A boa e velha articulação política

O funcionário de Bolsonaro, Paulo Guedes, entrou no jogo da Velha Política.

Bolsonaro tem três alternativas:

1) Demite Guedes, mostrando quem realmente manda.

2) Assume a paternidade da ideia, inventando uma estorinha qualquer do tipo “Guedes terá um diálogo republicano com os parlamentares”. Em outras palavras, reconhece que “articulação política” pode ter outro sentido do que as malas de dinheiro do Gedel.

ou

3) Faz cara de paisagem, continua fazendo seu espetáculo no Twitter para sua plateia cativa e deixa o trabalho sujo para o seu funcionário. No melhor modo “eu pago meu despachante para conseguir as coisas, não me interessa como ele consegue”.

Vamos ver.

Nada acontece se não houver muito esforço

Tem coisas que às vezes parecem simples e óbvias, e ficamos pensando porque não existem. Por exemplo, pagar um boleto vencido em qualquer banco. Parece simples e óbvio, não?

Pois é. Os bancos gastaram meio bilhão de reais, 2.500 funcionários envolvidos durante 3 anos para tornar isso possível.

Nós somos uma grão de poeira nessa nossa civilização industrial-tecnológica. Não existe nenhum processo simples. Tudo, absolutamente tudo com que você interage no seu dia a dia é fruto do esforço coordenado de milhões de pessoas. “Coordenado” aqui é uma palavra-chave. Assim como em uma orquestra, seria impossível tirar qualquer ideia do papel sem uma gerência eficaz, batendo o bumbo e mantendo a direção.

Não existe nada simples. Desde a fabricação de uma agulha, passando por pagar boletos vencidos em qualquer agência até passar a reforma da Previdência. Pense nisto.

Índex bolsonarista

“Eu e o ministro Onyx vamos reunir uma série de parlamentares. E só tem um jeito de desarmar bombas: é no diálogo. Não tem outra forma.”

“Há insatisfações pontuais, em alguns casos por ansiedade de alguns parlamentares e de alguns partidos, em se sentirem parte do governo”.

“Nós entendemos isso e queremos que tais partidos que querem estar no governo estejam conosco, sem dúvida alguma”.

“O que está faltando é só a gente ajustar o tom do violino para que a música saia mais bonita.

“HASSELMANN, Joice, líder do governo no Congresso.

Mais uma destinada ao índex do bolsonarismo.

O suprassumo do Estado Democrático de Direito

1996.

FHC estava em seu 2o ano de mandato, Covas era o governador de São Paulo e Maluf era o prefeito da cidade.

Os primeiros telefones celulares, do tamanho de um tijolo, começavam a circular por aqui, enquanto a Internet era ainda coisa de universidade.

Assistíamos filmes em fitas VHS. Não lembro se havia CDs de música, mas certamente não havia MP4 e muito menos streaming.

Rede Social era aquela que ficava na varanda de casa e onde todo mundo podia tirar um cochilo.1996. Ano em que os proprietários do Fiat Tipo (sim, havia um carro com esse nome) entraram com um processo contra a Fiat.23 anos depois, a Justiça Brasileira chegou ao fim do processo. 23 anos.

E ainda querem nos convencer que chicana jurídica é o supra-sumo do Estado Democrático de Direito.

Atualize-se, Delegado Waldir!

Delegado Waldir foi reeleito deputado federal por Goiás com 275 mil votos, a maior votação para um deputado na história do Estado e quase 100 mil votos à frente do 2o colocado. Mais “povo” que isso, parece-me impossível.

Sua pauta está alinhadissima à pauta de Bolsonaro: combate à bandidagem, tanto nas ruas quanto na política.

Espanta-me que Delegado Waldir, o líder do PSL na Câmara e com esse currículo, venha com essa história de “articulação” e de “construção de base”. Será que ele não entende que “articulação” é sinônimo de “malas de dinheiro”? A que “faca” ele se refere, para cortar o abacaxi da reforma da previdência? Bolsonaro já disse que esse trabalho é do Congresso, ele que arrume a faca em algum lugar.

Delegado Waldir precisa se atualizar urgentemente. Parece até o Maia.

Caiu a ficha

Hoje caiu-me uma ficha.

Foi um daqueles momentos em que uma determinada realidade aparece nítida, onde antes havia algo incompreensível.

Sou meio lento pra entender as coisas. Mas procuro me colocar no sapato dos outros, para entender suas razões e motivações. Mesmo não concordando, é um exercício útil, recomendo.

Neste fim de semana, lendo uma montanha de manifestações a respeito da postura de Bolsonaro diante do Congresso, como eu disse, caiu-me uma ficha.

Bolsonaro não vai conversar com o Congresso. O parlamento brasileiro representa o que há de mais abjeto. Só há interesses mesquinhos, para ficar na coisa mais branda, ou inconfessáveis, se quisermos traduzir o sentimento geral.

Se Bolsonaro cedesse e negociasse com este Congresso, estaria traindo o sentido mesmo de sua eleição, que foi o de negar as negociatas que têm lugar ali.

Para Bolsonaro e seu núcleo duro de eleitores (acho que 15%-20% dos leitores, os restantes 35%-40% que lhe deram a vitória no 2o turno são mais anti-PT do que bolsonaristas) o Congresso deveria votar as medidas enviadas pelo Executivo por patriotismo. O que não deixa de ser uma contradição em termos: bandido patriota parece ser um oximoro.

Minha premissa, nesses dias todos, estava equivocada. Ao pensar que Bolsonaro pudesse agir como um “político normal”, que negocia com o Congresso a sua pauta, estava simplesmente esquecendo a alma da campanha do agora presidente: limpar a política de toda a sua podridão. O meme que marcou a minha, digamos, “iluminação”, foi o das malas de dinheiro do Gedel, com a frase: “articulação política”. Sim, se isso é o que se entende por articulação política, então é óbvio que não tem negociação. Com ninguém.

Se não existe possibilidade de negociação com este Congresso (e, a bem da verdade, com qualquer Congresso, porque político é tudo igual), restam três alternativas:

1) O Congresso aprova as medidas enviadas por Bolsonaro sem qualquer tipo de “negociação” – negociação entre aspas para assumir o sentido bolsonarista da palavra. Os congressistas, ao se depararem com as consequências nefastas para a nação de não votarem com o governo, colocariam a mão na consciência. Há dois problemas com essa alternativa: a) bandido não tem consciência e b) pode haver parlamentares honestos que simplesmente não concordam com as medidas, ou que pensem que não sobrevirá o caos se não forem aprovadas.

2) O Congresso não aprovas as medidas, e o governo torna-se, na melhor das hipóteses, um lame duck durante 4 anos. Na pior, o presidente cai em função da piora significativa das condições econômicas. (Observação importante: não estou aqui prevendo e muito menos torcendo pela queda do presidente. Estou apenas cobrindo todas as possibilidades)

3) Na impossibilidade de passar medidas importantes, o Congresso é fechado, limpando-se o caminho para as reformas necessárias, sem precisar “negociar” com bandidos. Para quem acha isso um exagero, li muitas manifestações nesse sentido neste fim de semana.

Enfim, e para encerrar, vocês não vão mais ler aqui que Bolsonaro “deveria fazer isso”, ou “deveria fazer aquilo”. Bolsonaro é o que é, e trairia seus eleitores se fosse ou fizesse outra coisa.

Vamos ver onde isso tudo vai dar.