750 ienes por pessoa pelo número 1, kit do Big Mac. Já vou avisando, não é tão bom como o daqui, o sanduíche veio meio sem sabor e as batatas meio murchas.

Entradas de atrações turísticas (museus e templos) você vai pagar de 500 a 1.000 ienes. Já atrações especiais, como o Aquário de Osaka ou o Tokyo Sky Tree custam por volta de 2.500 ienes.

Transporte público nas cidades custam em torno de 200 a 250 ienes a passagem, mas nos metrôs esse preço varia de acordo com a distância percorrida, podendo chegar a 500 ienes ou mais.

Malas

Você vai visitar várias cidades, pegar vários meios de transporte, e a pergunta que não quer calar é: precisa ficar arrastando as malas o tempo inteiro? A resposta é: não.

Em todas as estações de trem existem lockers onde você pode deixar suas malas em segurança. Isso é muito útil quando você faz o check-out em um hotel mas ainda vai passear pela cidade e não quer precisar voltar para o hotel, ou está em trânsito para uma cidade e para no meio do caminho para visitar uma outra cidade. Por exemplo, entre Tóquio e Kanazawa visitamos Takayama. Deixamos nossas malas na estação de Toyama (que fica no meio caminho), visitamos tranquilamente Takayama, e na volta pegamos nossas malas e nos dirigimos a Kanazawa.

Existem dois tipos de lockers: os mais antigos e os mais modernos.

Os mais antigos têm a chave física e funciona somente na base das moedas de 100 ienes. Um locker para uma mala média custa 600 ienes a diária, então é preciso ter 6 moedas de 100 ienes. Às vezes tem uma máquina de fazer troco do lado, às vezes não. Então, é recomendável ir colecionando moedas de 100 ienes ao longo da viagem, caso seja necessário usar esse tipo de locker.

Os lockers mais modernos funcionam com o IC Card e não têm a chave física; o IC Card funciona como “chave”, e o mesmo IC Card usado para armazenar a mala deve ser usado para abrir a porta. Há instruções em inglês no painel do locker, é muito fácil de usar.

Alguns sites recomendam o uso de um serviço de delivery de malas chamado Takkyubin, serviço fornecido por uma empresa chamada Yamato. Parece ser algo realmente muito conveniente: do seu hotel atual, você envia suas malas para o hotel seguinte, e fica sem as malas para passear e se mover para a próxima cidade. Cheguei a planejar o uso desse serviço, mas acabei decidindo pelo esquema de lockers, porque fiquei imaginando minha falta de paz de espírito com a preocupação de que as malas não chegassem a tempo no hotel de destino ou que fossem extraviadas por algum motivo. Dei uma olhada no site da empresa, somente em japonês, e fiquei imaginando tentar resolver algum problema com a empresa. Desisti.

Aqui vai um conselho: é melhor evitar malas muito grandes. Eu e minha esposa viajamos com duas malas médias e deu para o gasto. Na volta, compramos uma mochila para carregar coisas que havíamos comprado na viagem, mas você pode levar uma ou duas mochilas de casa. Também não levamos roupas suficientes para duas semanas, mas ficamos em um hotel em Quioto (no meio da viagem) com lavanderia automática, de modo que lavamos uma parte de nossas roupas nesse hotel. Dá um certo trabalho, mas o fato de não precisar ficar carregando trambolhos gigantes vale o sacrifício.

Vending Machines

Uma coisa onipresente no Japão são vending machines de bebidas como esses:

Se você tiver cash ou IC Card, você nunca vai morrer de sede, garanto. Além disso, dependendo do vending machine, você pode encontrar também bebidas quentes. Eu sempre tomava um bom café depois do almoço comprado de uma dessas máquinas. São uma verdadeira benção.

4. Roteiro

Como eu disse no início, roteiros são algo muito pessoal. A sua montagem vai depender dos seus gostos, daquilo que realmente faz a diferença para você. Por exemplo, se você estiver esperando aqui dicas de restaurantes, está no artigo errado. Quando viajo, prefiro entrar aleatoriamente em restaurantes na rua. Além de ser bem mais barato, isto é o “real thing”, a forma como o cidadão comum vive. Acho isso mais legal, mas, como disse, trata-se de uma visão absolutamente pessoal. Tendo dito isso, não comi mal nenhuma vez no Japão. Ok, meus gostos não são lá muito refinados, mas tudo sempre estava muito bom.

Vamos, agora, ao roteiro.

Dia 1: chegada em Tóquio

Chegamos via aeroporto de Narita. Para quem vai se hospedar na região da estação de Tóquio (chamada Marunouchi), recomendo Narita. Apesar de ser mais distante do que o aeroporto local de Haneda, chegar de Narita até Tóquio é mais prático do que do aeroporto de Haneda, que exige algumas baldeações.

Chegando em Narita, pegamos o nosso modem de Wi-Fi que havíamos reservado na compra do JR Pass e compramos o ticket do Shuttle Bus que leva até a estação de Tóquio. Normalmente pegaríamos o trem Narita Express, que é mais confortável e é coberto pelo JR Pass. O problema é que o nosso JR Pass cobria 14 dias e iríamos ficar 15 dias. Portanto, optei pelo Shuttle Bus para ir e o Narita Express para voltar ao aeroporto. No mesmo lugar da venda do ticket do Shuttle Bus, compramos o passe de 72 horas para o metrô de Tóquio.

O voo chegou às 9 da manhã, de modo que já estávamos no hotel ao meio-dia. À tarde, visitamos o Museu do Futebol, mantido pela Confederação Japonesa de Futebol, onde há memórias da Copa do Mundo de 2002 e um hall da fama com o Zico lá.

Em seguida fomos ao famoso cruzamento de Shibuya, considerado o cruzamento mais movimentado do mundo. Trata-se de um cruzamento com faixas de pedestres nas diagonais, o que dá uma sensação de um mar de pessoas atravessando.

