A campanha do WhatsApp

Ontem participei de um happy hour especial, em que reencontrei velhos amigos para comemorar 30 anos de formatura na Poli. Alguns eu não via há 30 anos, desde que nos formamos!

Mas não é sobre velhas lembranças que quero falar. É sobre novas tecnologias.

Já havia participado de encontros anteriores com minha turma. Sempre meia dúzia de gatos pingados. Ontem, havia mais de 30 pessoas, fora outros tantos que não vieram, mas que estavam no grupo do WhatsApp formado para este encontro.

WhatsApp. Esta foi a tecnologia que permitiu o sucesso desse encontro.

Em determinado momento durante o encontro, alguém perguntou quem havia organizado. A resposta foi “ninguém”. As pessoas foram trocando ideias, em determinado momento bateu-se o martelo no lugar, alguém reservou e pronto! O encontro aconteceu.

De fato, aquele grupo havia sido iniciado por dois colegas, que inicialmente agregaram seus próprios contatos. A partir daí, o grupo cresceu com a adição de novos contatos a partir dos contatos iniciais, até atingir quase 80% da turma. Sem uma organização central.

Ao contrário do Facebook, em que o Zucka decide o que eu vejo ou não, no WhatsApp o usuário é pleno senhor de sua timeline. Ele escolhe de quais grupos quer participar e a formação dos grupos se dá de maneira orgânica. Grupos formados “de cima para baixo”, com uma organização central, simplesmente não funcionam.

O WhatsApp foi uma arma essencial nessas eleições. Bolsonaro conseguiu tamanho sucesso usando essa tecnologia, que pôde ultrapassar as evidentes limitações de sua campanha: quase zero de tempo de TV, de estrutura partidária, de fundo partidário. Bolsonaro tinha o que os outros candidatos dariam o dedinho da mão para ter: uma militância aguerrida, disposta a fazer propaganda de sua candidatura. Se alguém duvida da existência dessa militância, é porque não foi nas manifestações pró-impeachment em 2015/2016.

Mas não adianta ter militância se não houver os meios. Antigamente, essa militância teria que passar em comitês e pegar materiais de campanha (folhetos, santinhos) para distribuir. Seria claramente insuficiente. O WhatsApp permitiu fazer campanha sem sair de casa e de modo muito mais rico, com o auxílio de vídeos, impossíveis de serem distribuídos em semáforos.

Veja, o WhatsApp não dispensa a existência de comitês. Ainda é necessário que uma organização central produza os materiais que serão distribuídos. Mas a distribuição em si é feita através desses grupos formados organicamente, de pessoas dispostas a fazer campanha. Não estou aqui dizendo que não possa haver spams. Mas a eficácia dessas mensagens não desejadas é infinitamente menor do que aquela que vem de alguém conhecido em um grupo formado voluntariamente.

– Ah, mas o start do processo se dá através de uma fonte não confiável. Depois que essa mensagem é repassada pela primeira vez, passa a circular nos grupos de maneira confiável.

O que é uma fonte “confiável”? Ainda mais em uma campanha eleitoral? Parece-me óbvio que as pessoas sabem que aquele material que estão repassando não foi “criado” pela “minha tia”. Alguém deve ter criado inicialmente, todo mundo sabe disso. Além disso, parece-me também que ninguém é idiota o suficiente para acreditar em uma mensagem só porque foi a tia que mandou. “Nossa, aqui tá dizendo que a terra é plana. Como foi minha tia que mandou, deve ser verdade”. As pessoas acreditam no que querem acreditar. Mensagens que reforçam seus argumentos e preconceitos são dignas de credibilidade, mensagens que vão na direção contrária são descartadas, mesmo vindo do papa.

A grande revolução do WhatsApp foi permitir alavancar uma ideia de maneira rápida e descentralizada. Já li alguns artigos sobre a influência das redes sociais em debates e a coisa é sempre centralizada no Facebook e Twitter, onde a timeline e os trend topics podem ser fortemente influenciados por robôs. Sem dúvida isso aconteceu também nessa eleição. No entanto, o que desequilibrou o jogo, no final do dia, foi a existência de uma militância disposta a fazer campanha, tanto a favor de Bolsonaro quanto contra o PT. O WhatsApp foi só o instrumento que permitiu a essa militância ter voz. Robôs podem ser criados por qualquer um. Militância, não.

A influência das ideias sobre as pessoas existe desde que Eva convenceu Adão a comer a maçã, influenciados pelas fake news da serpente. O WhatsApp é só mais uma tecnologia de difusão de ideias, um meio alternativo à mídia tradicional, que também difunde ideias. Talvez seja isso que incomode. Voltaremos a esse assunto.

