Bola na marca do pênalti

Era o dia 16/03/2016, uma quarta-feira qualquer. Final de expediente, já arrumando as coisas para ir para casa, um colega de trabalho me chama a atenção para a TV. A Globo News havia interrompido a programação para dar a bomba: o juiz Sérgio Moro havia levantado o sigilo sobre as gravações do telefone do ex-presidente Lula. Lendo a transcrição ao vivo, o repórter Marcelo Cosme tropeçava nas palavras, porque o conteúdo era uma bomba: Dilma armava para que Lula assumisse um ministério a fim de escapar da Lava-Jato. Era o famoso “termo de posse para ser usado ‘só em caso de necessidade’”, e que seria levado pelo notório “Bessias”.

Saí do escritório e, no meio do caminho, decidi me dirigir para a Paulista. Eu sabia que haveria uma manifestação espontânea lá, depois dessa divulgação. No domingo anterior a Paulista havia visto a maior manifestação popular de todos os tempos no Brasil e o ambiente político estava fervendo.

Chegando lá, já havia uma multidão, cantando “Moro, Moro” e “Lula ladrão, teu lugar é na prisão”. Bons tempos. Mas trago essas reminiscências por outro motivo.

Aquele dia me veio à lembrança quando li que a FIESP voltou atrás no tal “manifesto pela harmonia entre os poderes”. Naquela noite memorável, a fachada em neon da FIESP estampava os dizeres “impeachment já!”. Aquilo me chamou muito a atenção. As ruas já ferviam há um ano, mas somente naquele momento a FIESP assumia uma posição. Como entidade empresarial que depende de Brasília, comandada por um ser político como Paulo Skaf, aquela mensagem na fachada significava que os dias de Dilma haviam se encerrado. A FIESP, assim como o centrão, só vai na bola quando é para bater o pênalti sem goleiro.

O adiamento do tal manifesto significa que ainda tem um goleiro para defender a meta, no caso, Arthur Lira. Mas também significa que a bola está na marca do pênalti. A FIESP não patrocina esse tipo de manifesto à toa.

O problema que teremos pela frente

O Estadão traz hoje entrevista com Rodrigo Aguiar, sócio fundador da Elev, empresa de projetos voltados à mobilidade elétrica. O entrevistador, claro, procura mostrar o lado claro da força. Mas uma das suas respostas deixa entrever o problema que teremos pela frente.

Com o objetivo de mostrar que os carros elétricos não são uma ameaça ao sistema elétrico brasileiro, o entrevistado afirma que até 2035 a alimentação da frota de carros elétricos prevista para aquele ano (1,3 milhões de veículos) não consumirá mais do que 1,5% da energia elétrica produzida hoje pelo país.

À primeira vista, o problema não parece muito grande. Mas, vamos analisar.

A frota de veículos hoje, no Brasil, totaliza 109 milhões, sendo 58,5 milhões de automóveis e o restante ônibus, caminhões e motocicletas. Uma frota de 1,3 milhões de veículos não faz nem cócegas para diminuir o efeito estufa. Quer dizer, o efeito sobre a demanda de energia elétrica é mínimo, desde que a eletrificação da frota não faça diferença para o dito aquecimento global.

Digamos, por outro lado, que tivéssemos uma frota que fizesse a diferença. Algo como metade dos automóveis, por exemplo, o que significaria mais de 20 vezes o número previsto para 2035. Agora, regrinha de três: se 1,3 milhões de veículos consomem 1,5% da eletricidade ofertada no país hoje, quanta eletricidade seria consumida por 20 vezes mais veículos? Exato! Seria 30% de toda a eletricidade gerada no país! E isso para eletrificar somente metade da frota de automóveis, sem contar ônibus, caminhões e motos, que são muito mais poluentes.

E antes que critiquem a conta, sim, a oferta de eletricidade irá aumentar ao longo dos anos, assim como o tamanho da frota. A conta acima continuará correta se o aumento da oferta de eletricidade acompanhar o aumento da frota. Para que o número acima fosse proporcionalmente menor, seria necessário um crescimento mais rápido de oferta de energia elétrica. E é aí que mora o problema.

