Ativismo judicial no dos outros é refresco

Ativismo judicial. Já ouviu falar neste termo?

Aqui no Brasil, o bolsonarismo tem sido a mais vocal, mas não única, força política a condenar o ativismo do nosso Supremo. Aqui temos um Supremo predominantemente progressista contra um Executivo conservador.

Nos EUA os papeis se invertem: um governo progressista contra um Supremo conservador. O presidente Biden rotulou a decisão da Suprema Corte de anular a Roe vs. Wade de “outrageous”, revoltante. E a Economist faz coro, dizendo que o Supremo não pode ter este tipo de “ativismo”.

No fundo, mais uma vez, não se trata de um problema conceitual sobre as atribuições da Corte Suprema, mas sobre o tipo de decisão que a Corte toma. Se me agrada, está cumprindo o seu papel. Se não me agrada, está sendo ativista. E isso vale para todas as colorações políticas.

Falta a fase 2 do plano

Já disse aqui que tenho um amigo que se converteu ao bom mocismo esquerdista. Sendo classe média alta, tem insistido no fato de que a distribuição de renda no país é muito injusta, que deveríamos taxar fortunas, que o capitalismo não funcionou para distribuir riqueza e outras coisas do tipo. O último samba de uma nota só é o programa de renda mínima do Suplicy. Segundo meu amigo, é a solução para o problema da distribuição de riqueza no país.

Sempre que converso com esse meu amigo, não consigo deixar de lembrar de um episódio do South Park, em que os garotos entram em uma caverna de duendes em busca de orientação sobre como as empresas funcionam.

Os duendes, por sua vez, estão colocando em prática um plano infalível para fazer lucro:

Fase 1: Acumular cuecas

Fase 2: ?

Fase 3: Fazer lucro

Os garotos não entendem bem como acumular cuecas gera lucros, mas os duendes estão convencidos de que vão lucrar muito com o negócio, mesmo não tendo ideia de qual é a fase 2 do plano.

Esquerdistas-raíz, também conhecidos como comunistas, têm um plano bem definido, em que sabem bem qual é a fase 2:

Fase 1: Instalar uma ditadura

Fase 2: Expropriar os meios de produção e produzir tudo de acordo com “as necessidades do povo”.

Fase 3: Povo feliz, cada um produzindo conforme sua capacidade e consumindo conforme sua necessidade.

Bem, vimos onde foi parar a antiga União Soviética, e onde estão hoje Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Os comunistas descobriram, da pior maneira possível, que a fase 2 não leva até a fase 3.

Mas existem os esquerdistas-bom moços. Não são trogloditas como os comunistas, não pensam em instaurar uma ditadura e nem expropriar meios de produção. Seu plano é bem mais fofo:

Fase 1: Implementar um programa de renda mínima (aqui pode ser qualquer programa social)

Fase 2: ?

Fase 3: Todos se tornam mais ricos e felizes

A fase 1 não parece tão ridícula quanto “acumular cuecas”, mas o efeito prático é o mesmo. A ideia é de que existe um caminho mágico entre o programa social e a riqueza das pessoas, como se o dinheiro necessário brotasse das cuecas dos duendes.

Este tipo de pensamento mágico é o que faz com que a esquerda esteja sempre pensando em “um outro mundo possível”, enquanto nunca passamos da Fase 1 no mundo concreto onde vivemos. Isso acontece porque a Fase 2 é muito complexa: envolve produzir mais com menos recursos, melhorar a qualidade do capital humano, atrair investimentos produtivos, diminuir a burocracia que impede o empreendedorismo e uma longa lista de medidas que poderiam fazer o dinheiro brotar para financiar o plano.

Tudo isso, no entanto, é um tanto “neoliberal” e, portanto, não conta com a simpatia do bom-mocismo esquerdista. Melhor é gastar energia na Fase 1, juntando cuecas.

A Economia Brasileira na Era PT: Teaser da 2a Temporada

2a temporada: tente mais forte

“A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda, como farsa” (Karl Marx)

A julgar pelo recém-publicado Programa de Governo do PT, estamos caminhando para uma 2ª temporada sem muitas novidades em relação à primeira.

Comecemos com as menções à “reindustrialização” do país, que está citada nos itens 15 e 61-63.

