Que tal ligar o ar-condicionado?

Um editorial do Estadão chama a atenção para a onda de calor que ora assola o hemisfério norte, e reafirma o que parece ser um consenso científico: essas ondas de calor se repetirão em intervalos cada vez menores. E eu afirmo: essa é uma boa notícia.

Um problema é tão mais grave quanto mais inesperado for. Na medida em que ondas de calor se tornarem mais frequentes, ter-se-ão tornado um problema esperado. E tudo o que é esperado pode ser prevenido usando-se tecnologia. Vejamos pelo outro lado: no inverno, o hemisfério norte sofre com frio desumano. Mas os países da região estão amplamente preparados para isso, com suas casas, escritórios e centros de compra devidamente protegidos por calefação. Isso acontece porque o frio é um problema esperado. Na medida em que o calor também o for, a tecnologia humana encontrará uma forma de convivência.

O mesmo ocorre com outros potenciais problemas, como a viabilidade da agricultura e o nível do mar, se e quando esses fenômenos ocorrerem. No início causará problemas, mas depois a tecnologia os resolverá.

Acredito ser este um approach muito mais realista do que a tentativa histérica de fazer girar a roda da civilização para trás, clamando pelo corte da emissão de gases de efeito estufa. É tão insano quanto discutir formas de conter um tsunami ao invés de organizar a fuga. Como eu disse em meu post de ontem, estamos muito longe da tecnologia que nos permita substituir o carvão e o petróleo como fontes de energia. No entanto, já dominamos a tecnologia do ar-condicionado há um século, e sabemos como criar culturas transgênicas mais resistentes ao calor.

Isso, claro, não significa que não devamos explorar novas fontes de energia economicamente melhores que o petróleo. Não tenho dúvida de que, no dia em que o hidrogênio verde for mais barato do que o ouro negro, não precisaremos de cúpulas governamentais para fazer a substituição. Até lá, melhor ligar o ar-condicionado.

Não culpe o coveiro

Vejo por aí muito chororô pelo fim do nome Twitter e seu símbolo, o passarinho azul. O Twitter virou uma espécie de patrimônio cultural da humanidade, tendo o seu nome até virado verbo em várias línguas. Só faltava ser reconhecido como tal pela Unesco. O órgão da ONU comeu bola, e Elon Musk destruiu o patrimônio antes.

As pessoas reagem como se a existência do Twitter fosse uma espécie de imperativo moral, devendo ser preservado a qualquer custo, desde que esse custo não saia de seus bolsos. Vale lembrar que, se o Twitter fosse um empreendimento de sucesso, não teria sido vendido para Elon Musk. E vale lembrar também que Musk tentou saltar fora do barco quando viu em detalhe os números da empresa, mas não conseguiu. Então, todo mundo acha lindo ter uma plataforma para expressar suas ideias, mas pagar por isso que é bom, nada. Os patrocinadores, por outro lado, em geral, não gostam de fazer publicidade para robôs.

Já li também muitas críticas sobre a estratégia empresarial de Elon Musk, que estaria metendo os pés pelas mãos com o Twitter. Críticas de pessoas que nunca tocaram um carrinho de pipoca, vale dizer. Não que Musk seja infalível, mas seu track record, convenhamos, é respeitável. Quem sabe o dono da Tesla, do PayPal e da SpaceX saiba o que está fazendo?

Enfim, o Twitter morreu. Não culpe o coveiro.

Uma solução para a ecoansiedade

Quando eu era um “jovem adulto”, o medo do fim do mundo estava ligado a uma potencial guerra nuclear. O filme The Day After, de 1983, impressionou-me profundamente, a ponto de sentir uma certa ansiedade a respeito. Na época não costumavam dar nomes pra essas coisas, mas seria uma espécie de “bombanxiety”.

Ontem assisti ao Oppenheimer, que trata justamente desse tema. Mas, arrisco dizer, o filme chegou com uns 40 anos de atraso. A cena final, com os foguetes levando ogivas nucleares, já não causa comoção. A possibilidade de uma guerra nuclear já não dispara mecanismos de ansiedade na juventude. Hoje, as mudanças climáticas assumiram o lugar de porta do inferno.

