Os fatos mais marcantes de 2021

Em nossa já tradicional retrospectiva do ano, listo aqui os 10 acontecimentos que, na minha visão, mais se destacaram no ano que hoje se encerra. Foi difícil, alguns fatos importantes ficaram de fora, como a eleição de Artur Lira para a Câmara, a nomeação de Ciro Nogueira para a Casa Civil (que marcou o embarque do centrão no governo), a rejeição do voto impresso pela Câmara e a variante ômicron, que fez o número de casos explodir nos EUA e Europa. Como toda lista, há uma carga grande de subjetividade. Afinal, cada um vê os acontecimentos de maneira diferente. Esta é a minha lista. E a sua?

1. 06/01: Invasão do Capitólio.

2. 17/01: SP inicia a vacinação no Brasil.

3. Março: novo pico da pandemia no Brasil.

4. 15/04: STF anula condenações de Lula, que volta a ter direitos políticos.

5. Maio a Outubro: CPI da Covid.

6. 01/08: Rebeca Andrade é a primeira brasileira a ganhar duas medalhas em uma mesma olimpíada / O Brasil tem a sua melhor performance em Olimpíadas.

7. 07/09: Bolsonaro desafia STF na maior manifestação de rua desde 2016. Dois dias depois, recua sob orientação de Michel Temer.

8. 20/10: Paulo Guedes pede “licença” para gastar fora do teto, corroborando o fim da regra do teto de gastos.

9. Novembro: Lula e Alckmin começam a namorar.

10. Dezembro: a inflação deve fechar o ano em cerca de 10%, maior nível desde 2015.

Fact checking

“Em telefonema de 50 minutos…” e a reportagem é ilustrada com a imagem de Biden segurando um telefone, como se, naquele momento, os destinos da humanidade estivessem sendo decididos.

Falando sério, se eu segurasse o telefone desse jeito por 50 minutos, provavelmente teria uma cãibra que duraria até a próxima hecatombe nuclear. Aliás, alguém se lembra da última vez que falou ao telefone desse jeito? Fones de ouvido e viva-voz são invenções do século passado. E em um mundo trabalhando remoto, tenho certeza que a Casa Branca e o Kremlin podem fazer uma sessão pelo Zoom.

Então, porque raios o editor decidiu ilustrar a matéria com uma foto claramente fake, afirmando que Biden estava conversando, naquele momento, com Putin? Para agregar credibilidade à noticia. Afinal, Biden ao telefone mostra que o presidente realmente está falando com alguém. E esse alguém deve ser Putin, porque a Casa Branca assim informou.

O problema é que o tiro saiu pela culatra. Todos sabem que o telefone que liga a Casa Branca ao Kremlin é vermelho, não esse cinza sem graça. Fica, assim, desmascarada a tentativa de criar mais uma fake news. Nice try, Joe.

Continue seguindo essa página para mais facts checking.

E olhe lá

Janaína Paschoal surgiu no cenário nacional como a advogada que conduziu a parte técnica do impeachment de Dilma Rousseff. Miguel Reali Jr emprestou seu prestígio, mas foi Janaína quem carregou o piano. Extremamente articulada e expressiva, logo chamou a atenção dos partidos. A popularidade da algoz de Dilma a faria competitiva para a eleição de qualquer cargo. Chegou a ser cogitada, inclusive, para ser a vice de Bolsonaro.

Inexplicavelmente (talvez por não querer se mudar para Brasília), Janaína decidiu concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa de SP. Recebeu a maior votação da história para qualquer cargo no legislativo em qualquer esfera de poder. Com mais de 2 milhões de votos, foi mais votada, inclusive, que Eduardo Bolsonaro, o deputado federal mais votado em 2018. O único representante do bolsonarismo para o senado havia sido Major Olímpio. Janaína, como segundo representante do PSL, levaria fácil a segunda vaga, na onda bolsonarista que varreu o país e, em especial, São Paulo.

Agora, com o bolsonarismo em baixa e o impeachment de Dilma há distantes 6 anos, Janaína resolveu se lançar candidata ao senado. E, claro, como um elefante em uma loja de cristais, já começou a fazer estragos.