Note como são as mesmas velhas promessas grandiosas de novos tempos para a indústria nacional, com base em incentivos governamentais dirigidos a setores e empresas escolhidas e com direito até à “redução do custo do crédito” (oi, BNDES, é você?). Já vimos, na 1ª temporada, como políticas desse tipo sugam recursos públicos sem efeitos tanto no crescimento econômico quanto na “reindustrialização” do país. Mas, quem sabe, se tentarmos mais forte…

Claro que, neste plano, não poderiam faltar os bancos públicos:

Já vimos onde vai dar a oferta de crédito para o fomento do desenvolvimento econômico… E, claro, não poderia faltar o uso dos bancos públicos para livrar os endividados de seus tormentos:

E por falar em “ajudar o povo”, não poderiam faltar as “bondades sociais”, como a valorização do salário mínimo, programas grandiosos de construção de casas e uma “nova Previdência”.

Este item 17 é muito importante, e como que simboliza um modo de pensar a economia. A sustentabilidade da previdência se dará pela inclusão de mais pessoas no sistema, o que permitiria sustentar aumentos reais dos benefícios vinculados ao salário mínimo (item 16) e a “superação da medidas regressivas”, o que, supõe-se, significa voltar aos antigos critérios de concessão de aposentadoria. Isso é o que chamo de “visão piramidal” da realidade. Segundo essa visão, é possível sustentar benefícios acima da capacidade do sistema colocando mais gente para dentro. Isso, na heróica hipótese de que a economia vai crescer muito com as empresas tendo que bancar o recolhimento do INSS de uma galera que precisa ser registrada para entrar no sistema.

O problema desse tipo de esquema é que, um dia, as pessoas acabam. Estamos envelhecendo, então, em um futuro não muito distante, mesmo com a economia bombando, serão menos pessoas entrando no sistema, para sustentar cada vez mais gente se aposentando. É quando a pirâmide desmorona. No caso da economia a lá PT, nem precisa esperar o futuro. A pirâmide desmorona antes, como vimos no governo Dilma.

Sigamos para o coração da proposta econômica do PT, as políticas fiscal e de combate à inflação. Comecemos pelo fiscal.

Já tive oportunidade de escrever, em outra ocasião, que o PT está certo neste ponto: o atual arcabouço fiscal perdeu sua credibilidade. O problema, no entanto, é o que colocar no lugar. A julgar pelo que vai escrito acima, há muitas boas intenções, mas pouca ideia do que fazer. A atual regra do teto, se implementada, já é anticíclica, uma vez que permite o crescimento das despesas (pela inflação) mesmo quando a economia entra em recessão. O que o governo do PT quer, na verdade, é ter espaço para gastar mesmo com o país crescendo. Por que já vimos que o “anticíclico” serve só quando a atividade econômica se desacelera, não o oposto.

Como nota cômica involuntária, temos a promessa de “acompanhamento da relação custo-benefício das políticas públicas”. Como se o PT, alguma vez em sua longa estadia no Palácio do Planalto, tivesse avaliado alguma política pública sequer. Todas foram muito certas e efetivas.

Mas é no combate à inflação que podemos observar o PT em plena forma:

De fato, considerando que a política monetária (juros determinados pelo BC) deixará de ter efeito com o desastre fiscal prometido pelo programa do PT, só restará a cartilha petista do “controle de preços”: manipulação de tarifas públicas através das estatais, estoques reguladores, intervenção no câmbio. A nossa vizinha ao sul implementa todas essas políticas, e acabou de ultrapassar 60% de inflação anual. Mas, quem sabe se tentarmos mais forte aqui, funcione.

E outra nota cômica involuntária: a promessa de “abrasileirar” os preços dos combustíveis (ou seja, praticar preços abaixo da paridade internacional) e, ao mesmo tempo, investir em refinarias. Com que dinheiro? Se os preços são “abrasileirados”, a capacidade de investimento da empresa fica limitada. A própria expressão “os ganhos do pré-sal não podem se esvair” é uma contradição em termos com o restante do programa, que propõe justamente rasgar o dinheiro produzido às duras penas pela exploração do pré-sal.

