Não existe energia limpa

Esta pequena notinha escondida no caderno de economia do Estadão de hoje trata de um grave problema: a oferta de energia “limpa” (e vocês vão entender daqui a pouco porque coloquei o “limpa” entre aspas).

O Brasil tem uma das maiores ofertas de energia “limpa” no mundo. Nos países desenvolvidos do hemisfério norte, grande parte da energia elétrica é produzida em usinas termoelétricas a carvão ou óleo. Ou seja, usinas que produzem gases de efeito estufa (esta é a definição de energia “não limpa”, aquela que contribui para o chamado aquecimento global. Ou, mais modernamente, “mudanças climáticas”).

Sempre achei curioso o esforço e foco na substituição dos automóveis movidos a gasolina por carros elétricos. Sim, melhora a poluição nas cidades, sem dúvida, mas esse não é o coração da pauta ambientalista. O problema é o “aquecimento global”. Se o carro elétrico é alimentado por energia gerada por usinas termoelétricas, a quantidade de gases de efeito estufa deveria ser o mesmo. Afinal, para a mesma unidade de energia, é necessário liberar a mesma unidade de calor. Só muda o lugar onde esses gases são liberados. E, como se trata de aquecimento GLOBAL, se está no globo, tanto faz onde o gás é liberado, o efeito para o aquecimento deveria ser o mesmo.

As usinas hidroelétricas (e também as solares e eólicas) têm uma outra lógica: transformam energia contida em outros elementos que não o óleo ou carvão combustível para gerar energia elétrica. Por isso, são consideradas energias “limpas”.

Essa notinha sobre Belo Monte mostra que essa energia não é tão limpa assim. Para gerá-la, foi necessário mudar o regime de águas de um trecho do Rio Xingu, matando a flora e a fauna da região e levando a fome aos indígenas e populações ribeirinhas (veja matéria sobre o assunto nos comentários). E isso porque Belo Monte inundou apenas um terço do território que Itaipu, por exemplo, teve que inundar. Por isso, dizemos que Belo Monte é uma usina a “fio d’água”, depende menos de reservatórios que mudam o ecossistema da região.

Pois bem. Belo Monte gera energia que não contribui para o aquecimento global. Por outro lado, gera impactos bastante negativos no ecossistema da região. Podemos classificá-la como “energia limpa”?

Não existe isso a que chamam de “energia limpa”. Existe energia mais ou menos suja. Toda energia, para ser gerada, causa algum tipo de impacto no ambiente. Qualquer ser vivo causa impacto no ambiente. O ser humano muito mais, pois aprendeu a desenvolver máquinas para o seu próprio conforto. O problema não é a fonte de energia. O problema é a necessidade de gerar um montante de energia proporcional ao conforto requerido.

Belo Monte vai liberar água por ordem do Ibama para salvar a fauna, a flora e as populações ribeirinhas. Como, no entanto, as populações nas cidades continuarão fazendo questão de ligar seus aparelhos de ar-condicionado, Belo Monte vai precisar comprar energia adicional de usinas termoelétricas. Resultado: troca-se uma energia suja por outra energia suja. Trata-se de um trade off, que vai continuar existindo enquanto nós, todos nós, continuarmos a insistir em viver no máximo conforto possível.

Por isso, sou cético com relação a iniciativas de geração de “energia limpa”. Geração de energia sempre vai “sujar” o meio ambiente, de uma maneira ou de outra. O problema está na demanda, não na oferta. Enquanto nós, seres humanos, quisermos um refresco no verão e um aquecimento no inverno, alguma energia precisará ser gerada. E geração de energia degrada o meio ambiente, de uma maneira ou de outra.

Ah, e claro, a energia deve ser gerada da forma mais barata possível. Afinal a desigualdade social também é um problema, lembra?

Leitura rasa

Eliane Catanhêde faz, ao meu ver, uma leitura rasa da eleição na Câmara. Segundo sua análise, e que traduz um sentimento comum, Arthur Lira seria eleito para “trancar” qualquer pedido de impeachment.

Rodrigo Maia está sentado sobre 61 pedidos de impeachment há vários meses. Ele não é um aliado de Bolsonaro, eleito com o propósito de “trancar” pedidos de impeachment. O que o impediu de dar curso a pelo menos um deles? As condições políticas.