A boa notícia é que, ao contrário da hecatombe nuclear, que dependia da decisão de governantes, a reversão das mudanças climáticas está em nossas mãos, inclusive dos jovens. Para evitar a catástrofe, basta que, digamos, os 20% mais ricos do planeta diminuam seu consumo em, digamos, 20%. Como os 20% mais ricos devem representar algo como 80% do consumo do planeta, teríamos uma redução de consumo de energia da ordem de 16%. Acho que seria o suficiente para reverter, ou pelo menos atrasar, as mudanças climáticas.

Ah sim, essa sugestão vai contra a percepção comum de que a “solução” para as mudanças climáticas estaria nas mãos dos governos, assim como eliminar os mísseis nucleares. Isso tem um fundo de verdade, na medida em que os governos têm a capacidade de coordenação necessária para induzir a redução de consumo sugerida acima. O único problema é que esse tipo de indução costuma ser pouco popular. Que governo democrático faria isso? Muito melhor vender a ideia de que são petrolíferas as culpadas pelas mudanças climáticas.

O fato é que ninguém quer dar a má notícia: não temos, hoje, tecnologia para manter o atual nível de consumo sem emitir gases de efeito estufa. Fontes de origem limpa são agregadas todos os anos, mas são suficientes somente para, mal e mal, fazer frente ao aumento marginal do consumo. Seria ainda pior sem essas fontes, mas está longe de resolver o problema.

Então, a única saída é diminuir drasticamente o consumo de tudo, com os mais ricos puxando a fila. Quem sabe se os jovens tivessem consciência de que a reversão das mudanças climáticas está em suas mãos, bastando andar menos de carro e comprar menos roupas, a ecoansiedade não desaparecesse?

Estatística criativa

1 + 1 = 2. Esta é uma verdade firmemente estabelecida, sobre a qual não há discussão, assim como ocorre com todas as leis da matemática.

Estatística, no entanto, não é matemática. Apesar de também lidar com números e, por isso, contar com a aura de verdade absoluta emprestada de sua prima pura, a estatística é mundana, e está disposta a falar a verdade que seu senhor quiser que ela fale. A matemática trata das verdades abstratas, localizadas no Olimpo do pensamento, ao passo que a estatística lida com o concreto, que nunca tem a exatidão das formas geométricas perfeitas, é sempre uma aproximação.

É claro que, como em qualquer ciência, a estatística tem regras bem estabelecidas. Uma boa estimativa é fruto de uma boa coleta de dados, livre de viés, e de um tratamento que estabeleça um nível de confiança para o número final. Mas, também como em qualquer ciência, está sujeita à manipulação de quem produz e divulga as estatísticas. A Academia conhece esse problema e, por isso, publicações acadêmicas devem ser revisadas por pares, reduzindo a chance de manipulação.

Chegamos ao IBGE, o instituto estatal brasileiro de produção de estatísticas oficiais do país, que orientam uma miríade de políticas públicas. A diferença do IBGE para um artigo acadêmico é que, no primeiro, não há revisão por pares. Alguns dirão que o corpo técnico do instituto poderia funcionar como este “revisor” da produção de eventuais estatísticas enviesadas. Mas ainda está fresca na memória a passagem de Arno Augustin na secretaria do Tesouro do ministério da Fazenda. Augustin foi o autor intelectual das “pedaladas fiscais”, e de nada adiantaram os protestos (que houve) do corpo técnico da secretaria. A contabilidade, assim como a estatística, toma emprestada sua aura de exatidão da matemática. Mas, assim como a estatística, lida com a rugosidade do empírico e, portanto, está sujeita às ordens de seu senhor. Arno implementou o que viria a ser conhecida como “contabilidade criativa”. Podemos esperar uma “estatística criativa” por parte do novo presidente do IBGE?

Márcio Pochmann criou muita confusão em seu período no IPEA. Mas, convenhamos, o IPEA, apesar de ser um think tank de respeito, pouca influência tem na vida nacional. Já o IBGE…

O INDEC, o IBGE argentino, protagonizou uma vergonhosa manipulação de dados de inflação durante o governo de Cristina Kirchner, ao ponto de órgãos como o FMI deixarem em branco a série histórica de inflação deste período em seu banco de dados. No Brasil, o IPCA, além de servir como parâmetro do sistema de metas de inflação, indexa uma parcela relevante da dívida pública. Uma inflação criativamente baixa reduziria a despesa com juros por parte do governo. Uma tentação, não é mesmo?

Simone Tebet “aceitou” a indicação de Pochmann por considerar que o IBGE tem “baixo peso político”.