Como o meu amigo Barnabe Da Silva Junior explica em seu excelente artigo sobre o sistema elétrico brasileiro, o espaço para aumento de energia de origem hidroelétrica é cada vez menor. Por isso, aumentará a produção de energia de outras fontes, como eólica, solar e, cruz credo, termoelétrica. Como as duas primeiras são intermitentes por natureza, para garantir a segurança do sistema será necessário aumentar a queima de combustíveis fósseis em usinas termoelétricas, não tem jeito.

Assim, enquanto for brinquedo de rico, os carros elétricos não vão pressionar o nosso sistema elétrico. Para realmente fazerem a diferença, os carros elétricos necessitarão de um aumento brutal de oferta de energia elétrica. Precisaremos ter um melhor mix de oferta de energia elétrica no país, caso contrário, estaremos apenas transferindo a queima de combustíveis fósseis de lugar. O que não deixa de ser bom para os pulmões dos moradores das grandes cidades, mas tem pouca utilidade para evitar o tal aquecimento global.

Em que planeta vivem?

Abaixo, trecho da entrevista de Tasso Jereissati, hoje, no Estadão. Como sabemos, a exemplo de FHC, Tasso também foi se encontrar com Lula. O jornalista, então, pergunta se se trata de uma aliança eleitoral. Já teria sido suficientemente ruim apontar nessa direção, mas Tasso foi além: trata-se de uma aliança para governar!!!

Em que planeta vivem esses dirigentes históricos do PSDB, para achar que o PT vai aliviar a barra de um eventual governo psdebista??? Os petistas vão fazer a oposição desonesta e perniciosa que sempre fizeram, está em seu DNA. Para os petistas, ou o governo é do PT ou não serve. Todo não petista é fascista, como já deveriam ter aprendido FHC, Tasso e outros.

Não é à toa que Doria vai levar a indicação da candidatura pelo partido. É o único que tem alguma noção de realidade. Se o PSDB ainda tem uma micro chance de sucesso nas eleições é com alguém que pode bater em Lula de maneira crível. E esse alguém, no PSDB de hoje, é Doria. O que nos leva à conclusão de que, se Doria é o único com alguma noção dentro do PSDB, então as chances do partido nas eleições são realmente muito diminutas.

Quem é o maluco?

Notinha no Estadão nos conta que o ministro Luís Roberto Barroso, em tom jocoso, teria flertado com a ideia de uma “Casa Verde”, que servisse como lugar de internação para os malucos do país, em uma referência ao conto O Alienista, de Machado de Assis.

Não sei se a notinha é fidedigna. Mas se for, denota um ato falho do ministro do STF. Basta conhecer a trama para sacar que a imagem da “Casa Verde” se volta contra o próprio ministro. Aliás, como toda obra-prima atemporal, O Alienista parece descrever a realidade atual.

A obra nos apresenta a história do Dr. Simão Bacamarte, médico bem-sucedido que volta para a sua cidade natal. Lá, põe em prática seus conhecimentos de psicanálise, e começa a internar todas as pessoas que não se enquadram em seu padrão de perfeição. No início tem o apoio dos cidadãos, mas a coisa começa a sair do controle, com cada vez mais pessoas internadas na “Casa Verde”.

Em determinado momento, o barbeiro Porfírio lidera a “Revolta dos Canjicas”, para acabar com aquela situação. As forças armadas se juntam à revolta, e Porfírio toma o poder da cidade, fechando a Câmara dos Vereadores. Mas, surpreendentemente, Porfírio faz um acordo com Bacamarte, que continua internando as pessoas normalmente.

É então que João Pina, outro barbeiro, se revolta com aquela situação, e lidera outra revolução, que derruba Porfirio do poder. Mas João Pina também se alia a Bacamarte e as internações continuam.