A eleição de Lira, se ocorrer, será um sintoma, não causa da não tramitação de um processo de impeachment. Não é que a maioria dos deputados esteja doida para iniciar um processo de impeachment, mas o presidente da Casa a ser eleito vai segurar o processo. Lira será eleito PORQUE a maioria da Casa não quer o impeachment. Pelo menos, não por ora.

A eleição de Lira é garantia de blindagem se e quando as condições políticas estiverem dadas para um processo de impeachment? Duvido muito. O Centrão fazia parte da base de sustentação do governo Dilma, e foram os primeiros a pularem do barco quando sentiram que o vento havia virado. Não será diferente.

Quando muito, a eleição de Lira significará o fim das desculpas esfarrapadas do Planalto para a inação na agenda econômica. Vamos ver.

O tamanho da nossa dívida

O governo federal fechou 2020 com uma dívida de R$ 5 trilhões.

Isso significa que, se fôssemos pagar essa dívida, cada homem, mulher e criança brasileiro deveria desembolsar R$ 23.600 aproximadamente.

Segundo dados do Tesouro, considerando as taxas de juros e o déficit primário deste ano, cada brasileiro terminará 2021 devendo R$ 26.400.

Claro que uma parte diminuta dos brasileiros na verdade é credor, não devedor. Bancos e empresas, pensionistas de fundos de pensão, investidores de fundos de investimento e poupadores de maneira geral são detentores de títulos do governo. Esta parcela da população financia a outra parcela, que é devedora.

Mas nenhum credor quer realmente receber essa dívida. Os credores não teriam o que fazer com esse dinheiro. Os credores querem somente rolar essa dívida, com a razoável certeza de que, se quiserem e quando quiserem, vão receber o dinheiro de volta.

Se, em algum momento, os credores ficassem em sérias dúvidas sobre a capacidade dos brasileiros de desembolsarem R$ 23.600 cada um, haveria um movimento de venda sem compradores, pulverizando o valor da dívida. Para evitar isso, o governo emitiria aquele papel pintado chamado de Real para pagar as dívidas, criando inflação. Os devedores ficariam, na média, R$23.600 mais pobres cada um, via perda de seu poder de compra.

Mas isso não vai acontecer. A sociedade brasileira, por meio de seus representantes, continuará convencendo os credores de que um dia pagarão suas dívidas. Assim esperamos.

Os ataques à imprensa

Eugênio Bucci é o meu Sul. Para onde ele apontar, pode ir na direção contrária sem erro.

No episodio de hoje, o professor faz uma longa digressão sobre a campanha dos nazistas contra a imprensa livre, fazendo um original e nunca antes pensado paralelo com o bolsonarismo hoje. Para tanto, usa como exemplo paradigmático os ataques contra a Rede Globo.

Selecionei algumas fotos abaixo mostrando os “democratas” do PT atacando a mesma Rede Globo. Mas, para Bucci, os ataques à imprensa livre são monopólio dos fascistas, conservadores e ultraconservadores, conforme o trecho do artigo destacado acima.

O colunista até admite que a esquerda também ataca a imprensa, mas apenas para “denunciar hipocrisias nos jornais burgueses”. Claro, havia plena liberdade de imprensa na antiga União Soviética. Há também plena liberdade de imprensa em Cuba e na Venezuela. E não foi um governo de esquerda que aprovou a “ley de medios” na Argentina. A esquerda é realmente uma fofura quando se trata de liberdade de imprensa.

Autoritários de todos as cores lidam mal com a imprensa profissional. Que tem seus erros e vieses, como todos nós temos. Quem procurar na minha timeline encontrará vários posts criticando o trabalho da imprensa. Nada, no entanto, substitui o seu trabalho na democracia. Prometo um post de mais fôlego sobre este assunto.

Viva a competição capitalista!

A competição é a essência do capitalismo.

Por que o socialismo nunca funcionou e nunca funcionará em lugar algum? Por que as pessoas não se movem se não tiverem um incentivo. E não há maior incentivo do que salvar a própria pele. Ter um competidor nos calcanhares é o combustível do capitalismo.