Trata-se de uma visão míope. Sim, o IBGE não tem verba para gastar, mas trata-se de um instituto com altíssimo peso econômico. Ele está no coração mesmo do sistema financeiro nacional. É essencial, portanto, que seu presidente seja a mulher de César, aquela sobre a qual não deve pairar nenhuma suspeita. Mesmo que Pochmann se comporte como uma freira, sempre restará a dúvida sobre o que anda fazendo atrás do muro do convento. E isso não é nada bom para a credibilidade do governo.

Finalmente, uma solução para as pessoas que dormem nas ruas

O problema da população que vive nas ruas das grandes cidades brasileiras é grave, e entristece o coração ver a situação dessas pessoas. Mas, se depender do ministro Alexandre de Moraes, esses dias de infâmia estão contados. O ministro teve uma ideia genial: exigir um Plano por parte do executivo.

Isso eu não sabia, mas o Brasil já contava com uma Política Nacional para a População em Situação de Rua desde 2009, instituída pelo decreto 7053 daquele ano, assinado por Lula. Mas passamos todo esse tempo sem ter o que realmente vai resolver o problema: um Plano Nacional para a População de Rua. Uma lacuna imperdoável, e que, agora, o ministro vem preencher. Afinal, de que serve uma Política Nacional sem um Plano Nacional?

E o mais importante: o ministro determinou um prazo de 120 dias para a apresentação do Plano. Os dias em que as pessoas dormem nas ruas estão contados. Até o final do ano, com certeza, o problema estará resolvido. E ai se o Poder Executivo não cumprir a ordem do supremo magistrado.

Melhor investir no McDonalds

R$ 727 milhões para criar mil empregos. Ou R$ 727 mil para cada emprego criado.

Não estou muito por dentro dos números do McDonalds, mas fazendo uma rápida pesquisa na internet, descobri que o investimento em uma franquia do Ronald é da ordem de R$ 3 milhões, e cada loja tem, em média, 50 funcionários. Isso resulta em uma média de R$ 60 mil investidos para cada emprego criado, ou 12 vezes menos do que o que vai ser investido pelo governo para criar empregos em Manaus. Isso, considerando que o montante investido pelo governo seja o total, que as empresas privadas não vão tirar nada do bolso. Se houver investimento privado conjugado (o que é provável), a conta fica ainda pior. De onde concluímos que, se o objetivo é gerar empregos, talvez fosse melhor o governo financiar franquias do McDonalds.

Mas, alguém dirá, não são empregos comparáveis. O emprego na indústria é um emprego de qua-li-da-de, como gosta de dizer o vice-presidente Alckmin, sibilando as sílabas. Sim, o que torna a coisa ainda mais cruel: o governo está investindo R$ 727 mil para criar um posto de trabalho que só pode ser ocupado por alguém no topo da pirâmide educacional, onde o desemprego e o sub-emprego são muito menores. Na verdade, onde falta mão de obra qualificada. É cruel, mas não é uma surpresa. O PT e os sindicatos que orbitam o partido sempre se preocuparam com a nata dos empregados públicos e privados brasileiros, aquela minoria que tem carteira assinada. A reforma trabalhista, por exemplo, foi e é amplamente combatida pelos sindicalistas (Lula incluído) por tentar aumentar o aquário onde os trabalhadores têm alguma proteção legal, pois isso retiraria “direitos” dos peixes que já estavam no aquário. “Queremos os mesmos direitos para todos” é uma falácia, pois, dada a triste falta de formação da mão de obra brasileira, o aquário é muito pequeno.

E nem vou discutir que estes R$ 727 milhões serão gastos com empresas bem estabelecidas, que poderiam acessar bancos e o mercado de capitais para financiar suas atividades. O lobby da Zona Franca é bastante eficiente.

A fonte da água está estragada

O governo Lula mandou ao Congresso um pacote de leis que prevê, entre outras coisas, o endurecimento de penas para aqueles que perpetram “atos anti-democráticos”. O pacote até recebeu um apelido, nada menos do que “pacote da democracia”.

As críticas que li referem-se à inutilidade do endurecimento de penas para coibir o crime. Fico até feliz em ver que um governo de esquerda, sempre tão descrente da eficácia das penas e das prisões, esteja agora patrocinando um pacote de aumento de penas. No dizer do ministro da Justiça, “não resolve, mas dificulta”. Puxa! Um verdadeiro giro de 180 graus. Espero que essa visão se estenda a outros tipos de crimes. Sim, eu sei, trata-se de uma esperança vã.