Cruzamento Shibuya: foto tirada do 2o andar do Starbucks na esquina

Por fim, fomos para um bairro planejado chamado Odaiba. Este foi uma furada, porque o ideal seria ter ido lá de dia, à noite não tinha muita coisa para fazer. De qualquer forma, primeiro dia no país, tudo é novidade, valeu pelo longo passeio de metrô e trem até chegar no lugar.

Dia 2: Tóquio

Iniciamos o dia na sede da Prefeitura de Tóquio, um prédio enorme onde existe um mirante gratuito, muito bom.

Vista desde o edifício da Prefeitura de Tóquio

Mas o ponto alto desse passeio foi um concerto improvisado de piano. Isso parece ser comum no Japão, e não foi a única vez que vimos: um piano em espaço público é ocupado por um cidadão qualquer que nos brinda com a execução de alguma peça.

Concerto improvisado no mirante do edifício da Prefeitura de Tóquio

Em seguida, fomos para o Parque Shinjuku Gyoen, um parque próximo muito bonito e bem cuidado.

Parque Shinjuku Gyoen

Ainda pela manhã, fomos até o Palácio Imperial, mas somente tiramos fotos do lado de fora, pois tínhamos um compromisso com um amigo meu dos tempos em que eu visitava Tóquio a trabalho.

Palácio Imperial

Este meu amigo nos levou até o templo Asakusa (o templo mais antigo do Japão), onde pudemos acompanhar as pessoas se purificando com a fumaça de incensos. Além disso, há uma longa viela repleta de lojinhas simpáticas.

Pessoas se purificando em Asakusa

Em seguida fomos para o Sky Tree, a torre mais alta do Japão e a segunda mais alta do mundo. Há dois decks de observação, um a 350 metros de altura e o outro a 450 metros. A vista de lá é impressionante.

Torre Sky Tree, Tóquio

Terminamos o dia em um restaurante Shabu Shabu, em Ginza, em que carnes e vegetais são cozidos em água fervente na própria mesa.

Mesa posta no restaurante Shabu Shabu

Dia 3: Tóquio

Neste último dia em Tóquio, fomos pela manhã no Museu Nacional de Tóquio, o mais antigo museu do Japão, com exposições muito interessantes sobre a história do país.

Armadura samurai no Museu Nacional de Tóquio

Almoçamos ali mesmo no Parque Ueno (onde fica o Museu), pois estava ocorrendo um festival gastronômico com barraquinhas ao ar livre. Em seguida, fomos para Ginza Street, a rua chique das principais grifes da moda. A rua fica fechada para o trânsito aos domingos (como era o caso), proporcionando um ambiente muito agradável.

Ginza Street em um domingo

Por fim, encerramos o dia assistindo a uma peça Kabuki no Teatro Nacional do Japão. Com todo respeito, raras vezes assisti a algo tão chato. A coreografia é lenta, a música é irritante, enfim, valeu a experiência, mas saí entre um ato e outro.

Teatro Nacional, antes do início da peça

Dia 4: Takayama

Pela primeira vez pegamos um trem-bala. Que experiência! Mesmo os vagões ordinários são muito confortáveis. E medi no waze, o trem chega a mais de 230 km/h!

Waze comprovando a velocidade do trem-bala

Iríamos dormir esta noite em Kanazawa, mas passamos a tarde antes em Takayama, uma pequena cidade histórica muito bonita.

Em Takayama visitamos um museu muito interessante, com objetos da chamada “era Showa”, décadas de 50/60. Muito divertido ver eletrodomésticos, brinquedos e outros objetos dessa época!

Dia 5: Kanazawa

Portal da Estação Kanazawa, à noite

Escolhi Kanazawa como parte do roteiro porque o Japão Guide afirmou que seu jardim principal, o Kerokuen, é um dos três mais bonitos do Japão. E deve ser verdade. Um jardim muito grande, extremamente agradável de se passear.

Dentro do jardim visitamos a Villa Seisonkaku, uma casa construída por um samurai para a sua mãe observar o jardim. Uma graça.

Antes de irmos ao Kerokuen, fomos até o distrito Samurai, e visitamos um museu instalado na casa de um dos principais samurais da cidade, o Nomura-ke, além de um outro museu onde funcionava uma espécie de farmácia da época dos samurais, o Shinise Memorial Hall.

Por fim, visitamos o Museu do Século XXI, um museu de arte contemporânea. Infelizmente várias salas estavam em reforma e havia apenas uma exposição.

Por fim, algumas fotos de Kanazawa, à noite.

Dia 6: Kanazawa / Shirakawa-go

Começamos o dia em Kanazawa, visitando o mercado municipal da cidade, o Omicho. É igual ao mercado municipal de São Paulo, com comércios de peixes, frutas e especiarias. Só que do Japão, o que garantiu a presença de alguns seres esquisitos nas barracas.

Ainda pela manhã, pegamos um ônibus até Shirakawa-go, uma cidadezinha charmosa, tombada pela Unesco como patrimônio cultural, pela existência de casas muito características, algumas com 200 anos de idade.

Nessa cidade, dormimos em uma dessas casas, um ryokan ao estilo japonês, ou seja, com acolchoados diretamente no chão de tatame. O jantar e o café da manhã estavam inclusos na diária, e também foram ao estilo bem japonês. Ainda bem que tinha um nativo hospedado, então pudemos observar como ele comia e o imitávamos.

Dia 7: Quioto

Saindo do Shirakawa-go pela manhã, nos dirigimos a Quioto, aonde chegamos na hora do almoço. Deixamos nossas malas em um locker da estação e partimos para visitar o primeiro cartão postal da cidade: o distrito Higashiyama. É neste distrito que se encontram o templo Kiyomizudera e o Pagode Yasaka. Fomos de ônibus, pois o metrô de Quioto é bastante limitado. Foi uma experiência muito positiva, como explicado na seção sobre transporte urbano acima.