Doria teve o grande mérito de colocar fogo no parquinho das vacinas. Forçou a barra, politizou, a ponto de o governo federal ter que levantar de seu berço esplêndido e sair correndo atrás de alternativas. A próxima, pelo visto, é a Sputinik-V.

Na competição capitalista, o beneficiário final é o consumidor. Na competição pelas vacinas, o beneficiário final serão todos os brasileiros. Quanto mais vacinas (eficazes e seguras), melhor. Viva a competição!

O leite condensado como narrativa política

Eu nem ia comentar, porque achei a coisa meio folclórica. Mas quando vi o Estadão dar capa para o fato, como se de importante coisa se tratasse, fui olhar com mais atenção.

O assunto teve origem em matéria do site Metrópoles. Na medida em que grande parte das pessoas só lê a manchete e, no máximo, o lead, cuidadosamente escolhidos pelo editor para causar impacto, vou gastar algumas linhas para mostrar algumas inconsistências da reportagem. Depois, vou dar minha interpretação política.

Vamos às inconsistências.

1. A matéria afirma que o governo federal (todas os ministérios e autarquias) gastou, em 2020, R$ 1,8 bilhão em alimentos. Este valor seria 20% acima dos gastos de 2019, insinuando um crescimento bem acima da inflação. Ocorre que a inflação de alimentos em 2020, no IPCA, foi de 18%. Ou seja, todas as famílias brasileiras, se mantiveram a mesma quantidade consumida de alimentos, gastaram 18% a mais em 2020. 20% adicionais não parece ser exagerado.

2. A comparação se deu somente com 2019. E os mesmos gastos em outros governos? Houve um aumento substancial? Ou diminuição? Das duas uma: ou o repórter não pesquisou para dar essa Informação (que é obviamente importante), ou pesquisou e achou números que não ornam com a narrativa pretendida. Em ambos os casos, não fez o trabalho decentemente.

3. Dos R$ 1,8 bi, R$ 632 milhões foram gastos pelo Ministério da Defesa, R$ 60 milhões pelo Ministério da Educação e, em um distante terceiro lugar, R$ 2 milhões pelo Ministério da Justiça. Somando esses 3 primeiros ministérios, temos R$ 694 milhões. Faltam, grosso modo, R$ 1,1 bilhão, que devem ter sido gastos pelos outros ministérios e autarquias. Ocorre que todos esses entes devem ter gasto menos do que os R$ 2 milhões gastos pelo Ministério da Justiça, o 3o lugar. Se assim for, deveríamos ter pelo menos 550 ministérios e autarquias para completar os R$ 1,1 bi que faltam. Temos tudo isso de ministérios e autarquias? A conta não fecha.

4. Na matéria, o Ministério da Defesa informa que os gastos com alimentos se destinam a manter alimentação saudável para uma tropa de 370 mil soldados que, ao contrário de outros servidores, não fizeram home office. Se isso for verdade, temos um gasto mensal de R$ 142/pessoa/mês em alimentos. Não parece muito para fornecer 3 refeições diárias. Os gastos do ministério da Educação, apesar de não serem foco da matéria, devem se justificar pelo fornecimento de alimentos para as universidades federais. Mas esta é apenas uma suposição minha.

Bem, mas tudo isso é irrelevante. O que importa, de fato, é a narrativa política. Quando Bolsonaro tirou a foto comendo pão com leite condensado, havia ali uma narrativa: a do presidente “gente como a gente”, tiozão, bruto mas simpático, que não tem papas na língua quando é pra dizer a verdade sobre as coisas. Tudo isso está sintetizado naquela foto. A foto era uma narrativa. E ele fez isso de maneira consciente.