Ao mesmo tempo, não li nenhuma crítica ao objeto do pacote em si. Quando se tem um governo que avalia como democráticos regimes como os da Venezuela e da Nicarágua, podemos imaginar o que significa um “pacote da democracia”. Quem vai definir o que é um “ato anti-democrático”? Qual a régua? O mesmo governo que acha que existe democracia até demais na Venezuela?

Este pacote terá, no Congresso, o mesmo fim que teve o projeto das fake news, e pelo mesmo motivo: a fonte da água está estragada. E não vai nem precisar do lobby das big techs.

Estelionatos na internet e nossos pontos cegos

Eu não faço parte dessa estatística, pois não fui vítima de golpe na internet no ano passado. Mas já sofri dois golpes na internet anos atrás.

O primeiro foi simples: minha filha queria um iPhone, e viu um anúncio no Facebook de um aparelho vendido por R$1.500 no Extra. Ela me mandou o link, eu cliquei e entrei em um site que era um clone perfeito do site da varejista. O pagamento podia ser feito somente por boleto. Emiti o boleto e paguei. Recebi um e-mail de confirmação também idêntico aos que o Extra manda. Depois de alguns dias, diante do “atraso” da entrega, liguei para o próprio Extra, e recebi a informação, sobre a qual já desconfiava, de que não havia pedido algum. Eu havia caído em um golpe. Tentei reaver o dinheiro reclamando junto ao Banco Central, pois o Santander (banco emissor do boleto) havia sido conivente com um estelionatário. Sem sucesso.

O segundo golpe envolveu o Banco Inter. Este foi bem mais elaborado. Certo dia, meu acesso ao site do banco deixou de funcionar. “Coincidentemente”, recebo uma ligação de alguém que se identifica como do suporte técnico do Inter, e que iria me ajudar a resolver o problema. O número que aparecia no celular era o mesmo que constava no meu cartão do banco, fez questão de frisar o atendente, para dirimir qualquer suspeita. Para fazer transações eram necessários não somente a senha (que passei pelo telefone) como os códigos por SMS para autorizar cada transação. Passei o primeiro código, passei o segundo, mas quando fui passar o terceiro, parei para ler a mensagem que acompanhava o código: “não revele este código a ninguém”. Aquilo foi uma espécie de despertador, que me fez acordar do meu entorpecimento. O prejuízo foi bem maior neste caso (algo como R$ 15 mil), que o Banco Inter acabou ressarcindo. Minha hipótese, dado o nível de elaboração do golpe, é de que se tratava de funcionários ou ex-funcionários do próprio banco.

Quando ouvimos sobre golpes na internet, tendemos a achar que vitimam pessoas ignorantes, que não têm suficiente discernimento para distinguir a realidade da fantasia. As narrativas acima certamente levam ao questionamento: “mas como alguém pode cair em um golpe manjado desse tipo?”

As pessoas caem em golpe não porque sejam ignorantes ou lentas de raciocínio. As pessoas caem em golpes por serem seres humanos e, portanto, terem pontos cegos que as fazem focar em sua necessidade imediata e ignorar todo o resto. A descrição de um golpe, como feito acima, não reproduz todo o contexto em que a vítima está inserida. Eles parecem bobos (e são), assim como parecem bobos os truques do mágico quando são revelados. Mas, durante o espetáculo, o mágico explora justamente os nossos pontos cegos, aqueles para os quais não prestamos atenção.

Os melhores golpes são aqueles que usam dessa “engenharia social”, que justamente aproveitam-se de uma necessidade urgente e, através de truques, exploram nossos pontos cegos. No caso do iPhone, a sensação de urgência da oferta, combinada com um site muito bem elaborado, foi suficiente para consumar o golpe. No caso do Banco Inter, a urgência em acessar a minha conta, combinada com um contato bastante verossímil (a música de espera era a mesma e o “técnico” que me atendeu parecia entender bastante do sistema do banco) me fez cair como um pato. Claro que desconfiei do baixo preço do iPhone. Claro que desconfiei de alguém me pedindo a senha pelo telefone. Mas a urgência, combinada com toda a verossimilhança construída ao redor, me fizeram realmente acreditar que aquilo era real, e essas “estranhezas” não passavam de detalhes a que não dei importância. A coisa funciona como em um sonho, em que realmente acreditamos que estamos vivendo aquilo, apesar das coisas estranhas que o acompanham.