Interrompo aqui a sinopse para traçar o evidente paralelo político entre O Alienista e a situação dos dias que correm. Os barbeiros lideram o povo contra os desmandos do médico. Mas, quando tomam o poder, compõem com o doutor, pois este lhes é útil para o exercício do poder. A luta contra o status quo é apenas uma desculpa para o exercício do poder. E o povo vai atrás, iludido. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Mas, avancemos. Bacamarte continua em sua missão, até que uma parte relevante da população se acha internada. Neste ponto, o médico começa a desconfiar de que sua teoria está errada. Na verdade, se comportamentos fora do padrão constituem a norma (dado que boa parte da população encontrava-se internada), então o “padrão” deveria estar invertido. Desvios de comportamento eram o normal e louco era quem não apresentasse nenhum desvio. A partir dessa conclusão, Bacamarte libera todos os internados da cidade e interna-se a si próprio, pois era, em sua avaliação, o único cidadão que não apresentava qualquer desvio de caráter.

Barroso, ao evocar a Casa Verde, coloca-se como o Bacamarte que julga os desvios morais das pessoas com base na “ciência”. A ciência é uma grande conquista da humanidade, sem dúvida, mas quando é usada para fins políticos, desvirtua-se. Como cansamos de ver durante essa pandemia, a ciência já deu sua “palavra final” muitas vezes, para depois ter que se desdizer, como Bacamarte o fez. Na verdade, a ciência nunca dá uma “palavra final”, sempre está aberta a ser desafiada. O uso político das conclusões científicas é que pretende dar essa aura de infalibilidade para a ciência, muito útil para os fins políticos.

Na verdade, todos somos um pouco Simão Bacamarte. Julgamos as pessoas de acordo com a nossa régua. Somos os únicos perfeitos no mundo, e os outros deveriam ser internados. O que significa, no final, que deveríamos nos alienar em nosso mundo perfeito. Essa é, na minha visão, a mensagem de Machado de Assis: tenha cuidado com o desejo de um mundo perfeito. Normalmente, traz a semente de um mundo totalitário.

Abusando da inteligência do cidadão

“Se entrarem os precatórios, não há dinheiro para expandir as vacinas. Será que o jovem lá do IFI sabe disso? Ele prefere pagar o precatório e ficar sem vacina? Eu acho que os senadores, se estivessem bem assessorados, estariam bem informados disso”.

Essa fala calhorda foi pronunciada pelo nosso ministro da Economia, em audiência no Senado na última quinta-feira.

Seria mais ou menos o seguinte: o pai de família esbanja dinheiro com carros, viagens e amantes. É então condenado em uma ação judicial, mas diz para o juiz: “olha, não consigo pagar, senão vai faltar comida na mesa da minha família”.

Não é de hoje que o nosso ministro da Economia abusa da inteligência do cidadão brasileiro pagador de impostos.

Harmonia entre os poderes

Fux sinaliza com apoio a um parcelamento dos precatórios. Na verdade, um “microparcelamento”, no dizer do ministro. Microparcelamento porque, ao invés da proposta do Executivo, que era do “megaparcelamento” em 10 anos, o montante não pago em 2022 seria devido já em 2023. Claro que ninguém falou da bola de neve para 2023 e para os anos seguintes. Isso é problema para o próximo governo.

Eu tenho uma outra ideia: que tal parcelar os salários do Executivo, Legislativo e Judiciário e pagar os precatórios devidos a pessoas que já esperaram anos por esse dinheiro? Parcelamento no dos outros é refresco.

Claro que Guedes, Lira e Pacheco adoraram a “ideia” de Fux. Trata-se, afinal, de um exemplo de harmonia entre os poderes, em um campo em que Executivo, Legislativo e Judiciário concordam 100%: como tungar o cidadão e proteger seus próprios interesses.

Finanças do Lar

Amigos, dizem que para um homem deixar seu legado é preciso ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. No meu caso, só faltava o livro. Agora não mais!

O meu livro está à venda em pré-lançamento na Amazon e nas livrarias virtuais da Martins Fontes, Loyola e Livraria da Vila para a edição impressa. Haverá também versão digital depois do lançamento, que deve ocorrer em meados de setembro. A vantagem da versão impressa é que eu posso autografar e a edição autografada vai valer muito dinheiro daqui a 50 anos rsrsrs

A estrada do desastre é longa mas, com perseverança, um dia se chega lá

A comparação da economia de um país com as finanças de uma família tem suas limitações, mas, às vezes, é muito útil para compreender o que está acontecendo.