Antes de continuar, vou fazer uma pequena digressão para fazer o meu ponto. Tem um pequeno livro da década de 50, que amo de paixão, chamado “A Lei de Parkinson”, em que o autor faz uma análise da vida corporativa. Em um dos capítulos, o autor analisa a dinâmica da tomada de decisão nas corporações. A tese é a seguinte: quanto mais complexo e caro for um projeto, menos atenção receberá dos tomadores de decisão. E vice-versa. Ele dá um exemplo: uma reunião para analisar 3 projetos. O primeiro é um reator nuclear no valor de US$ 10 milhões, o segundo é um projeto de cobertura para os automóveis dos funcionários no valor de US$ 3 mil e o terceiro é o tipo de café que vai ser servido na copa, no valor de US$ 100. O autor demonstra que 10% do tempo da reunião será gasto com o reator, enquanto 75% será gasto discutindo o cafezinho. Por que isso? Simples: porque as pessoas não conseguem entender a complexidade do reator e não compreendem o que sejam 10 milhões, mas todo mundo entende o que é um cafezinho, sabe quanto custa no supermercado e compreende a grandeza de 100 dólares.

Este exemplo me ocorreu ao ver o impacto da informação: R$ 15 milhões em leite condensado! Todo mundo sabe quanto custa uma lata de leite condensado, sabe quanto leite condensado vai numa receita de pudim. É muito mais fácil lidar com essa informação do que, por exemplo, com o gasto de R$36 milhões anuais só para MANTER PARADO o canteiro de obras da usina nuclear Angra 3. É dinheiro do mesmo jeito, mas a primeira informação tem uma narrativa compreensível por trás.

Ao tirar uma foto com a lata de leite condensado, Bolsonaro criou uma narrativa. Ao estampar os gastos com leite condensado do governo federal, o site Metrópoles deu um ipon na narrativa de Bolsonaro, colocando um preço na suposta simplicidade do presidente.

Pode até ser (é até bem provável) que haja ineficiências e corrupção nesse processo de compras do governo. Ineficiências e corrupção que não são de hoje, diga-se de passagem. Se a reportagem servir para uma auditoria séria por parte do TCU, já terá sido útil. Mas o ponto principal, claro, não foi apontar irregularidades. Foi colocar em cheque a imagem de austeridade e integridade do governo Bolsonaro. Para tanto, utilizou-se da mesma figura usada pelo presidente. Neste ponto, a reportagem foi genial.

Aos que se incomodam com esse tipo de tática, uma mensagem de conforto: seu político de estimação também usa narrativas. A isso chamamos de política.

Os fatos, sempre eles

No dia 07/12 do ano passado, o governador de São Paulo, João Dória, prometeu o início da vacinação para o dia 25/01/2021. Portanto, hoje.

Foi um Deus nos acuda!

“Precisa da aprovação da Anvisa!”

“Como pode prometer se não sabe se vai ter a vacina!”

“Não sabe nem se a vacina é eficaz!”

“Só fez politicagem em cima da vacina!”

O fato é que hoje, 25/01/2021, mais de 600 mil brasileiros já foram vacinados com a vacina prometida por João Dória. Os fatos se precipitaram, e uma data que parecia ser otimista demais, mostrou-se absolutamente conservadora.

Os fatos, sempre eles.

Ranking de óbitos – Brasil

Complementando meu post anterior, segue a lista dos estados brasileiros por número acumulado de óbitos/milhão de habitantes, até o dia 23/01/2021.

  1. Amazonas: 1.720
  2. Rio de Janeiro: 1.665
  3. Distrito Federal: 1.489
  4. Espírito Santo: 1.415
  5. Mato Grosso: 1.395
  6. Roraima: 1.368
  7. Amapá: 1.206
  8. Sergipe: 1.182
  9. Rondônia: 1.165
  10. Ceará: 1.134
  11. São Paulo: 1.120
  12. Pernambuco: 1.060
  13. Goiás: 1.040
  14. Mato Grosso do Sul: 998
  15. Paraíba: 992
  16. Acre: 964
  17. Rio Grande do Norte: 923
  18. Piauí: 909
  19. Rio Grande do Sul: 903
  20. Pará: 871
  21. Santa Catarina: 847
  22. Tocantins: 840
  23. Paraná: 821
  24. Alagoas: 810
  25. Minas Gerais: 667
  26. Bahia: 660
  27. Maranhão: 654

Apenas como curiosidade, dividi o estado de SP em interior e região metropolitana:

  • RMSP: 1.331
  • Interior: 928

Temos então dentro do Brasil desde uma Bélgica (Amazonas) até uma Alemanha (Maranhão).