Janaína não fez como Joice Hasselman ou Alexandre Frota, que romperam formalmente com o bolsonarismo. Mas seus tuítes ao longo dos últimos 4 anos, onde se coloca, a mais das vezes, como uma analista distante da cena política nacional, irritou não poucos bolsonaristas. Resultado: Janaína hoje não conta com o apoio do bolsonarismo-raíz e, tampouco, com a sua oposição. Tem os votos, se muito, dos eleitores do “centro”. Mas estes costumam torcer o nariz para o seu jeito, digamos, histriônico.

Resumo da ópera: quando tinha votos para se eleger senadora, Janaína Paschoal decidiu concorrer a deputada estadual. Agora que decidiu concorrer para senadora, provavelmente vai ter votos suficientes para se eleger deputada estadual. E olhe lá.

A armadilha das cotas de gênero

É assaz interessante quando defensores de pautas identitárias são pegos em suas próprias armadilhas.

O caso aconteceu em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul, mas ganhou espaço em um jornal de alcance nacional como o Estadão. E ganhou espaço porque, supostamente, o editor avaliou que valia à pena dar repercussão a mais um caso de “machismo tóxico”. O único problema é que o episódio depõe justamente contra a pauta identitária. Vejamos.

A vereadora de Canguçu foi eleita para a mesa diretora porque, supostamente, é bonita. Pelos menos 3 vereadores justificaram o seu voto com o termo “embelezar a mesa”. De fato, é constrangedor para qualquer mulher que gostaria de ser reconhecida pelos seus talentos.

Por outro lado, é óbvio que este raciocínio pode ser estendido para a própria condição de mulher. A “trajetória, capacidade de construção e inteligência”, nas palavras da própria vereadora, não são atributos exclusivos das mulheres. Portanto, fosse eleita por ser mulher, esses atributos, digamos, mais gerais, também não teriam sido levados em consideração. No entanto, se fosse eleita por ser mulher e não por ser bonita, a coisa não seria notícia. Por algum estranho motivo, o fato de um ser humano portar vagina a faz ser elegível para cargos, mas se essa vagina estiver emoldurada por um rosto bonito, a coisa já se transforma em machismo.

As mulheres precisam decidir se querem ser reconhecidas pela sua “trajetória, capacidade de construção e inteligência” ou pelo fato de serem mulheres. Se uma mulher com, digamos, menos atributos de beleza, fosse eleita para a mesa, e os vereadores tivessem falado apenas em “presença feminina”, o ato provavelmente seria louvado como um tributo à diversidade, apesar de, da mesmíssima forma, a “trajetória, capacidade de construção e inteligência” terem ficado em quinto plano.

O problema da inserção das mulheres no mercado de trabalho e a sua ascensão aos cargos mais altos existe, isso não se discute. O problema é como se resolve isso. Da forma como a coisa está posta, as mulheres hoje podem ter dúvidas sinceras se estão sendo contratadas pela sua “trajetória, capacidade de construção e inteligência” ou somente para embelezar as empresas e os conselhos de administração. Esta é a armadilha.

A mensagem da Glencore para o planeta

A Economist vem mandando a real sobre a agenda ESG, principalmente no que se refere à sua influência sobre os investimentos. Em reportagem de sua última edição (Glencore’s message to the planet), a revista aborda o estranho caso da empresa suíça Glencore, que vem comprando ativos de produção de carvão na contramão da agenda de preservação ambiental – e com sucesso.

A matéria começa dizendo que o consumo de carvão para a produção de energia bateu recorde em 2021, mesmo depois de anos de pregação contra o seu uso. Esse consumo fez com que os preços da commodity atingissem níveis recordes em outubro deste ano, o que causou a forte alta das ações da Glencore.

A revista então chama a atenção para um pequeno fundo ativista, o Bluebell Capital, que vem tentando forçar a Glencore a vender seus ativos de produção de carvão, com base na agenda ESG. Mas sua iniciativa vem caindo em ouvidos moucos. Ao que parece, segundo a reportagem, os investidores têm mudado a sua visão a respeito do carvão. Não sem ironia, a revista afirma que este “é um sinal de quão ‘flexíveis’ podem ser os investidores quando as metas ESG batem de frente com o objetivo de maximizar retornos financeiros”.