Pagode Yasaka

Terminamos o dia dando uma volta na estação de trem de Quioto. Sinceramente, nunca vi nada igual. A arquitetura é magnífica, e tem um escadão com uma iluminação de cair o queixo. Por incrível que pareça, um dos pontos altos de uma cidade conhecida pelos seus templos.

Dia 8: Quioto

Iniciamos o dia indo até o distrito Arashiyama, que fica um pouco distante do centro. Lá fica a famosa “floresta de bambus”.

Floresta dos Bambus

Mas o que realmente valeu a pena nesse passeio (eu diria, um dos pontos altos da nossa viagem) foi a visita ao Okoshi Sanso Villa, que, por incrível que pareça, não estava na minha programação. Localizado na saída da floresta dos bambus, trata-se de um jardim cultivado pelo ator japonês Okoshi Denjiro, falecido em 1962. Belíssimo e muito inspirador. E, no final, tomamos um chá verde com um biscoitinho japonês delicioso.

Fechamos a manhã em Arashiyama visitando o parque dos macacos. Trata-se de uma espécie de zoológico a céu aberto, onde macacos vivem livremente. É um passeio divertido, mas que exige algum preparo físico, pois o parque fica em um morro, que se alcança depois de caminhar uns 20 minutos por escadas e uma rampa íngreme. Fora a vista da cidade de Quioto a partir dali, espetacular.

À tarde, fomos para o Templo Ginkakuji, conhecido como Pavilhão Prateado e, de lá, caminhamos pelo Caminho do Filósofo até o Templo Nanzenji. Deste passeio, sem dúvida o mais interessante foi o Caminho do Filósofo, mais ou menos 2 km ao longo de um canal, com paisagens muito belas.

Dia 9: Quioto / Osaka

De manhã, fomos visitar o Templo Kinkakuji, conhecido como o Pavilhão Dourado. Ao contrário do Pavilhão Prateado que não é prateado, esse templo, de fato, é dourado, muito bonito.

Depois dessa visita, partimos para Osaka, que fica a meia hora de trem de Quioto. Osaka é a segunda maior cidade do Japão. Começamos o passeio pelo imponente Castelo de Osaka, mas que não é o original, é apenas uma cópia. Dentro tem um museu bem interessante da história do Castelo. No restaurante do Castelo comemos Okonomiyaki e Takoyaki, pratos típicos de Osaka, e que só encontramos lá.

Em seguida, fomos ao aquário de Osaka. Trata-se de um tanque gigantesco com espécies do Oceano Pacífico, em que os visitantes começam no último andar e vão descendo, observando os mesmos peixes (inclusive tubarões) de vários ângulos, fora os tanques dos pinguins e outras espécies. Fantástico.

Por fim, terminamos o dia em Osaka no Dontobori, famoso pelos seus neons e vida noturna. Jantamos em um restaurante de tepaniaki (onde a carne é preparada em um grill sobre a mesa), e regressamos a Quioto.

Dia 10: Quioto / Koyasan

Esse foi o dia mais complicado em termos de logística, pois Koyasan é um lugar bem fora de mão. Mas vamos por partes.

Iniciamos o dia ainda em Quioto, visitando o famoso Fushimi Inari, um lugar onde se encontram centenas de Toriis, aqueles arcos típicos japoneses. Em Fushimi Inari, os toriis formam verdadeiros túneis. Os toriis são patrocinados por pessoas físicas e empresas, que colocam seus nomes ali. O lugar é alto, então exige algum esforço físico para subir. Pode-se subir até o meio do caminho, que já proporciona uma vista interessante da cidade, ou continuar até o topo do monte Inari, o que exige mais 20 minutos de subida. Nos contentamos com o meio do caminho, mesmo porque tínhamos horário para a nossa viagem a Koyasan.

Em seguida, fomos ao templo Sanjusangendo, que fica próximo da estação de Quioto. Acho que foi o templo mais impressionante que visitei, pelo número de estátuas em exposição e a descrição das principais divindades do budismo. Infelizmente não foi possível tirar fotos, mas vale a visita.

Começamos então a nossa viagem para Koyasan. De Quioto, precisamos pegar um trem até Osaka, metrô até a estação Namba, um trem até a estação Gokurakubashi (que pode ou não ter baldeação em Hashimoto, a depender do trem), uma cremalheira até a estação de Koyasan e, de lá, um ônibus local até o nosso ryokan. Ufa! Tudo isso precisando chegar antes das 17:00, pois senão perdia-se direito ao jantar incluído na diária. O nosso planejamento incluía deixar nossas malas em um locker em Shin-Osaka e seguir viagem. E quem disse que encontramos algum locker disponível? Nenhum, tudo ocupado. Seguimos viagem de metrô com as malas até Namba, de onde sairia o trem. Quando fomos comprar as passagens (este trem não é da JR e, portanto, não está incluído no JR Pass), soubemos que o trem das 14:00 (que era o nosso plano) havia sido cancelado. Tínhamos que escolher entre 13:00 ou 15:00. Escolhemos 13:00, pois 15:00 chegaríamos muito em cima da hora. O problema foi encontrar locker em Namba. Encontramos um vazio, e deixamos uma das malas. A outra foi deixada em um locker na própria estação de Koyasan. Depois de tudo isso, chegamos em nosso ryokan. Valeu todo o sacrifício. Tratava-se de um templo budista, um silêncio absoluto, uma beleza incomparável. Tínhamos direito a jantar e café da manhã, tudo ao estilo budista, ou seja, completamente vegetariano. E pude assistir a uma cerimônia budista pela manhã. E, claro, dormimos em tatames no chão, como em Shirakawa-go. A estrutura é muito boa, os banheiros são muito bons, não é nada desconfortável. Uma experiência que recomendo.

Dia 11: Koyasan / viagem a Nagasaki

Pela manhã, visitamos o templo Okunoin, onde está sepultado o fundador da seita budista da cidade, Kobo Daishi, uma das personalidades retligiosas mais veneradas no Japão. Há inúmeras pessoas que querem ser enterradas ali para ficarem mais próximas de Kobo Daishi, portanto o cemitério onde fica o templo é imenso. O cemitério é belíssimo e vale a visita.