Para uma família que vive acima do limite de seu orçamento, sem reservas e que só consegue manter o seu padrão de vida endividando-se, uma grande despesa inesperada cai como uma bomba. Pode ser um acidente de trânsito ou uma doença, que exigirá ainda mais desembolsos de um orçamento que já não consegue pagar nem as despesas correntes.

Esta é a situação do Brasil, hoje. O orçamento já apertado foi atingido, no dizer do ministro da Economia, por um meteoro: precatórios no valor de R$ 90 bilhões, a serem pagos no ano que vem.

Vamos voltar um pouco no tempo para entender o imbróglio. Em 2016, ao assumir o governo, a primeira medida que o então presidente Temer patrocinou no Congresso foi o chamado Teto de Gastos. Com a morte dos superávits primários no governo Dilma, os credores da dívida pública exigiam algum outro mecanismo para garantir que a dívida não estava em trajetória explosiva e, portanto, impagável. O Teto de Gastos foi esse mecanismo, que permitiu o controle da inflação mesmo com taxas de juros bem mais baixas do que nos governos anteriores.

Quando aprovado, o Teto permitia uma folga no orçamento para o pagamento das chamadas despesas “não obrigatórias”, ou seja, aquelas que não estão cravadas na Constituição. O grosso das despesas obrigatórias são, basicamente, o pagamento de aposentadorias e dos salários dos funcionários públicos, além dos precatórios. As não obrigatórias incluem desde investimentos em estradas, passando pelo bolsa família, até chegar nos serviços de limpeza das universidades federais, na verba para o censo e no papel para imprimir passaportes.

Como funciona o teto? Simples: as despesas do setor público no ano de 2016 são o limite de gastos do governo federal, com algumas poucas exceções, como a capitalização de empresas estatais e o Fundeb, que não entram nesse cálculo, A cada ano, esse limite é reajustado pela inflação do ano anterior. Qual o problema? As despesas obrigatórias crescem, a cada ano, acima da inflação, diminuindo o espaço para as despesas não obrigatórias.

Vamos colocar isso em números. O último valor que vi do IFI (Instituição Fiscal Independente) para o valor mínimo das despesas não obrigatórias de modo que o governo não entrasse em shutdown era de R$ 100 bilhões. Com uma folga no orçamento do ano que vem de R$ 120 bilhões, ainda sobrava uns trocos para dar uma turbinada no bolsa família e aumentar o fundo eleitoral dos partidos. Estava todo mundo feliz. Até que detectaram o meteoro dos precatórios vindo em direção a Brasília, com gastos de R$ 40 bilhões além do previsto. Parece mentira que, em um orçamento de R$ 1,6 trilhões, não se encontre espaço para esses R$ 40 bilhões adicionais. Mas é verdade. O nosso orçamento é tão amarrado, são tantos os interesses envolvidos, que a única saída parece ser não pagar esses R$ 40 bilhões. É essa a proposta do ministério da economia, ao sugerir o parcelamento e a criação de um fundo de privatizações dedicado ao pagamento dessas despesas, que ficariam fora do teto de gastos. Aliás, aparentemente, essa proposta libera até mais do que os R$ 40 bilhões, o que permitirá turbinar o bolsa família e as emendas parlamentares. A felicidade volta a Brasília.

Mas tem alguém que não está nada feliz com essa história: o credor da dívida. As taxas dos títulos públicos de vencimentos mais longos já ultrapassaram 10% e o câmbio já encosta nos R$ 5,50, apesar de um Banco Central que promete subir a Selic sem dó. O motivo é simples: essa manobra está sendo vista como um drible no teto de gastos. Parafraseando o famoso “não é pelos R$ 0,20”, o mercado está dizendo “não é pelos precatórios”, mas pela sinalização de que, quando a coisa aperta, Brasília vai tentar encontrar uma forma criativa de manter tudo como está, sem sacrificar nenhum de seus interesses. E o pior: desta vez, quem está patrocinando o furo do teto é, em tese, o guardião da cofre. Quando nem o ministro da economia defende a regra fiscal vigente, o credor fica pendurado na brocha.