Voltando um pouco no tempo, a reportagem lembra que a mineradora Rio Tinto foi a primeira a abandonar o carvão, isso em 2018. Logo depois, suas concorrentes, incluindo a Glencore, apresentaram planos na mesma direção. Em meados de 2021, a Anglo American separou a sua subsidiária de carvão, Thungela Resources, com o intuito de vendê-la. No entanto, depois de poucos meses, as ações da Thungela haviam quadruplicado de preço. Vendo isso, a Glencore, que havia acabado de aprovar um plano de venda de seus ativos de carvão, comprou a participação nesses mesmos ativos da Anglo American, e a mineradora BHP anunciou que vai segurar a venda de seus ativos de carvão.

A mudança de atitude veio dos próprios investidores, segundo a revista. A Blackrock, maior gestora do mundo e profundamente dedicada à pauta ESG, além de outros investidores, teriam chegado à conclusão de que é preferível que esses ativos permaneçam em mãos de empresas listadas em bolsa do que serem vendidas para fundos opacos de private equity. Novamente usando da fina ironia inglesa, a revista sugere que talvez os investidores não fossem tão benevolentes se os preços das ações estivessem caindo.

O fato é que, e a revista já vem chamando atenção para isso há algum tempo, o uso do carvão não vai sumir do mapa simplesmente porque os ativos foram vendidos pelas grandes mineradoras. Enquanto a demanda estiver aí – e a matéria afirma que a demanda dos países mais pobres continuará existindo durante muito tempo – os ativos continuarão existindo, só que longe dos olhos dos investidores.

A solução? A Economist sugere que somente uma ação concertada dos governos para a taxação das emissões de carbono e o redesenho dos sistemas de geração de energia pode diminuir a demanda pelo carvão. Mas, já falamos sobre isso aqui: taxar carbono significa aumentar o custo da energia. Qual governante está realmente disposto a colocar a mão nessa cumbuca?

O fato é que é mais fácil falar do que fazer. Como diz um desesperançado Nizan Guanaes em recente artigo no Brazil Journal, “acho que estamos mergulhados em um mar de blá blá blá. Se todas as empresas são ESG, quem está desmatando o mundo, emporcalhando os mares, aquecendo a atmosfera?”

Adivinhe quem foi o otário

A concessão do CT da Barra Funda para o São Paulo Futebol Clube foi prorrogada por mais 40 anos em troca da construção de duas creches na cidade. A notícia está aí abaixo. Desafio alguém a encontrar menção a algum valor em moeda corrente brasileira, o real.

Não foi um problema só da reportagem do Estadão. Procurei bastante nas matérias a respeito do evento e nenhuma menciona valores. A coisa se passa como uma festa de amigo secreto, uma troca de presentes: eu dou um terreno de 40 mil m2 por 40 anos em área cada vez mais nobre da cidade e você me dá duas creches. Como sabemos, é de muito mal tom falar em valores em festas de amigo secreto. Dar um envelope com dinheiro, então, chega a ser uma canalhice.

Mas como não se trata de amigo secreto, vamos falar de números. Um terreno desse tamanho na Barra Funda, local de grande especulação imobiliária atualmente, deve estar valendo, por baixo, uns R$ 800 milhões (R$ 20 mil o m2). Considerando uma taxa de aluguel de módicos 3% ao ano, teríamos um valor de aluguel de R$ 24 milhões ao ano, ou R$ 2 milhões ao mês. Por outro lado, não faço ideia de quanto custa uma creche, mas certamente vale menos do que esse aluguel. Estamos diante daqueles amigos secretos em que um dos lados foi o trouxa que comprou o presente mais caro. Adivinha quem foi o otário?

Claro que o prefeito, qualquer que seja ele, não vai querer se indispor com uma parte relevante da torcida paulistana (pelo que me consta, há também uma concessão para o Palmeiras, que só termina na década de 70). Muitos desses torcedores são pobres e se beneficiariam pessoalmente se esse dinheiro fosse usado com mais sabedoria. Mas como ninguém faz conta, fica a ilusão de que os cidadãos estão “ganhando” duas vezes, ao permitir que seu time de coração tenha condições de treinar decentemente e, de quebra, ter duas creches construídas em regiões carentes da cidade. Assim é se assim lhe parece.