Por fim, como cereja do bolo, não podia faltar a defesa das estatais e do papel indutor do Estado:

Na 2ª temporada, veremos a Petrobras novamente sendo usada para construir refinarias inviáveis economicamente, subsidiando combustíveis e “induzindo” a “reindustrialização” brasileira. Sim, tentaremos mais forte.

Este teaser termina com um item que constava do rascunho do programa, mas que foi retirado da versão final.

Na verdade, a menção ao pré-sal continua no item 77 do documento final, que defende que “o fundo social do pré-sal deve estar, novamente, a serviço do futuro”. Gosto desse item da forma como estava no rascunho, pois traduz, como nenhum outro, a forma de pensar do PT.

Para o pensamento utópico dos economistas do partido, o pré-sal é uma espécie de loteria, em que o dinheiro vai jorrar para atender todas as necessidades sociais dos brasileiros e, de quebra, financiar o crescimento econômico e a transição energética. Essa espécie de pensamento mágico desconsidera a dificuldade inerente a qualquer atividade econômica. É preciso investir de maneira eficiente para explorar e comercializar o petróleo. Caso contrário, como vimos no episódio 5, ele permanecerá debaixo da terra. Passaram-se já 15 anos desde a descoberta dessas reservas, e continuamos mal e porcamente produzindo petróleo suficiente apenas para nossas necessidades de consumo domésticas. O saldo para exportar e formar o tal “fundo social”, ainda não existe. E, com a forma de administrar do PT, provavelmente nunca existirá.

Mas, ao que tudo indica, teremos a 2a temporada para comprovar a hipótese. Tentaremos mais forte.


Leia todos os episódios da série A Economia Brasileira na Era PT:

Episódio 1: Brilha Uma Estrela

Episódio 2: Pedala, Dilma!

Episódio 3: Faz de Conta que Acredito em Suas Boas Intenções

Episódio 4: Na Base do Anabolizante

Episódio 5: Manual Para Quebrar uma Empresa

Episódio 6: Cuidado! Alta Tensão!

Episódio 7: Fact Checking

Episódio 8: Uma Alegoria da Era PT

Extra: Teaser da 2a Temporada

Basta ler nas entrelinhas

Político nunca mente. Político diz a verdade nas entrelinhas. Cabe ao interlocutor ler nessas entrelinhas. Tomar a valor de face o que político diz é querer ser enganado. Os que exigem sincericidio de políticos chamam de hipócrita o discurso que, como dizia Roberto Campos a respeito de biquínis e estatísticas, “mostram tudo e escondem o essencial”. A entrevista de Flávio Bolsonaro, hoje, no Estadão, é um exemplo acabado de mentira sincera. Destaco dois trechos.

No primeiro, o senador afirma que o pacote de bondades em tramitação no Congresso não tem nada a ver com as eleições, tendo como único objetivo “ajudar os mais pobres”.

Claro, claro. A coisa fica ainda mais ridícula quando vemos o bolsonarismo tentando nos convencer de que o país está indo de vento em popa, crescendo e gerando empregos. Pra que, então, o tal pacote? Mas nada seria capaz de fazer o político cometer sincericidio e admitir o fim eleitoreiro das medidas. Essa interpretação cabe ao interlocutor.

No segundo trecho, o senador afirma que Trump não teve nada a ver com a invasão do Capitólio. Seus seguidores simplesmente se insurgiram contra denúncias de fraudes eleitorais e o presidente não teria como controlá-los.

Aqui, a entrelinha não é tão explícita quanto no caso da PEC eleitoreira, mas também não é difícil de ler. Donald Trump passou o seu mandato inteiro desqualificando o sistema eleitoral norte-americano e, durante as eleições, repercutiu dezenas de boatos falsos a respeito de fraudes. (Tive a oportunidade de escrever um longo post a respeito, esclarecendo – para aqueles que querem ser esclarecidos – sobre cada um desses boatos). Além disso, o ainda presidente americano juntou uma galera ao lado do Capitólio para pressionar os senadores a não reconhecerem o resultado das eleições. Claro, ninguém ouviu uma ordem explícita do ex-presidente para a invasão. E precisava?