Depois dessa visita, começamos nosso caminho de volta com a mesma complexidade logística, com um agravante: estávamos nos dirigindo a Nagasaki, no extremo ocidental do país. Todos os guias sugerem Hiroshima como um dos destinos preferenciais. Além de ser bem mais próxima das grandes cidades japonesas do que Nagasaki, Hiroshima é uma cidade maior, e tem um passeio famoso, a ilha de Myiajima. No entanto, aqui entra a preferência pessoal: escolhemos Nagasaki pelo seu papel de porto de entrada dos portugueses e missionários no século XVI e dos ingleses e americanos no século XIX. Trata-se da cidade com a maior influência católica e ocidental do Japão, e tínhamos curiosidade de conhecer essa faceta do país. Não nos arrependemos. Nagasaki foi um dos pontos altos da nossa viagem.

Dia 12: Nagasaki

Em Nagasaki, compramos um passe de um dia de bonde no Centro de Informações Turísticas que fica na Estação de Nagasaki. É muito prático, valeu à pena.

Começamos o dia visitando a Igreja de Oura e o Gloven Garden, um do lado do outro. A Igreja de Oura é a igreja católica mais antiga do Japão, tem muita história envolvida, inclusive de mártires que sofreram com a imposição do budismo como religião oficial do país e o banimento do catolicismo até o século XIX. Hoje, o edifício anexo inclui um museu que conta toda essa história.

Igreja de Oura, Nagasaki

O Gloven Garden é uma espécie de bairro com casas dos pioneiros ingleses que vieram para o Japão no século XIX para fazer negócios, enriqueceram e construíram suas casas nesse lugar. Recebe esse nome por causa de Thomas Gloven, um magnata com vários negócios no Japão, e que construiu a sua casa ali. As casas estão preservadas, inclusive com móveis e utensílios da época. Tem um serviço de aluguel de roupas da época, eu vi meninas japonesas alugando essas roupas para visitar o lugar a caráter.

Por fim, visitamos o Museu da Bomba Atômica. Um lugar impactante. Mostra destroços da época e o efeito sobre as pessoas, algo difícil de ver sem se comover. Além disso, discute a questão dos armamentos nucleares no mundo, um tema super atual.

Terminamos o dia no Monte Inasa, aonde se chega através de um teleférico. De lá temos uma vista espetacular da cidade, principalmente à noite.

Vista desde o Monte Inasa, Nagasaki

Dia 13: Himeji

No caminho de volta para Tóquio desde Nagasaki paramos em dois lugares. O primeiro foi Himeji, onde gastamos a tarde visitando o maior castelo do Japão. Aqui, ao contrário de Osaka, trata-se do castelo original, ainda que restaurado. E que restauração! Desmontaram o castelo inteiro, recuperaram peça por peça e remontaram, em um trabalho de vários anos.

Não há um museu, o museu propriamente dito é o próprio castelo, a atração é sua estrutura.

Como passeio adicional, visitamos o belíssimo jardim Kokoen, que fica ao lado. Atenção: este jardim fica FORA do castelo de Himeji. Ficamos meia hora procurando o jardim dentro dos domínios do castelo, apenas para descobrir que precisava sair, e virar à direita já na rua para chegar ao Kokoen.

Imagem do jardim Kokoen, Himeji

Dia 14: Nagoya

Nagoya é a terceira maior cidade do Japão, depois de Tóquio e Osaka, e também berço da Toyota. Paramos em Nagoya para visitar dois museus ligados à montadora: o museu do automóvel e o museu da tecnologia.

Museu do Automóvel é espetacular. Começa com a exibição de modelos do final do século XIX e passa por todas as gerações de automóveis desde então. Como não poderia deixar de ser, foca na indústria japonesa, mas não deixa de mostrar modelos das montadoras americanas e europeias.

Museu da Tecnologia não fica atrás. Seu foco são as máquinas para a indústria têxtil, atividade que deu início à Toyota. Tivemos o privilégio de ter um tour praticamente private em inglês com a demonstração do funcionamento das principais máquinas expostas. De fato, um monumento à inventividade humana.

A máquina de tear inventada por Sakishi Toyoda, que deu início ao império Toyota

Dia 15: Volta ao Brasil

Nosso voo saía às 11:10, então tivemos tempo apenas de tomar café e embarcar no Narita Express em direção ao aeroporto de Narita, aproveitando o último dia de vigência do JR Pass. O trem leva uma hora para fazer o trajeto entre Tóquio e o aeroporto, então reservamos lugares no trem das 7:55 para chegar com duas horas de antecedência. Por uma desatenção, perdemos este trem, então tivemos que fazer outra reserva para o trem seguinte, que partia 8:30 (o Narita Express só aceita passageiros com reserva de assento). Chegamos a tempo para os trâmites burocráticos, o que incluia a devolução do aparelho de wi-fi.

5. Curiosidades japonesas

Excursões escolares

É impressionante como em todo santo lugar que visitávamos, fosse museu ou templo, invariavelmente havia hordas de alunos organizados em excursões escolares. Armados de caneta e caderno, os alunos tomavam nota do que viam, e eram orientados por professoras ou professores, que explicavam o que estava sendo visto. Todos em fila na maior parte do tempo.

As estações de trem

As estações de trem, principalmente nas grandes cidades, são verdadeiros templos do consumo. Lojas sofisticadas dividem espaço com uma infinidade de restaurantes, o que demonstra que quem passa por essas estações são pessoas com bom poder aquisitivo. Ou seja, o trem é um meio de transporte democrático, compartilhado por pobres e ricos. Os mais abastados, claro, podem viajar em vagões de primeira classe, mas, de qualquer modo, trata-se de um transporte coletivo.

Exemplo de uma grande bomboniere, na estação de Kanazawa. Todas as grandes estações de trem contam com lojas como essa.