A lei não modifica a realidade

As ações trabalhistas contra os aplicativos de transporte e entrega explodiram em 2021, em uma tendência que já vinha crescendo desde 2019. E, com o crescimento da chamada “economia gig”, esses processos devem continuar aumentando nos próximo anos.

E o que querem esses trabalhadores? Basicamente os mesmos direitos trabalhistas que têm aqueles registrados em carteira: férias, 13o, FGTS, contribuição para o INSS. A ideia é que plataformas como Uber, Rappi ou iFood são verdadeiros empregadores, e seus motoristas e entregadores seriam nada mais do que funcionários.

Há muita discussão jurídica a respeito da natureza desses trabalhos e não é minha intenção entrar nessa seara, mesmo porque não sou operador do direito e meu conhecimento nesse tema é limitado. Vou analisar a coisa do ponto de vista econômico. Claro que tenho meu viés, mas estou convencido de que é o ponto de vista que prevalece no final, pois não há lei que consiga modificar, de maneira permanente, uma realidade econômica.

O ponto principal dessa discussão é o que chamamos de “total cash”. O que importa, do ponto de vista econômico para ambas as partes, é a renda total recebida pelo trabalhador. Esta renda deve ser mensurada em um espaço de tempo compatível com o benefício. Por exemplo, o FGTS e o INSS representam, respectivamente, 8% e 20% da renda mensal, enquanto o 13o e as férias representam, respectivamente, 1/12 e (1+1/3)/12 da renda anual. Somando tudo, temos um custo adicional de 47% sobre o salário nominal do trabalhador. A questão, portanto, se resume a quem vai arcar com esse custo.

O cálculo econômico das empresas é relativamente simples: qual o custo da mão de obra que viabiliza o negócio? Ou, de outra forma, qual o retorno potencial sobre o capital investido que viabiliza o empreendimento? Quanto maior o custo da mão de obra, menor será o retorno potencial do negócio, o que pode, no limite, inviabilizar o investimento. E não há lei que modifique essa realidade econômica.

Vamos a um exemplo prático: o 13o salário. Getúlio Vargas é até hoje saudado por esse grande benefício aos trabalhadores brasileiros. Como se, por força de lei, as empresas passaram a pagar 1/12 a mais de salário para os seus funcionários. Bem no começo deve ter sido assim mesmo. Mas logo as empresas adaptaram a sua folha de pagamento e, ao invés de pagar o mesmo total cash em 12 parcelas, passaram a pagar em 13 vezes. O bolo é o mesmo, foi somente a quantidade de fatias que aumentou. O mesmo vale para todos os outros “benefícios” concedidos por lei: as empresas não deixam de ter o seu próprio cálculo econômico, e adaptam o que podem pagar aos seus funcionários ao determinado pela lei. No final do dia, os “benefícios” não passam de uma ilusão de ótica.

Nesse sentido, é interessante observar a forma como os motoristas e entregadores enxergam a sua própria remuneração. Digamos, por hipótese, que de ontem para hoje as plataformas concedessem um aumento de 47% na remuneração desses trabalhadores, o equivalente aos principais direitos trabalhistas. Com o tempo (e não muito tempo) esse dinheiro adicional seria incorporado ao orçamento desses trabalhadores e não demoraria muito para que voltassem a pedir seus “direitos trabalhistas”. Psicologicamente, as pessoas tendem a preferir “benefícios” do que cash, ainda que, financeiramente, sejam coisas equivalentes. Na verdade, cash é melhor, pois permite maior liberdade de escolha. Mas algum estranho mecanismo psicológico nos faz preferir os pequenos “presentinhos”.

Além disso, há a questão da disciplina. Em tese, todos os trabalhadores poderiam construir seus próprios “benefícios” a partir de seus próprios salários. Por exemplo, para ter um 13o salário, bastaria separar 1/12 do salário mensal e, no final do ano, haveria um “13o salário”. Ou se poderia reservar 8% do salário como um “seguro desemprego”, que faria o papel do FGTS. E assim por diante. Mas isso exigiria uma disciplina que poucos têm. Os tais “benefícios” ajudam a manter o dinheiro longe das mãos dos trabalhadores, o que se reverte em seu próprio benefício futuro.