O paralelo com a situação atual no Brasil é cristalino. Ao dizer que o presidente não tem como “controlar seus seguidores”, o senador quer nos fazer crer que, depois de passar 4 anos dizendo que as eleições de 2018 foram fraudadas, que o sistema eleitoral brasileiro é vulnerável e, provavelmente, durante as eleições, espalhar boatos de fraudes, o presidente não terá qualquer responsabilidade por invasões a lá Capitólio ou qualquer outra manifestação violenta. Como se fosse necessária uma ordem explícita.

É óbvio que Flávio Bolsonaro nunca vai dizer explicitamente que a PEC em tramitação no Congresso tem fim unicamente eleitoral, ou que seu pai seria o responsável por manifestações violentas pós-eleições. Não precisa. Basta ler nas entrelinhas.

Pimenta no falo dos outros é refresco

Imagine um articulista qualquer identificado com a direita escrevendo o seguinte:

“Com a coxa bem torneada e a sua voz rouca, Lula é o falo que sua eleitora gostaria de ter”

E continuaria:

“A eletricidade sexual entre o ex-presidente e suas admiradoras reafirma o empoderamento das intelectuais de esquerda”.

Não, nenhum articulista identificado com a direita ousaria escrever uma bobagem agressiva nesse nível. Seria cancelado antes que pudesse articular a palavra “falo”.

Mas Marcelo Coelho se achou no direito de ofender milhões de mulheres que, por um motivo ou por outro, preferem votar em Bolsonaro do que em Lula. Não fosse suficiente a psicanálise de botequim, Coelho ainda usa pejorativamente o termo ”donas de casa”, quase que como um sinônimo de parvas que precisam de um consolo que os seus maridos já não são capazes de dar.

Não, não haverá protestos de feministas.

Não, ele não será acusado de misoginia ou de machismo.

Não, não haverá abaixo-assinados de jornalistas da Folha contra a publicação de artigos que ofendam as mulheres.

Não, as “donas de casa de extrema-direita” não merecem respeito. Podem ser cuspidas e estupradas metaforicamente por um “articulista do bem”.

A economia brasileira na era PT. Episódio 8: Uma alegoria da era PT.

Vimos, ao longo dos episódios anteriores, que o governo do PT provocou uma verdadeira destruição de riqueza com suas políticas sempre bem-intencionadas, mas erradas conceitualmente ou simplesmente terrivelmente mal executadas. É difícil resumir tudo, são muitas facetas diferentes. Mas, para escolher um episódio final, um que represente o conjunto da obra, lembrei-me de um post antigo, em que comento a saga do Teleférico do Alemão. O post teve como base reportagem do Estadão de abril de 2021. Este é, em minha opinião, o extrato concentrado do que significou o governo do PT para a economia brasileira. O post vai reproduzido abaixo.

Teleférico do Alemão: Uma alegoria do governo do PT

Existem símbolos que retratam uma era. Também existem símbolos que retratam as consequências de um certo tipo de mentalidade. Quando um símbolo representa as duas coisas, estamos diante de algo poderoso.

O teleférico do Alemão vai completar 11 anos em julho. Está fechado, no entanto, desde o fim das Olimpíadas do Rio. Há 6 anos, portanto.

A obra era a face social do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, um conjunto de investimentos públicos empacotado em uma campanha de marketing. O Brasil estava na crista da onda, o dinheiro abundava e gastávamos como se não houvesse amanhã. Dilma foi eleita em 2010 como a mãe do PAC.

Em seu discurso de inauguração, Dilma lembrou de seu padrinho e se emocionou. Disse que Lula pensou em tudo aquilo com muito amor e carinho. Era a época do Estado-Mãe, que não fica preso a planilhas de despesas, e investe o que for preciso para tornarem todos felizes.

Todos felizes. Inclusive os que usaram a obra para cobrar faturas de serviços prestados, como a Odebrecht, que foi, coincidentemente, a empreiteira contratada. Dos que aparecem na foto de dezembro de 2010, quando Lula visita a obra, somente o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, não foi preso.

Mas esse é o detalhe menos importante dessa história. O ponto relevante aqui é o gasto de recursos públicos em obras inviáveis economicamente. No caso, R$ 210 milhões em dinheiro de 2011. Inviável porque qualquer obra de infraestrutura necessita de manutenção. Não adianta só construir e inaugurar. É preciso prever a manutenção. Caso contrário, a deterioração vai levar inexoravelmente ao sucateamento. Essa é a realidade, por mais amor e carinho que se possa colocar em uma obra.