Banheiros públicos

Você pode entrar em QUALQUER banheiro público sem medo, seja em estações de trem, seja em espaços públicos como parques e atrações turísticas. É incrível como não tem cheiro, e pode-se lamber o chão. O único inconveniente é que as máquinas para secar as mãos estão desativadas por causa da Covid, e não há papel para enxugar as mãos depois de lavá-las. Então, precisa enxugar na roupa mesmo.

Entrada do banheiro na estação de Nagoya (com as nossas malas)

Pianos

Em nossa visita ao prédio da prefeitura de Tóquio e nas estações de Quioto e Shin-Tosu (um dos lugares em que fizemos baldeação), havia um piano disponível para quem quisesse tocar. Nesses três lugares, fomos brindados por amadores que pareciam profissionais. Em Quioto, inclusive, a moça que estava tocando nos perguntou de onde éramos, e ao saber de nossa origem, tocou “Samba de uma nota só”, do Tom Jobim, cantando em inglês.

Moça tocando Samba de Uma Nota Só na estação de Quioto

Celular na rua

Como disse várias vezes acima, o Google Maps é o seu melhor amigo nas ruas do Japão. Mas, para isso, é preciso poder andar na rua olhando o celular sem medo de ser roubado. No Japão, isso é obviamente possível.

Limpeza das ruas

As ruas são impecáveis, ainda que, em alguns lugares, tenhamos encontrado alguns papeis jogados no chão. Mas chama a atenção quando isso acontece, porque o contraste é evidente. Além disso, não se trata somente de limpeza: as calçadas são inteiras, não há remendos, buracos, etc. Dá gosto de andar à pé pelas ruas das cidades japonesas.

6. Conclusão

Claro que qualquer viagem é bacana. Estar em férias e poder conhecer outros lugares é sempre uma experiência incrível. Mas o Japão é algo especial. Trata-se de uma experiência obviamente diferente das viagens para Estados Unidos / Europa, mas, mais do que isso, talvez seja o único país do oriente que pode ser percorrido de ponta a ponta sem a ajuda de um guia ou uma excursão. Trata-se de um lugar organizado, seguro e com uma boa vontade imensa por parte de seus habitantes para ajudar turistas. Esta viagem superou minhas melhores expectativas.

A união é só no discurso

Muitos se impressionaram com as palavras do discurso de Lula, que virou manchete: “não existem dois Brasis”. Um chamamento ao povo brasileiro pelo distencionamento e união em torno de um projeto nacional de país.

No entanto, dando uma olhada nos discursos dos dois presidentes eleitos anteriores, vamos observar exatamente o mesmo discurso. Bolsonaro prometeu unir e pacificar o país. Dilma chamou os brasileiros à união.

É compreensível. O que menos quer o governante eleito é desunião e briga. Afinal, é ele que detém o poder, e quanto menos oposição houver, melhor. “Todos unidos sob a minha batuta”, poderiam todos eles dizerem.

Infelizmente não é assim que funciona. O voto virou comprovante de caráter pessoal. Votar em Lula significa dizer que a pessoa é conivente com a rapinagem, votar em Bolsonaro significa dizer que a pessoa é anti-democrática, homofóbica e racista. Não há termos de conversa em torno de projeto algum. Não tem papo com mau-caráter, e o Brasil virou um país de maus-caráter para cada uma das metades em que se dividiram os eleitores.

Christopher Garman, diretor da Eurasia, faz precisamente essa análise.

O país está irremediavelmente fraturado, e é ocioso descobrir se a culpa é da serpente, de Eva ou de Adão. O fato é esse, e temos que lidar com isso. Bolsonaro poderia ter colaborado para uma distensão se ligasse para Lula reconhecendo sua derrota. Lula poderia ter colaborado para a distensão se não chamasse de golpistas os que seguiram o rito democrático do impeachment. Mas é esperar muito algum gesto de grandeza desses dois senhores. Discursos de “união” são muito bonitos no papel, mas é na prática que se medem as reais intenções de quem os profere. E a prática, convenhamos, vem desmentindo o discurso há muitos anos.

Garman não condiciona a essa coesão social uma agenda econômica minimamente aceitável, com o que eu concordo. Menos mal. Porque, se fosse depender da “pacificação nacional”, seria mais provável voltarmos para a idade da pedra lascada em termos de desenvolvimento.

Minha declaração de voto

Bom dia, amigos! Pousei ontem depois de duas semanas de férias no Japão (um post a respeito da viagem está a caminho!). Hoje, depois de uma noite de sono reparador e recuperado de dois voos intercontinentais seguidos e 12 horas de diferença de fuso, volto para falar daquilo que interessa.

O Estadão está, hoje, lamuriento. Sua manchete chama a atenção para a polarização que tomou conta do país, seu editorial clama por um “pacificador” e entrevista do cientista político Bolívar Lamounier, tucano clássico, transpira pessimismo por todos os poros em relação à capacidade do próximo presidente de “unir” o país.

Vou falar o óbvio: só existem duas opções, e vivemos em um sistema político em que “the winner takes all”. Ou seja, literalmente metade do país será governado por alguém visto como intragável. Aliás, mais da metade, se considerados os votos nulos e as abstenções. Este é o sistema em que vivemos e a única “solução” seria uma guerra civil seguida pela secessão do país.

Qualquer dos dois candidatos disponíveis não será capaz de unir o país. Em primeiro lugar, porque ambos vivem da demonização do outro. E, em segundo lugar, porque essa é uma utopia que não ocorre em nenhuma democracia. Unanimidade em torno de um projeto político somente é possível em regimes autoritários, em que o lado discordante é calado. Portanto, vamos deixar de lado as utopias e lidar com a realidade mais rasteira: Bolsonaro ou Lula será o nosso presidente nos próximos 4 anos, em um ambiente beligerante, em que o outro lado não deixará de fazer oposição feroz.