Bobo Vox

Bobo Vox tem uma visão estereotipada do Brasil, assim como a maioria dos estrangeiros. Para ele, o Brasil é carnaval. Não admira que também tenha uma visão estereotipada de Bolsonaro. Seu tempo é muito precioso para perder com as nuances de um país continental e multifacetado.

Bobo Vox se acha a consciência política da humanidade. Não passa de um bocó repetidor de estereótipos.

Ambiente de conflito permanente

Hoje condenei Haddad por não ter telefonado para cumprimentar Bolsonaro pela sua eleição.

Deve ter ouvido as críticas, e preferiu mandar um tuite. Bela iniciativa, ainda que com um certo atraso.

Parece claro que preferiu um tuite a um telefonema para que a coisa ficasse pública, e não restrita aos dois, sujeita às versões de ambos os lados. Um sinal de desconfiança, plenamente justificável, dado o clima geral.

O tuite de Haddad foi simpático e respeitoso, estendendo uma bandeira branca. Muito distante do tom entre choroso e belicoso da véspera.

O que fez Bolsonaro com a bandeira estendida? Desprezou-a. A frase “Realmente o Brasil merece o melhor” não precisa de complemento. Para bom entendedor, pingo é letra: o melhor sou eu.

Precisava disso? A campanha não acabou? Não poderia simplesmente parar no agradecimento? Ou complementar com algo do tipo “O Brasil espera o melhor de todos nós”?, uma frase que chamaria o PT à sua responsabilidade de ser uma oposição leal?

Ok, o PT já fez coisa muito pior e não é um partido confiável. Mas o gesto de Haddad não seguiu a linha do partido e a resposta de Bolsonaro só serviu para provar que estavam certos aqueles que aconselharam Haddad a não mandar mensagem alguma, que certamente existiram.

Bolsonaro perdeu a chance de ajudar a distender o ambiente. Talvez não lhe interesse um ambiente sem animosidades, talvez somente se sinta à vontade em um ambiente de conflito permanente. Assim como o PT.

A natureza do escorpião

Ontem, tanto Márcio França quanto Paulo Skaf ligaram para João Doria para cumprimenta-lo pela vitória. Não tenho dúvida de que Doria teria feito o mesmo caso o vencedor do pleito fosse qualquer um dos outros dois.

Aécio ligou para Dilma em 2014, assim como todos os candidatos derrotados nas últimas eleições presidenciais ligaram para os vitoriosos.

O derrotado parabenizar o vitorioso faz parte da liturgia de um processo eleitoral democrático. É sinal de uma oposição que pode ser forte, mas não será desleal.

Haddad não ligou ontem para Bolsonaro. Segundo ele, “porque não sabia como sua ligação seria recebida”. Parece coisa de adolescente, mas é só o cacoete de um partido hegemônico, que não aceita a derrota.

Se Bolsonaro iria ligar para Haddad em caso de derrota? A julgar pelo seu discurso da fraude nas urnas, provavelmente não. Mas isso seria apenas a confirmação de sua imagem anti-democrática.

Haddad, ao contrário, ganhou muitos votos de última hora por representar pessoalmente a imagem da “resistência democrática” ao avanço autoritário. Muitos votaram em Haddad apesar do PT, pois o seu bom-mocismo e seu ar intelectual sempre lhe deram esse ar meio PSDB.

Haddad, ao não parabenizar Bolsonaro, perdeu a chance de ouro de distender o ambiente e se mostrar um verdadeiro democrata. Perdeu a chance de se tornar um líder relevante da oposição. Vai desaparecer no meio da gritaria antidemocrática do PT.

Haddad demonstrou ontem a verdade da velha máxima, a de que o escorpião não perde a sua natureza.

A escolha do menos pior

A soma de votos brancos e nulos foi de 8,79% no 1o turno e de 9,57% no 2o turno. Um aumento de apenas 0,78%. Este é o montante do eleitorado que realmente não encontrou, em um dos dois finalistas, alguém que merecesse o seu voto. O que indica que uma parte relevante do eleitorado tapou o nariz e exerceu o seu direito de escolha, mesmo sem ter declarado seu voto publicamente.

O ridículo da legislação eleitoral

A propaganda eleitoral terminou oficialmente na sexta, mas continua a todo vapor nas redes, onde se dá a verdadeira campanha.

Quando nossos legisladores e tribunais vão acordar para o papel ridículo que estão fazendo ao tentar regular algo que, por natureza, é impossível de regular?