O financiamento da manutenção pode ocorrer basicamente de três formas: governo, usuários e patrocínio. O transporte público nas grandes cidades por exemplo, é financiado por um mix de governo (subsídios) e usuários. No caso do teleférico, o governo pagava tudo. Só que o dinheiro acabou.

Quer dizer, o dinheiro não acabou. Na verdade, o dinheiro nunca existiu. Sacamos adiantado o dinheiro do pré-sal e de um crescimento econômico que achávamos eterno. Contratamos gastos que se tornaram direitos perpétuos, como o aumento da folha do funcionalismo e suas respectivas aposentadorias. Quando o dinheiro que era para estar ali não estava, acabou sobrando para o teleférico. Este é o símbolo de uma era.

Mas o teleférico do Alemão é também o símbolo de uma mentalidade. A viagem era “de graça” para os moradores.

Papai Lula e Mamãe Dilma deram de presente o Teleférico para os seus filhos necessitados. No entanto, sabemos que não existe nada de graça. O projeto do teleférico deveria ter sido precedido de um estudo de viabilidade econômica: qual deveria ser o preço da passagem para viabilizar a sua manutenção? Pergunta básica, mas que certamente não foi feita na festa do PAC. Isso é coisa de quem não tem amor e carinho e se prende a planilhas.

Nada contra a que o Estado financie 100% da obra e da sua posterior manutenção. Desde que haja uma previsão orçamentária que impeça a descontinuidade do serviço. Imagine, por exemplo, parar o sistema de ônibus de uma cidade porque “acabou o dinheiro”. Quando isso acontece, se aumenta o preço da passagem de ônibus e ponto final.

A reportagem diz que a lotação que faz o mesmo percurso cobra R$3.

Será que, com esse preço, o teleférico é viável economicamente? Se não for, o governo poderia subsidiar o restante? Essas perguntas são básicas, mas faz 6 anos que o teleférico “de graça” está parado. Está tudo certo: os moradores não pagam e também não recebem o serviço.


Aqui terminava o post. Em março deste ano, reportagem do Globo informava que o teleférico será revitalizado. Serão dois anos de obras e R$ 170 milhões investidos. Lembrando que foram R$ 210 milhões investidos em 2011, o que significa mais ou menos R$ 420 milhões em dinheiro de hoje. Ou seja, serão investidos o equivalente a 40% do que foi gasto lá atrás para reconstruir o sistema. Depois perguntam em qual ralo se esvai o dinheiro público…


Termino esta série com um trecho da entrevista do ex-banqueiro central dos EUA, Paul Volcker, publicada alguns dias depois de termos recebido o grau de investimento por parte da S&P, em maio de 2008.

Sua fé nos brasileiros é comovente e exemplar. Uma pena que os anos seguintes tenham contrariado de maneira tão espetacular a sua expectativa. Catorze anos depois da entrevista de Paul Volcker, ainda estamos à procura de “pessoas inteligentes que sabem que precisam ser responsáveis”.  


Leia todos os episódios da série A Economia Brasileira na Era PT:

Episódio 1: Brilha Uma Estrela

Episódio 2: Pedala, Dilma!

Episódio 3: Faz de Conta que Acredito em Suas Boas Intenções

Episódio 4: Na Base do Anabolizante

Episódio 5: Manual Para Quebrar uma Empresa

Episódio 6: Cuidado! Alta Tensão!

Episódio 7: Fact Checking

Episódio 8: Uma Alegoria da Era PT

Extra: Teaser da 2a Temporada

Jet lag eleitoral

Neste ano, tenho a impressão de que as eleições começaram a dominar o noticiário e as conversas muito mais cedo. Para testar essa hipótese, fui consultar a ocorrência da palavra “eleições” no acervo do Estadão. Os resultados são bem interessantes. A seguir, temos os números de menções da palavra “eleições” nos meses de maio e outubro de cada ano eleitoral (o primeiro número é maio, o segundo, outubro):

  • 1994: 284 / 538
  • 1998: 347 / 549
  • 2002: 558 / 1016
  • 2006: 328 / 625
  • 2010: 459 / 963
  • 2014: 335 / 759
  • 2018: 429 / 929
  • 2022: 880

Note como, de maneira geral, o número de menções dobra entre maio e outubro. Não coloquei a série inteira aqui, mas afirmo que esse aumento não ocorre linearmente. Grosso modo, o número de maio se repete até agosto, dando um salto em setembro e outubro, e voltando ao nível de maio em novembro. Ou seja, em maio, fala-se tanto de eleição quanto no período pós-eleitoral.

