Votos brancos e nulos

Para alguns, PT e PSDB são a mesma coisa: ambos são “comunistas”, ou ambos são igualmente beneficiários de esquemas de corrupção. Para estes, é Bolsonaro ou nada.

Para outros, PT e Bolsonaro são a mesma coisa: ambos são igualmente anti-democráticos, e nos levarão inexoravelmente a uma ditadura. Para estes, é Alckmin/Amoêdo/Marina ou nada.

Para outros ainda, PSDB e Bolsonaro são a mesma coisa: ambos são o instrumento das elites imperialistas que derrubaram um governo popular legítimo. Para estes, é PT ou nada.

Tenho a impressão que o número de votos brancos e nulos será o maior da história republicana.

A direita de volta ao jogo

Os EUA contam com dois partidos principais, que dominam a vida política do país quase desde sempre: Republicanos e Democratas.

A Inglaterra conta com dois partidos principais, que dominam a vida política do país: Conservadores e Trabalhistas.

Assim ocorre, em maior ou menor grau, em países com vida democrática normal. Há mais partidos na França, na Alemanha, na Itália e no Japão, mas o espectro ideológico todo acaba tendo representação, da esquerda para a direita.

Nos países com dois partidos dominantes, como EUA e Inglaterra, os mais moderados e os mais radicais de ambos os espectros convivem dentro do partido. Assim, temos Bernie Sanders e Hillary Clinton dentro do Partido Democrata, e temos (ou tínhamos) John McCain e Trump dentro do Partido Republicano. Isso se repete no legislativo também, com todo o espectro ideológico mais ou menos representado.

No Brasil isso era verdade também. Antes de 1964, tínhamos desde o PCB de Prestes até a UDN de Carlos Lacerda. Todo o espectro ideológico dos cidadãos estava representado na política.

O golpe civil-militar de 64, sabiamente, manteve dois partidos: a Arena e o MDB. Genericamente, na Arena abrigavam-se os políticos de direita, enquanto para o MDB iam os políticos da oposição, de esquerda. Em ambos os partidos havia os moderados e os radicais, como ocorre em qualquer partido ocidental. Obviamente, por muitos anos tratou-se de uma pantomima para inglês ver, pois o poder era exercido, de fato, de maneira ditatorial pelas Forças Armadas. Mas foi esse arranjo que, por fim, conseguiu forçar a volta do funcionamento normal das instituições democráticas.

Com o fim do período ditatorial, a direita encolheu e tornou-se marginal. Ninguém queria ser identificado com os algozes daquele período. Os dois partidos que dominaram a política brasileira desde então foram o PT e o PSDB. O PT sempre foi o que podemos considerar a esquerda radical, enquanto o PSDB representava a esquerda moderada. Com o “amaciamento” do PT, principalmente depois da eleição de Lula em 2002, o PSDB foi “empurrado”, contra a sua vontade, para a direita, mas nunca assumiu, de fato, este papel. Esconder a herança liberal de FHC, por exemplo, foi um sintoma dessa má vontade do partido.

Ocorre que a sociedade brasileira continuou a mesma: as pessoas continuaram se dividindo entre esquerda e direita, alguns mais radicais, outros mais moderados. Curiosamente, esta distribuição ideológica não esteve representada politicamente nos últimos 30 anos. A consequência disso foi a criação de uma jabuticaba: se você não é petista, você é anti-petista. A direita passou a existir somente como uma referência negativa ao petismo.

Bolsonaro, por sorte ou por tirocínio, tanto faz, ocupou este espaço vazio. Além de aproveitar-se da má vontade geral com os políticos, que vem desde as manifestações de 2013 e foram agravadas com o petrolão, Bolsonaro também faz um discurso indubitavelmente à direita. Não à toa, o PSDB ficou sem discurso nessa eleição: seus próceres prefeririam ser identificados como esquerda moderada, mas o PT tomou esses espaço. A alternativa seria apresentar-se como direita moderada, mas não se faz isso de improviso, é preciso construir esta identidade ao longo do tempo, com atos, mais do que com palavras.

Assim, os órfãos da direita migraram em massa para o ex-capitão. Em política, não existe isso de Centro. Os moderados gostam de se ver e de se autodenominar de “centro”. Gostariam de se aproveitar do melhor dos dois mundos e, supostamente, angariar maioria eleitoral. O que conseguem, no entanto, é apenas serem vistos pelo “outro lado” como pusilânime.

Tudo indica que o PSDB será o grande perdedor dessa eleição. Mas a perda eleitoral é apenas um sintoma. O PT mostrou que perdas eleitorais são provisórias. O que importa é manter uma identidade coerente ao longo do tempo, o sucesso eleitoral vem a reboque. A grande perda do PSDB, principalmente em sua cidadela de São Paulo, já ocorreu: foi perder o eleitor de direita. Os tucanos descobrem, horrorizados, que recebiam votos por pura falta de outra opção melhor para os eleitores de direita.