O Brasil é um país com imensas necessidades. Quanto o governo deveria gastar para atendê-las, se R$ 1,6 trilhão não é suficiente? R$ 2 trilhões? R$ 3 trilhões? Podemos eliminar logo de uma vez essa regra do teto e satisfazer essas necessidades. Claro que os credores da dívida cobrariam um preço por isso. Teríamos juros altos, câmbio desvalorizado e, no final da linha, inflação. Basta dar uma olhada na Venezuela para entender onde essa estrada termina.

Alguns dirão que estou exagerando. Ninguém está propondo o fim da regra do teto, é só uma adequação de uma despesa inesperada. Sim, essa é a desculpa da família que vive no limite da responsabilidade. O desabamento de edifícios normalmente não ocorre por causa de terremotos. Os edifícios desabam porque, durante anos, se negligenciou a sua manutenção. A estrada que leva ao desastre é longa, mas, com perseverança, um dia se chega lá.

O ritmo forte da vacinação

Apenas para registro: ontem conseguimos aplicar 3 milhões de doses da vacina, sendo 1,8 milhões da primeira dose e 1,2 milhões da 2a dose. Esse novo recorde diário nos leva a uma média móvel nos últimos 7 dias de 1,9 milhões de doses aplicadas por dia.

Neste ritmo, o país pode terminar de aplicar a 1a dose da vacina para 100% da população acima de 12 anos no final de setembro, daqui a 6 semanas. O que significa que toda essa população pode estar completamente vacinada até meados de dezembro.

Estamos vacinando 0,57% da população por dia com a primeira dose (média móvel de 7 dias), número compatível com os picos atingidos por países como França (0,61%), Espanha (0,59%) e EUA (0,60%), mas ainda abaixo de países como Inglaterra (0,75%), Alemanha (0,70%), Itália (0,80%) e Chile (0,97%).

O copo meio vazio é que estamos defasados em relação a esses países de 1 a 2 meses em termos de cobertura de vacinação. O copo meio cheio é que, agora, falta pouco tempo para alcançá-los, se mantivermos o atual ritmo.

A pergunta correta

Biden fez a pergunta correta: quantas gerações de soldados americanos deveriam ser enviadas para lutar por um governo em que as próprias tropas não estão dispostas a lutar?

Quando ouvimos uma mulher apanhando do marido e gritando por socorro na vizinhança, chamamos a polícia, que tem o dever legal de intervir para proteger a vítima. Os EUA estão sendo vistos, no momento, como a polícia do mundo, que não está cumprindo o seu dever de proteger os cidadãos, e principalmente as mulheres, afegãos.

Muitos se condoem da situação das mulheres afegãs. É uma situação lastimosa, sem dúvida. Mas os EUA não são a polícia do mundo. Bush ordenou a invasão do Afeganistão para caçar terroristas, não para proteger as mulheres afegãs. Os direitos das mulheres foi apenas uma consequência do processo, não o seu objetivo. Irã e Arábia Saudita também vivem sob a sharia. Os EUA vão invadir os dois países para libertar suas mulheres? De forma mais ampla, os EUA vão invadir a China para proteger os uigures? Em todo país onde houver problemas com direitos humanos, os EUA serão chamados a intervir?

Em tese, a ONU é a polícia do mundo. É no âmbito da ONU que problemas de direitos humanos devem ser tratados. O Taliban está longe de ser o único regime que não respeita direitos humanos. O que faz a ONU? Os EUA deveriam substituir a ONU como guardião global dos direitos humanos? Caiu no colo de Biden o fiasco acumulado de todos os presidentes que o antecederam, ao terem a ilusão de que conseguiriam implementar um estado democrático ocidental no Afeganistão. Coube a Biden, como dizemos no mercado financeiro, zerar a posição, estancando as perdas.

As imagens de Cabul são chocantes e, sem dúvida, a situação das mulheres no Afeganistão é uma lástima. Cabe ao povo afegão tratar de seus próprios problemas. Não existe uma polícia global, feliz ou infelizmente.