De qualquer forma, não endereçamos o problema principal aqui: quem vai arcar com os 47% a mais que significariam o pagamento dos principais benefícios trabalhistas? Talvez um Uber consiga, mas estamos falando de centenas de plataformas com os mais diversos tipos de serviços. Todas elas teriam condições de arcar com esse custo adicional? Ou aconteceria o mesmo que ocorreu com o 13o salário, ou seja, a remuneração nominal diminui para que o total cash permaneça o mesmo?

Não haverá uma solução única: algumas plataformas conseguirão repassar o custo adicional para os consumidores, outras diminuirão a remuneração dos trabalhadores e outras simplesmente fecharão as portas. Uma coisa, no entanto, é certa: a lei positiva não tem o condão de mudar uma realidade econômica.

PS.: para uma parte significativa das empresas e trabalhadores brasileiros, essa discussão não faz o mínimo sentido. Com a baixa produtividade geral do trabalhador, as empresas simplesmente não conseguem colocar na mão do trabalhador uma quantidade de dinheiro mínima para subsistência E pagar os benefícios trabalhistas. Resultado: há um pacto pela informalidade, única forma de manter esses trabalhadores empregados. Como disse, a lei não modifica uma realidade econômica.

Não olhe para cima

Um cometa chamado “aquecimento global” está se aproximando da Terra e destruirá a vida como a conhecemos se nada for feito. Esta é a mensagem do filme “Não olhe para cima”, da Netflix, que já virou o hit do verão (no hemisfério sul, bem entendido).

Claro que o paralelo não é perfeito, uma vez que a previsibilidade do impacto de um corpo celeste é muito maior do que tentar prever o clima daqui a 50 anos. Mas como a simplificação do argumento é o segredo para se transmitir uma mensagem com sucesso, o roteirista não se envergonha de lançar mão de um paralelo quase infantil. Aliás, o próprio filme ilustra a crítica de que se faz porta-voz: a ligeireza e superficialidade com que assuntos sérios são tratados pela indústria cultural e de comunicação de massa. Em outras palavras, o filme se enquadra à perfeição em sua própria crítica, com seus personagens caricatos e seu enredo de bandidos e mocinhos bem definidos.

Por outro lado, a patética teoria da conspiração abraçada pelas autoridades e seus seguidores alt-right (o que inclusive dá nome ao filme) deixa entrever outra teoria da conspiração, essa levada a sério e em tom de denúncia: a manipulação e o poder dos donos das redes sociais, que estariam por trás do poder político e econômico. Claro que a paródia exagera os personagens, mas a denúncia está lá. Que se despreze uma teoria da conspiração e se leve a sério outra diz algo sobre as preferências políticas das pessoas.

O mundo, feliz ou infelizmente, é um pouco mais complexo do que um cometa vindo em direção à Terra. Reportagem de hoje mostra o lobby de alguns países europeus, liderados pela França, para que a União Europeia passe a incentivar a energia nuclear como fonte “limpa” de energia, ao lado da solar e da eólica. A razão é simples: se depender dessa duas últimas, as metas de redução de queima de combustíveis fósseis serão virtualmente impossíveis de serem alcançadas. Alemanha, Espanha e outros países são contra essa amplificação do conceito de energia limpa.

A grande vantagem do petróleo é poder ser transportado por distâncias oceânicas. Se pudéssemos transportar a energia gerada pelo sol ou pelos ventos pela mesma distância, o problema estaria resolvido. Não sei qual a tecnologia envolvida, mas o que vejo são parques geradores que se comunicam com centros consumidores através de cabos terrestres. Portanto, não dá para transportar energia solar ou eólica produzida, por exemplo, no Brasil, para a Europa. Isso é um problema, porque os países europeus vão precisar gerar sua própria energia limpa. Haja sol e vento.

Por isso, a energia nuclear está sendo considerada como uma alternativa, talvez a única. Só tem um problema: em troca de uma energia que não tem pegada de carbono, tem-se o problema do lixo radioativo e o risco em si das usinas nucleares. Claro que a França faz a manutenção de suas usinas corretamente. Mas podemos confiar que Bulgária e Romênia farão o mesmo? Os alemães parecem não apostar nisso.

Enfim, o tema é muito mais complexo do que faz supor um filme-meme. Nem mesmo a crítica a Donald Trump, que veste saias no filme, faz sentido. Afinal, Trump já não manda mais nada. Joe Biden, Macron e o novo chanceler da Alemanha (que fez aliança com os verdes) certamente saberão o que fazer para destruir o cometa. Podemos respirar aliviados, a Terra está salva.