Mas o que realmente chama a atenção é o número de menções em maio deste ano, da mesma ordem de grandeza de outubro e muito maior que em maio nas eleições anteriores. A minha impressão de que o assunto ganhou mentes e corações muito mais cedo neste ano estava correta.

Há duas hipóteses aqui.

A primeira é que se trata de uma eleição sem precedentes, e o país será um caldeirão fervente no mês de outubro, com recorde absoluto de menções à palavra “eleições”. Se for isso, o melhor a fazer será buscar abrigo.

A segunda tem a ver com jet lag. Explico.

Desfile de escolas de samba em abril, blocos de rua em julho, Copa do Mundo em novembro. Assim como turistas com jet lag, os brasileiros estão com o seu relógio biológico desregulado. Em outros anos eleitorais, a essa altura do campeonato, estaríamos imersos em clima de Copa do Mundo, e as eleições seriam um tema de fundo, mas não dominante. Em anos normais, o assunto pega fogo mesmo a partir de agosto, com o início oficial das campanhas eleitorais. Neste ano, com o relógio biológico desregulado, o brasileiro esquentou o debate eleitoral bem antes do tempo. Isso explicaria, por exemplo, porque as pessoas acham que a fatura eleitoral está liqüidada, dado o quadro de estabilidade das pesquisas, como se já estivéssemos em setembro. Nosso relógio biológico não sacou ainda que falta uma eternidade (em termos eleitorais) até o dia 02/10.

Se isso for verdade, teremos uma espécie de “fadiga de material”, e é até possível que tenhamos uma estabilidade ou mesmo redução do interesse eleitoral até outubro. Afinal, ninguém consegue manter esse nível de stress por tanto tempo.

Tendo a achar a segunda hipótese mais provável, dado que cada eleição é “especial” à sua maneira, e essa não foge à regra. De qualquer modo, vamos conferir em novembro.

Qual a sua hipótese preferida? Você tem uma terceira hipótese?

O papel do vice-presidente

No sistema presidencialista brasileiro, o vice tem papel decorativo. Serve para substituir protocolarmente o presidente em suas ausências e ocupar o Palácio do Jaburu, de modo a dar algum fim útil a um imóvel da União. Alguns cumpriram esse papel à perfeição, como Marco Maciel, que foi o vice dos sonhos de FHC: discreto, leal, hábil politicamente. Outros foram menos discretos, criando embaraços para o titular do cargo com suas declarações, mas não deixaram de ser peças decorativas, como José Alencar (que não perdia oportunidade de criticar a política monetária ortodoxa de Henrique Meirelles) e Hamilton Mourão (que distribui declarações aleatórias, muitas vezes contra o próprio governo, parecendo ter uma agenda própria).

Mas, na política brasileira, o vice, apesar de seu papel decorativo, é visto como uma peça de costura de alianças. Sinaliza a união de forças distintas, ampliando o leque de apoios à candidatura. A chapa FHC-Maciel simbolizou a união entre a centro-esquerda e a centro-direita, PSDB-PFL, uma aliança para a qual muitos mais à esquerda dentro do PSDB torceram o nariz, mas que deu estabilidade para os 8 anos da gestão FHC. Em contraste, Lula teve como companheiros de chapa Aloizio Mercadante e Leonel Brizola em 1994 e 1998, acrescentando literalmente zero apoios à sua chapa fora de seu público cativo.