Uma pequena digressão antes de continuarmos. Ontem pousei em Guarulhos às 6 da manhã e, antes de voltar para casa, passamos por uma padaria famosa aqui em São Paulo para tomar um café. Foi triste. O serviço foi péssimo. O despreparo da mão de obra era evidente. Havia muitos empregados fazendo o serviço que poderia ser feito por muitos menos se houvesse mais eficiência. Estava clara ali a tragédia nacional. Eu estava vindo de um país com renda per capita 3 vezes maior do que a do Brasil. Isso significa que cada japonês consegue produzir 3 vezes mais do que cada brasileiro. Ou, de outra forma, cada japonês faz o serviço de 3 brasileiros. Na padaria japonesa, se existisse, seriam necessários 3 vezes menos funcionários para oferecer o mesmo nível de serviço. Isso acontece porque a mão de obra é muito melhor preparada, além de serem disponíveis meios de produção e de administração mais eficientes. PIB per capita não é apenas uma medida de riqueza, mas antes e principalmente, trata-se de eficiência. Eficiência que se traduz, no final do dia, em mais riqueza para todos.

Tendo sentido na pele o que significa viver em um país de renda média, não pude deixar de pensar o que nos oferecem os dois candidatos em relação ao aumento da eficiência. Não estou aqui falando de corrupção, empatia, pendores democráticos. Refiro-me especificamente à capacidade de ambos os candidatos de levar o país para o próximo nível em termos econômicos.

Dos dois candidatos, Bolsonaro representa um projeto econômico mais próximo daquilo que acredito estar na direção correta. As limitações do atual presidente são evidentes, não preciso gastar verbo aqui para descrevê-las. O presidente e as atuais lideranças do Congresso fizeram todo o necessário para sabotar a credibilidade da única regra fiscal que temos, o ministro da fazenda prefere a CPMF a uma reforma tributária ampla e as constantes mudanças na direção da Petrobras certamente não contribuíram para o ambiente econômico. Trata-se, afinal, de um populista, e não dá para esperar muito de um populista.

No entanto, por mais deletérias que tenham sido suas intervenções na economia, há uma diferença fundamental de natureza em relação ao ideário do PT, que nos legou a maior recessão da história do Brasil. Minha série sobre a economia na era PT faz uma autópsia desse tempo, e as manifestações de Lula a respeito indicam que nada aprenderam. Portanto, podemos esperar que tentem mais forte, usando todos os instrumentos disponíveis para intervir na atividade econômica, com os resultados conhecidos.

Por isso, meu voto vai para Bolsonaro, com a consciência de que está longe de ser o ideal. Reconheço que considerações de outras naturezas que não a econômica podem levar ao voto no candidato do PT, e respeito a escolha de cada um de acordo com a sua própria visão de mundo, assim como espero que respeitem a minha. Respeito mútuo, mais do que uma utópica concordância em torno de um projeto único, talvez seja o que esteja mais faltando em nosso país.

Este voto, obviamente, não me tirará o direito de criticar um próximo governo Bolsonaro, se eleito, em todos os seus aspectos criticáveis, como sempre fiz por aqui. Afinal, não é o voto que define o direito à crítica, mas o simples fato de ser cidadão.

O ciclo da pobreza eterna

O deputado Danilo Forte, do Ceará, cobra uma “plano de desenvolvimento do Nordeste” dos dois candidatos.

Para quem, como eu, já está beirando os 60, é impossível não sentir um déjà vu com essa cobrança. Desde que me conheço por gente, lá pela década de 70, ouço políticos prometendo grandiosos projetos para o desenvolvimento da região. Desde a criação do Banco do Nordeste, passando por grandes obras redentoras, como a Refinaria Abreu e Lima e a transposição do São Francisco, até o estabelecimento de programas sociais para “erradicar a pobreza”, o Nordeste tem sido, ao longo de décadas, objeto de “planos de desenvolvimento” mais infalíveis que os planos do Cebolinha para derrotar a Mônica.

Assim que li a cobrança do deputado, lembrei de um artigo de ontem, no Valor, que descreve as dificuldades da ANA (Agência Nacional de Águas) de fazer valer o marco do saneamento em quase 20% dos municípios brasileiros, a maioria no Norte e Nordeste.

O marco estabelece que empresas estaduais de saneamento deveriam provar capacidade econômico-financeira para atingir a meta de universalização da coleta de esgoto até 2033. Caso não provassem, licitações deveriam ser abertas para a entrada de companhias privadas interessadas em explorar a concessão. Parece que, até o momento, dois anos depois da edição do marco, vários estados e municípios da região não cumpriram nenhuma das duas determinações. É duro largar o osso.

Saneamento é um item essencial para o desenvolvimento de qualquer região, sem contar os investimentos diretos das empresas durante a construção da infraestrutura. Mas interesses outros de políticos da região vêm impedindo que a coisa aconteça. E esta é, certamente, somente a ponta de um iceberg de práticas extrativistas por parte das elites da região. Assim como acontece com a ajuda humanitária para países da África ou para o Haiti, o dinheiro doado é sugado, em grande parte, pela elite dirigente, sobrando algumas migalhas para os mais pobres.

O economista Daron Acemoglu, em seu clássico Porque as Nações Fracassam, defende que são as instituições dos países que determinam a sua riqueza, e não seus recursos naturais ou o acesso fácil a riquezas. Sem instituições que ele chama de “inclusivas”, em que todos são cidadãos e onde grupos de interesse não conseguem sequestrar permanentemente a máquina do Estado, as nações estão fadadas, mais cedo ou mais tarde, ao fracasso.

“Não largar o osso” é a forma popular de dizer que instituições extrativistas tomam para si grande parte da riqueza gerada. Ao não “largar o osso” de suas companhias estaduais de saneamento, as elites dirigentes locais estão apenas seguindo a lógica das instituições extrativistas, na definição de Acemoglu. Quando o deputado do Ceará pede mais “projetos de desenvolvimento”, o que está pedindo, de fato, são ossos com alguma carne nova para roer, porque os ossos dos projetos anteriores já deram o que tinham que dar. A elite dirigente da região sempre vai precisar de novos ossos jogados pelo poder central, porque a prática extrativista não gera riqueza. E esta mesma elite dirigente vai pedir votos do povo acenando com projetos redentores de desenvolvimento. Assim, o ciclo da pobreza eterna se fecha.