Bolsonaro é um surfista da onda direitista no Brasil, que vai quebrar a cara mais à frente. Não terá a mínima condição de governabilidade. No entanto, tem o grande mérito de ter devolvido a direita ao espectro político. Daqui para frente, uma nova geração de políticos perderá o receio de serem estigmatizados por representarem a direita, e surgirão pessoas de melhor qualidade neste campo.

PS.: aos que acharem a análise acima muito “simplista”, vou dizer que concordo. Há muitas nuances envolvidas, as classificações “esquerda” e “direita” estão longe de esgotar a realidade. No entanto, acho que são úteis para a discussão do que está acontecendo. Se não esgotam a realidade, pelo menos dão algumas pistas.

Cada um vê o que quer ver

Em artigo de hoje, Rolf Kuntz, respeitado jornalista econômico do Estadão, analisa os programas dos candidatos sob a ótica do momentoso problema do equilíbrio fiscal do governo.

O programa de Bolsonaro inclui a zeragem do déficit primário depois de dois anos e privatizações.

O programa de Alckmin inclui a zeragem do déficit primário depois de dois anos e privatizações.

Segundo Kuntz, o programa de Bolsonaro é inexequível, enquanto o de Alckmin é organizado e mostra um caminho.

Vai entender.

Talkey, Veja

A Veja publicou reportagem de capa bombástica contra Bolsonaro.

A mesma Veja que publicou reportagem bombástica contra Lula e Dilma às vésperas da eleição vitoriosa do PT em 2014.

A mesma Veja da editora Abril, que pediu concordata e não pagou o FGTS dos empregados.

Talkey.

PS: a campanha de Bolsonaro, ao pedir o recolhimento das revistas, só piora a sua imagem de anti-democrático. Seria muito mais efetivo simplesmente desmerecer a revista. #ficadica

Poupança forçada

O 13o salário pode parecer uma bobagem. Afinal, o que importa é quanto você recebe no total durante o ano. Se está dividido em 12, 13 ou 30 vezes, tanto faz. A empresa não está te pagando a mais. Ela está pagando o mesmo que pagaria, só que dividindo em mais vezes.

Mas o 13o tem um papel na educação financeira. É o que o prêmio Nobel Richard Thaler chamaria de “arquitetura da escolha”. Ao receber 13 salários no ano, a pessoa se acostuma a viver com 1/13 avos da sua renda anual. Quando chega o 13o, a pessoa se sente mais “rica”, e pode gastar aquele dinheiro em coisas “extras” ou simplesmente poupar.

É o inverso do que ocorre com o pagamento do IPVA, ou do material escolar dos filhos. Sendo despesas anuais, pegam “de surpresa” os indivíduos que não se planejaram para essas despesas mais do que previsíveis. Se fossem despesas mensais, as pessoas se acostumariam a viver com menos mensalmente, sofrendo menos para pagar essas despesas.

No caso do 13o salário, a pessoa poderia obter o mesmo efeito se recebesse 12 salários no ano, e conseguisse economizar 1/12 avos do salário. O efeito econômico seria o mesmo. O problema é justamente economizar esse dinheiro. A pessoa vai se acostumando àquele valor, e acaba gastando no dia a dia, sem sentir. O 13o salário acaba servindo como uma “poupança forçada”.

Enfim, o 13o foi criado como mais uma demagogia com chapéu alheio, pois “obrigou” as empresas a pagarem um salário adicional. Claro que isso é bobagem, pois as empresas adaptam suas folhas a essa nova realidade, e pagam salários mensais menores. Nada consegue mudar essa realidade econômica.

Mas a ideia não é de toda má. A consequência não intencional dessa iniciativa de João Goulart foi a criação de uma poupança forçada, que, se bem usada, poderia servir para fomentar uma poupança de longo prazo para os mais previdentes.

Amadorismo

Ah, mas distorceram isso… ah, mas essa foto no Instagram não fui eu… ah, mas estão com má vontade…

A campanha de Bolsonaro ainda não entendeu o que é uma campanha eleitoral.

Vou tomar como exemplo a tal foto da tortura no Instagram. Se a mesma foto fosse compartilhada pela campanha do PT, seria uma denúncia, não um apoio. Como foi a campanha do PSL, foi repercutida como um apoio. Nada mais natural: afinal, Bolsonaro se coloca ao lado dos torturadores, enquanto o PT, ao lado dos torturados. A associação e a interpretação são automáticas.

Outro exemplo são essas declarações do vice. Mourão age como se estivesse em um sarau cultural, ou em um debate acadêmico, sobre assuntos candentes da atualidade brasileira. Não se tocou ainda de que está em uma guerra, onde qualquer palavra sua será colocada fora do contexto. Alguém por exemplo conhece a agenda pública de Manuela D’Avila? Pois é, sumiu da campanha, porque sabem que suas opiniões sobre o Universo, o Mundo e Tudo Mais são pra lá de polêmicas.

A campanha de Bolsonaro é de um amadorismo exasperante. Será um milagre que consiga vencer os mestres das campanhas eleitorais no 2o turno.