Lula aprendeu a lição, e compôs com José Alencar a chapa de união entre “trabalhadores e empresários”, o que serviu para quebrar resistências. Mas vale notar que a aliança de Lula estava mais no campo simbólico do que político. Alencar, à época, era filiado ao PL (ironicamente o atual partido de Bolsonaro), um partido médio, que elegeu 26 deputados em 2002. Como comparação, o PFL, parceiro de FHC, elegeu 105 deputados em 1998, mais do que o próprio PSDB. Portanto, essa aliança de Lula foi feita para ganhar a eleição, não para governar. O mesmo se repete agora com a escolha de Alckmin. O ex-governador paulista representa a ele mesmo e algumas viúvas do velho PSDB, não um agrupamento político com influência no Congresso. Sua escolha é simbólica, está longe de caracterizar uma aliança política que tenha influência no governo eleito. Lula e o PT, como sempre, pretendem governar sozinhos.

A escolha de um vice que não acrescenta política ou simbolicamente normalmente pode ser sinal de duas coisas: ou o candidato quer manter a “pureza ideológica” de sua chapa, ou não tem pretenções eleitorais, e quer somente marcar uma posição. O PT nas eleições de 1994 e 1998 é um exemplo do primeiro caso, enquanto o PT de 2018 exemplifica o segundo caso. Quando Manuela D’Ávila foi escolhida como vice de Haddad, pensei com meus botões: “nem o Lula acredita na vitória”.

A escolha do general Braga Netto não acrescenta nada política ou simbolicamente à candidatura Bolsonaro. E, tampouco, se encaixa nas duas hipóteses acima para escolhas desse tipo, dado que Bolsonaro acredita na vitória e que havia opções ideologicamente alinhadas e que acrescentariam algo à chapa, como a ministra Tereza Cristina. A escolha do vice de Bolsonaro encaixa-se em uma terceira categoria: paranoia. Bolsonaro é um político paranoico, que vê como potenciais inimigos todos os que não pertencem à sua família. A longa lista de desafetos que antes eram considerados aliados não para de crescer. Braga Netto foi escolhido por representar um risco baixo de traição. O mesmo poderíamos dizer de Mourão, mas a sua mania de falar demais não agradou.

A escolha de alguém de estrita confiança é característica de políticos fracos, que não se garantem no campo da política. E, além de tudo, é fruto de uma leitura equivocada da realidade. Os vices tornam-se alternativas de poder não por sua própria vontade, mas por uma conjunção de fatores políticos. Itamar Franco e Michel Temer não traíram Collor e Dilma. Estavam lá na hora certa, e se beneficiaram da conjunção de fatores que levaram ao impeachment. Braga Netto não escapará dessa sina, se a conjuntura política assim determinar.

Estou confuso

Estou pensando em votar nulo em um segundo turno entre o Nine e o Bozo.

Bolsonaristas me dizem que, ao votar nulo, estarei ajudando a eleição de Lula.

Mas estes mesmos bolsonaristas não acreditam nas pesquisas e, com base em sua própria experiência, afirmam que Bolsonaro está na frente e vai vencer a eleição.

Mas, se Bolsonaro está na frente, então meu voto nulo, na verdade, irá ajudar a eleger Bolsonaro.

Estou confuso.

Quem se importa com os dados?

A reportagem do Valor Econômico pretendia chamar a atenção para um suposto aumento da atitude crítica dos mais pobres em relação à polícia. O único problema é que os dados não conversam com a tese.

A questão é que antes (2014), pobres e ricos tinham uma percepção semelhante em relação à polícia. Agora, os pobres têm uma percepção mais crítica se comparados com os mais ricos. O ponto é que, para que a manchete estivesse correta (“população de baixa renda começa a enxergar forças policiais de forma mais crítica”), a comparação correta deveria ser contra a percepção dos mesmos pobres no período anterior. Quando fazemos essa comparação, constatamos, na verdade, uma ligeira melhora: em 2014, 46% dos pobres tinham visão negativa da polícia, contra 40% hoje.

Ocorre que essa melhora foi muito maior entre os mais ricos. Então, a manchete correta deveria ser: ”imagem da polícia melhora substancialmente entre os mais ricos, e menos entre os mais pobres”. Ou seja, houve uma melhora generalizada, mais concentrada entre os mais ricos. O ridículo da manchete escolhida é que se a imagem da polícia não tivesse melhorado, não haveria notícia.

O fato é que a imagem da polícia melhorou nos últimos 8 anos, mais entre os mais ricos, menos entre os mais pobres, mas melhorou para todos. Esses são os dados. Mas quem se importa com os dados?