Um erro constante também é um acerto

Eu tenho uma esteira ergométrica com defeito. Ela funciona normalmente, mas o visor não marca a velocidade corretamente. Geralmente, eu caminho a 6 km/h, mas o visor marca 4,5 km/h quando eu ando em minha velocidade de cruzeiro. Vou jogar fora a esteira por causa disso? Claro que não. O visor não deixa de ser útil, mesmo marcando errado. Basta saber que há um erro e adotar um “coeficiente de correção”. Assim, quando a velocidade está em 4,5, sei que cheguei a 6,0 km/h. E vida que segue.

Um medidor é bom quando acerta, mas também é bom quando erra de maneira não aleatória. Um medidor que sempre erra para cima ou para baixo de maneira constante é tão bom quanto um medidor que acerta, pois sabemos, uma vez conhecido o erro, quanto devemos corrigir a leitura para chegar na medida correta.

Nesse sentido, as pesquisas do IPEC são úteis. Dado que os seus erros não foram aleatórios na maioria das vezes, basta corrigir o seu resultado para chegar em uma medida mais próxima da realidade. Por exemplo, na véspera do 1o turno, o instituto indicava 14 pontos de diferença entre Lula e Bolsonaro. Como sabemos, a diferença foi de 5 pontos.

Assim, usando uma regrinha de três simples, se a diferença medida pelo mesmo instituto está agora em 9 pontos, podemos estimar a real diferença como algo em torno de 3 a 4 pontos. Aliás, é essa diferença que vem sendo apontada por outros institutos que se aproximaram melhor do resultado final do que o IPEC.

Por fim, há jornalistas, como Maria Cristina Fernandes, do Valor, para quem o erro do IPEC não existiu. Continua analisando os números como se nada tivesse acontecido. O IPEC, assim como o DataFolha, são o “padrão ouro” das pesquisas, e se a medição não bate com a realidade, dane-se a realidade. Seria cômico se não fosse ridículo.

Uma ausência notável

Lula faz segredo sobre o seu ministério, o que deixa as especulações correndo soltas. A jornalista Andrea Jubé, hoje, no Valor, é mais uma que pratica o esporte predileto dos colunistas políticos nesses dias.

Em todas as listas de ministeriáveis, no entanto, uma ausência grita alto: a da ex-presidente Dilma Rousseff.

Dilma não é um quadro qualquer. Difícil encontrar no PT ou em qualquer outro partido alguém com a sua experiência. Mulher-forte do governo Lula desde 2005, quando assumiu a Casa Civil, e presidente da República por pouco mais de 5 anos, Dilma foi o cérebro e os músculos dos governos do PT entre 2005 e 2016. Alcunhada pelo próprio Lula de ”mãe do PAC”, Dilma seria a escolha natural para coordenar o programa que Lula promete ressuscitar.

A completa ausência de Dilma das especulações sobre o ministério de Lula só pode ser explicada por um grande pacto do silêncio em torno de um parente inconveniente. É daqueles assuntos proibidos em conversas em torno da mesa, pelo constrangimento que causam. Em uma das raras ocasiões em que Lula foi confrontado com o seu segredo, em entrevista a Willian Waack, escapou pela tangente. “Vamos falar do meu governo”, quase suplicou o ex-presidente. Não se trata de um assunto fácil.

Acho que Dilma é uma grande injustiçada. Seu grande pecado foi ter levado ao limite todas as ideias econômicas do PT. Quando veio o desastre, levou a culpa sozinha. Aliás, se perguntado, Lula dirá que Dilma fez tudo certo, que os culpados pela crise foram a Lava-Jato, os americanos, os golpistas etc. O que torna a sua ausência da lista de ministeriávies algo incompreensível: afinal, se ela fez “tudo certo”, por que abrir mão de um quadro tão qualificado?

Quando economistas pedem “responsabilidade na condução da política econômica”, referem-se veladamente às políticas levadas a cabo por Dilma Rousseff. A ausência de Dilma da lista de ministeriáveis serve como uma espécie de ”garantia” de que seus erros não serão cometidos novamente. Como se suas “ideias sobre economia” fossem de sua própria lavra, e não patrimônio comum a todo o “pensamento econômico” do PT. No fundo, a esperança dos economistas apoiadores de Lula é de que o PT não seja o PT.

O que precisa ser estudado

O editorial do Estadão dá voz à perplexidade que tomou conta de alguns círculos bem-pensantes do país diante dos resultados eleitorais, particularmente para o Legislativo. Por ”razões ainda a serem estudadas”, os eleitores escolheram ministros completamente ineptos para representá-los no Congresso.

Vou dar aqui minha humilde contribuição para os “estudos” a serem feitos.

Comecemos com Damares e Salles. A questão, talvez, não é que tenham sido incompetentes. Pelo contrário. Esses dois ministros foram vistos como muito competentes na implementação da agenda vencedora das eleições de 2018, o que inclui valores conservadores da família e o uso da floresta para o desenvolvimento econômico. Para desgosto do Estadão, existe uma parcela da população que endossa essas agendas e viu em Damares e Salles seus legítimos representantes.

Já o caso de Pazuello é outro. As centenas de milhares de mortes causadas pela Covid certamente não fazem parte da agenda de ninguém. A perplexidade aqui é outra: como pode a população premiar com um mandato parlamentar um “negacionista”? O editorial reconhece que não dá para colocar 100% das mortes por Covid nas costas do governo, mas atribui à dupla Bolsonaro/Pazuello a transformação de uma calamidade em uma tragédia.

