O retrato da tragédia brasileira

Hoje fui à casa de meus pais. Como fazem todo sábado à tarde, estavam assistindo ao programa do Luciano Huck.

Um dos quadros é o tradicional “perguntas e respostas” valendo dinheiro. A convidada não conseguiu responder qual era a capital do Paraná, e quem escreveu a carta sobre o descobrimento do Brasil. Detalhe: nesta última havia somente duas alternativas: Pero Vaz de Caminha e Cristóvão Colombo.

Minha mãe, obviamente, respondeu às duas questões. Bem, nem tão obviamente. Minha mãe chegou aqui vinda da Polônia com 11 anos de idade (claro, sem dominar uma palavra de português), e completou apenas o que hoje é o Ensino Fundamental. A convidada do Luciano Huck, por outro lado, foi criada em uma favela do complexo do Alemão, e é estudante de jornalismo.

Ao comentar como podia uma estudante de jornalismo não responder duas questões tão básicas, enquanto minha mãe, quase sem educação formal, tê-las respondido de pronto, minha mãe matou a charada: “Claro, eu leio!”

Sim, minha mãe lê. Lê muito. Está sempre lendo alguma coisa. Eu aprendi a ler com minha mãe. É a única pessoa que conheço que conseguia ler na sala com a TV passando a novela. Prestava atenção nas duas coisas. Acho que logo notou que poucos neurônios eram necessários para entender a novela, então aproveitava os neurônios ociosos para ler um livro.

Voltando à estudante de jornalismo que não sabe qual é a capital do Paraná. O problema da Brasil vem muito antes da qualidade do ensino. O problema é que as pessoas não leem. E este não é um problema da escola. É um problema de formação familiar, de mesma natureza, por exemplo, de saber que não se pode jogar lixo na rua.

Sintomaticamente, a única pergunta que a estudante de jornalismo conseguiu responder sem a ajuda de algum “universitário” tinha a ver com os quesitos de julgamento das escolas de samba. Alguns dirão: “mas Carnaval é cultura popular!”. Sim, cultura que não exige leitura, apenas o acompanhamento da cobertura do Carnaval pela Globo.

A estudante de jornalismo que nasceu na favela é uma história de superação. É muito, mas é pouco, muito aquém do necessário para que o país passe para o próximo nível. É o retrato acabado da tragédia brasileira.

Tirando ideias do papel

Jeff Bezos acabou de se tornar o homem mais rico do mundo, ultrapassando Bill Gates.

Você não sabe quem é Jeff Bezos? É o fundador, CEO e maior acionista da Amazon.

A Amazon é dos poucos remanescentes da bolha “dot com” que estourou no início de 2000. Várias, muitas, milhares de empresas “dot com” ficaram pelo caminho. O que distingue Bezos, Zuckerberg, Gates, Jobs e outros poucos empresários que conseguiram não só sobreviver, mas tornarem-se bilionários? Simples: execução de uma ideia brilhante. Nesta ordem.

Muitos têm ideias brilhantes. Poucos, bem poucos, são capazes de tirar suas ideias brilhantes do papel.

Empresários são aqueles que conseguem tirar suas ideias do papel. As economias mais desenvolvidas são aquelas que facilitam esta tarefa. Uma economia em que ser empresário chega a ser heroico, é uma economia fadada ao fracasso.

Marx idealizou uma economia sem empresários. O próprio proletariado seria o dono dos meios de produção, apropriando-se, assim, da “mais-valia”. Ao eliminar o empresário, as economias comunistas eliminaram aqueles que tiram ideias do papel. Deu no que deu.

Hoje, Jeff Bezos é estupidamente rico. Mais rico do que uma parcela significativa da população mundial. Alguns acham isso um horror, o exemplo da maldade intrínseca do capitalismo. Eu penso diferente.

Se Jeff Bezos acumulou tanto dinheiro, é porque conseguiu tirar do papel uma ideia que ajudou, que foi útil, a bilhões de pessoas, que se mostraram dispostas a pagar por esta ideia. Hoje, o mundo está melhor porque Jeff Bezos conseguiu tirar sua ideia do papel. E sua fortuna é proporcional ao número de pessoas que ele beneficiou.

Não, você não tem direito divino a comprar coisas na internet e recebê-las no conforto do seu lar. Você só consegue fazer isso porque Jeff Bezos tirou uma ideia do papel. Se não fosse por pessoas como Jeff Bezos, talvez a igualdade de renda fosse maior, mas provavelmente estaríamos ainda esfregando gravetos para fazer fogo.

A sentença de Sergio Moro

Acabei de ler a sentença do juiz Sergio Moro em sua integridade.

Em resumo, há uma série de provas documentais, que são corroboradas pelos depoimentos de uma série de testemunhas. Atenção: há provas documentais. As testemunhas (inclusive Leo Pinheiro) apenas as corroboram. A ligação dessas provas com a corrupção é necessária, senão nada mais faz sentido, fica uma história sem pé nem cabeça.

A última cartada da defesa (a de que a OAS teria usado o apartamento como hipoteca ou garantia de empréstimos e no seu acordo de recuperação judicial) é desmontada sem piedade pelo juiz (quem tiver interesse, está entre os números 808 a 818 da sentença).

Vai ser difícil, bem difícil, reformar essa sentença.

Os efeitos das cotas sociais

Vou explicar para vocês o efeito das cotas na USP para as carreiras mais concorridas.

COMO É HOJE

  • 50% vêm de escolas privadas de 1a linha
  • 25% vêm de escolas privadas de 2a linha
  • 15% vêm de escolas privadas de 3a a 5a linha
  • 10% vêm de escolas públicas

COMO SERÁ NO FUTURO

  • 50% virão de escolas privadas de 1a linha
  • 50% virão de escolas públicas

Conclusão: se seu filho estuda em escola privada de 2a a 5a linha, e quer entrar nas carreiras mais concorridas da USP, melhor migrar para a escola pública ou para uma escola privada de 1a linha.

(Obs.: os números acima podem variar, mas o efeito é esse aí mesmo).