PS.: pode não parecer, mas gostei do filme. O elenco é muito bom e aprecio o estilo de humor do diretor. E acho que a principal crítica do filme, que é a forma superficial como os assuntos mais sérios são tratados pela comunicação de massa, é pertinente. A coisa só escorrega quando procura simplificar com palavras de ordem um assunto complexo como é essa questão das mudanças climáticas.

A origem do Universo e da Vida

Se alguém me perguntasse, quando garoto, o que eu queria ser quando crescesse, minha resposta era sempre rápida e certeira: astrônomo.

Eu era simplesmente vidrado por coisas relativas ao espaço, principalmente o sistema solar. Lembro de uma determinada aula sobre o tema, quando eu estava na 7a ou 8a série, em que a professora de Ciências enumerou os planetas de dentro para fora. Plutão, como sabemos, era o último. No entanto, eu já havia lido que a órbita de Plutão é muito excêntrica, fazendo com que, periodicamente, o último planeta do sistema ficasse mais próximo do Sol do que Netuno, o oitavo planeta. Estávamos justamente em um desses períodos, que foi de 1979 a 1999. Levantei a mãozinha e ousei dizer que, naquele momento, Plutão estava mais próximo do Sol do que Netuno. Claro que a professora de Ciências, que precisava ensinar um pouco de um monte de coisas, não tinha aquele conhecimento específico, e descartou sumariamente a minha contribuição ao debate. Na ocasião, aprendi que convicções podem facilmente substituir a ciência em mentes pouco curiosas.

Com o passar do tempo, outros interesses foram substituindo a astronomia, que passou a ser apenas mais um assunto interessante no rol de minhas curiosidades. Quando criança, a astronomia proporcionava-me a gostosa sensação de imaginar como seria visitar os planetas, como se fossem países distantes e exóticos. Captava-me a imaginação as distâncias incríveis e a paisagem que, supostamente, os moradores daqueles planetas contemplariam. Na medida em que o tempo foi passando, meu interesse migrou dessa coisa mais, digamos, geográfica, para algo mais filosófico: a origem do universo e da vida.

Essa é basicamente a missão do novo super-telescópio que a NASA lançou ontem: perscrutar os confins do universo em busca do nosso passado e procurar sinais de vida em planetas distantes, em busca, talvez, do nosso futuro. A origem do universo e da vida talvez sejam os dois pontos em que a ciência e a filosofia se toquem de maneira mais dramática.

A coincidência com o Natal para esse lançamento deve ter sido escrita por alguém superior, que estabeleceu as órbitas de modo a fazer coincidir o melhor momento para o lançamento com a data em que se comemora o nascimento do menino-Deus. Ou talvez tenha sido uma mera coincidência, nessa natureza que não para de nos surpreender com suas maravilhas aleatórias. Ou foi somente fruto de um chefe de missão rabugento, que não gosta do tempo do Natal e quis estragar a data de toda a sua equipe. De qualquer forma, não deixa de ser sugestivo que uma missão que tem como objetivo auscultar o coração do universo tenha seu início nessa data tão cara à humanidade.

Natal e Ano-Novo são dias como outros quaisquer, na marcha batida do tempo. Nós, seres humanos, é que damos o seu significado, pois a nossa espécie não vive sem dar significados às coisas e aos acontecimentos. Assim como a Terra é um planeta como outro qualquer, perdido na imensidão vazia de trilhões e trilhões de corpos celestes, cada um solitário à sua maneira. Mas a vida e a humanidade dão um significado especial para a Terra, assim como nós damos um significado especial para o Natal e o Ano-Novo, que, de outra forma, seriam dias como outros quaisquer, perdidos na imensidão dos dias que passam.

O novo telescópio tem como missão descobrir os segredos do universo e da vida. Essa é a missão da ciência, sempre em busca da verdade sobre o mundo físico. Mas a ciência não tem nada a dizer sobre o amor, a paz e a harmonia entre os homens. Para isso, somente a sabedoria de cada um de nós tem a própria resposta.

Um Feliz Natal e um Ano-Novo cheio de sabedoria para todos nós.