Será esta mesmo a percepção de toda a população? Creio que não. Para uma parcela dos eleitores, a Covid foi o que foi, ceifou vidas no mundo inteiro, e mesmo países com governos “responsáveis” sofreram muito com a doença. Bolsonaro deve ter perdido votos preciosos com seu discurso anti-vacina, mas não o suficiente para evitar que seu lugar-tenente fosse eleito. Aliás, pelo contrário: o discurso anti-vacina agrada uma parcela dos eleitores, o suficiente para eleger um seu representante no Congresso.

Por outro lado, o editorial constata, perplexo, que Bolsonaro obteve mais de 50% dos votos em Manaus, o epicentro da CPI da Covid. Aqui já não se trata de uma parcela da população, mas de sua maioria. Como explicar? Já tive oportunidade de escrever sobre isso aqui: os eventos de Manaus se encaixam em um contexto em que a população já está acostumada a não ter assistência decente de saúde. A população, em grande parte, simplesmente não ligou o que aconteceu com o governo federal, dado que os hospitais são estaduais ou municipais. A CPI tentou fazer essa ligação, mas só teve sucesso com quem não mora em Manaus.

Por fim, a simples ligação com Bolsonaro não foi o suficiente para eleger parlamentares. Queiroz e Wasseff não foram eleitos, por exemplo. O que reforça a tese de que não basta ser bolsonarista, é preciso trabalhar pela agenda que ele representa. O bolsonarismo é maior do que Bolsonaro. É isso que precisa ser estudado.

Boa vontade e tolerância

Conheço pessoas honestas, trabalhadoras, inteligentes, bem informadas, que amam o seu país, e que vão votar em Lula.

Conheço pessoas honestas, trabalhadoras, inteligentes, bem informadas, que amam o seu país, e que vão votar em Bolsonaro.

Essas pessoas pensam, sinceramente, que o “outro lado” será tão pernicioso, mas tão prejudicial ao país, que o voto de alguém no candidato do “outro lado” só pode ser explicado por algum desvio moral ou por uma falha cognitiva insanável.

O que, obviamente, não bate com a descrição acima dos eleitores de ambos os lados.

Talvez tenha chegado o momento de admitir que, talvez, ambos os lados estejam corretos na escolha de seus candidatos (desde o seu particular ponto de vista) e errados na avaliação do voto do outro.

Claro que isso supõe uma imensa dose de boa vontade e tolerância, artigos em falta nesse nosso tempo.

Raio-x da votação na cidade de São Paulo

A cidade de São Paulo deu vitória a Lula sobre Bolsonaro no 1o turno. Foram 47,54% de votos válidos para Lula contra 37,99% para Bolsonaro.

Fiz um levantamento para ver em que bairros Lula e Bolsonaro conseguiram maior vantagem um sobre o outro. A seguir, a lista das zonas eleitorais onde a diferença entre os dois foi maior do que 10 pontos percentuais:

Zonas eleitorais onde Lula ganhou por mais de 10 pontos de diferença:

  • Bela Vista: 56,46% x 29,60%
  • Água Branca: 46,39% x 35,33%
  • Itaquera: 49,10% x 38,03%
  • Pinheiros: 46,75% x 32,72%
  • Capela do Socorro: 48,11% x 37,16%
  • Jabaquara: 47,88% x 35,95%
  • Vila Pirajussara: 53,95% x 32,94%
  • Jd. Prudência: 50,68% x 35,04%
  • Itaim Paulista: 52,54% x 36,39%
  • Guaianazes: 55,83% x 33,53%
  • Cidade Dutra: 61,77% x 27,37%
  • Jardim Ângela: 62,16% x 26,94%
  • Jardim Atlântico: 57,27% x 30,47%
  • Rio Pequeno: 50,14% x 34,66%
  • São Mateus: 54,25% x 34,74%
  • Freguesia do Ó: 52,99% x 34,99%
  • Parelheiros: 60,40% x 28,52%
  • Jardim Adelfiore: 55,04% x 33,76%
  • Vila Curuçá: 52,81% x 36,54%
  • Vila Jacuí: 49,31% x 38,90%
  • Jaraguá: 50,21% x 36,59%
  • Jardim Helena: 52,52% x 33,97%
  • Vila Emir: 53,07% x 33,37%

Zonas eleitorais onde Bolsonaro ganhou por mais de 10 pontos de diferença:

  • Mooca: 48,84% x 34,69%
  • Santo Amaro: 44,85% x 33,60%
  • Santana: 48,73% x 33,47%
  • Vila Azevedo: 48,98% x 34,14%
  • Itaim Bibi: 46,27% x 31,41%
  • Vila Formosa: 49,32% x 34,97%

Um voto enxaguado, limpinho e pronto para uso

“Votaremos em Lula no 2º turno. Nossa expectativa é de condução responsável da economia”.

Em nota com apenas 14 palavras, os chamados “país” do Plano Real declararam voto em Lula no 2o turno. Apesar de lacônica, são muitas as mensagens transmitidas.

Em primeiro lugar, o apoio em si. Malan, Arida, Arminio e Bacha fazem parte do velho PSDB, aquele que entregou de bandeja o país para o PT e definhou. Essa declaração de voto, portanto, segue a mesma linha do apoio de FHC, Serra, Zé Aníbal, Tasso, sem falar em Alckmin. Trata-se de pura e simples síndrome de Estocolmo.

Em segundo lugar, a nota sacrificou a precisão para ser sintética. Uma nota mais precisa teria um complemento do tipo “Nossa expectativa é de condução responsável da economia e o não uso de esquemas de corrupção em estatais para sustentar máquinas partidárias”. Seria um pouco mais longo e menos elegante, mas ampliaria os compromissos sugeridos ao candidato.

Por fim, os “pais” do Plano Real deram a fórmula perfeita para quem quer votar em Bolsonaro posando de limpinho. “Votaremos em Bolsonaro no 2o turno. Nossa expectativa é de respeito às instituições”. Pronto! Está aí um voto lavado, enxaguado e pronto pra uso.

Fariam bem os quatro em lerem o artigo de Alexandre Schartzman, ex-diretor do BC no primeiro governo Lula, na Folha.