Os golpes são óbvios depois que acontecem. Nesses que eu descrevi não caio mais. Mas eles me ensinaram que ninguém, por mais inteligente e esperto que seja, está livre de ser enganado. Basta que a ocasião se una a uma boa engenharia social. Claro, quanto mais conhecemos sobre os diversos golpes, mais estamos protegidos contra estes que conhecemos. Mas a criatividade dos golpistas sempre está um passo à frente. E os nossos pontos cegos estão aí para serem explorados.

Os problemas da reforma aprovada na Câmara

Felipe Salto escreve novo artigo sobre a reforma tributária, vários decibéis abaixo de seu último que comentei aqui. Alguém deve ter-lhe dado um toque, pois o tom quase histérico de seu último artigo não deve ter ajudado muito.

Neste artigo, Salto lista vários pontos pertinentes sobre a reforma aprovada na Câmara, e que, agora, está sob análise no Senado. São oito pontos levantados, dos quais concordo com 6, tenho dúvidas sobre um e discordo de um.

Os 6 pontos pertinentes, na minha visão, são os que se referem às alíquotas (precisam ter uma definição mais rápida), exceções (precisam diminuir), princípio do destino (a transição precisa ser mais rápida), incentivos fiscais do ICMS (precisam ser proibidos), novo tributo estadual (precisa ser proibido), transição federativa (precisa ser mais rápida).

Discordo do ponto “risco fiscal”, pois trata-se de cumprir contratos com empresas, e isso tem um custo fiscal. Comparo com o PROES, o programa de saneamento dos bancos estaduais, e que custou bilhões ao Tesouro. Foi o custo de sanear o sistema, e não tem outro jeito.

Por fim, tenho dúvidas sobre o primeiro ponto, o do Conselho Federativo. Primeiro, porque não me parece que fira o pacto federativo, pois será comandado pelos estados, não pela União. Depois, porque não sei quão exequível é a sugestão de manter a gestão do IBS dentro dos estados, do ponto de vista operacional e de gestão de risco de crédito. Trata-se de assunto técnico, e que deveria ser tratado nesse âmbito, não no político, como vem sendo.

Enfim, trata-se de um artigo sereno, que merece a sua leitura.

Gosto da ideia, desde que não seja na porta da minha casa

O governador teve uma “excelente” ideia: vamos mover o fluxo para junto de um equipamento de assistência a drogados. Assim, quem sabe, o pessoal voluntariamente se apresente para tratamento. A ideia deve partir do pressuposto de que os drogados não buscam tratamento porque não têm dinheiro para o ônibus…

Minha mãe mora no Bom Retiro, não muito próximo mas também não muito distante desse local. Com que tranquilidade eu deixaria minha mãe, que tem quase 80 anos, morando sozinha nessa região? Eu tive uma outra ideia: que tal montar um centro de reabilitação ali no Morumbi, próximo ao Palácio dos Bandeirantes, e levar o fluxo para lá? Equipamentos de apoio a drogados são como presídios e usinas nucleares: todo mundo acha muito importante existirem, desde que não seja na sua vizinhança.

A reportagem traz a infalível entrevista com um especialista, no caso, uma antropóloga.

Claro que houve rasgados elogios ao programa do então prefeito Haddad, o “de braços abertos”, que teria sido desmontado por almas insensíveis como as de João Doria e Bruno Covas. Não lhe ocorre que, se o programa estivesse realmente funcionando, não precisaria haver ação alguma. A lógica da especialista é estranha, pois supõe que Doria e seus sucessores agiram para criar um problema para si próprios. E o mais hilário é a antropóloga pedir desculpas por usar a palavra “civilizado” para referir-se a uma cracolândia sob controle, um termo que pode ser considerado higienista. É como se tivesse usado o termo entre aspas, para dizer aquilo que todo mundo gostaria de dizer, mas que ficaria muito mal na boca de alguém tão sensível às causas sociais.

O fluxo é formado por seres humanos, que merecem ser tratados com toda a dignidade. O problema, claro, está no local escolhido para serem tratados com toda a dignidade. É muito fácil falar quando não se tem o problema na porta de casa.