Prioridades mal concebidas

Se alguém vier culpar a “austeridade” pelo fim do Museu Nacional, lembre-se que gastaram R$250 milhões para construir o Museu do Amanhã.

O problema do Brasil não é de falta de dinheiro. É de prioridades mal concebidas.

Tanto faz a cor do brucutu

Quando o Ministério da Cultura foi extinto pelo recém empossado governo Temer, a chamada “intelectualidade nacional”, que engloba artistas globais, professores de universidades públicas e outras categorias menos reluzentes, revoltou-se e acusou o “governo golpista” de querer o desmonte da cultura nacional.

O governo Temer, tíbio como sempre, voltou atrás. O Ministério da Cultura poderia, assim, continuar sua missão de “preservar a cultura nacional”. Como, aliás, todos os governos têm supostamente feito desde a criação do Ministério, em 1985. Governos de esquerda e, portanto, com uma sensibilidade especial para a cultura, marcando a diferença para os brucutus da ditadura militar.

Fica a questão: se o Ministério da Cultura não serve para preservar um patrimônio como o do Museu Nacional, para que serve então? Ok, é só uma pergunta retórica. Sabemos que o Ministério da Cultura serve à resistência democrática, o que, nos últimos anos, se traduziu no movimento “fora Temer”.

No último quarto de século, fomos governados por partidos que se auto-proclamam defensores da cultura. Se isso significa deixar o Museu Nacional queimar até a morte, talvez um brucutu sem sensibilidade na presidência não faça assim tanta diferença.

Amanhãs radiosos e passado em ruínas

A primeira foto abaixo é da inauguração do Museu do Amanhã, em 2015.

A segunda foto é do incêndio no Museu Nacional, ontem.

O meu pai era carioca. Portanto, metade da minha família era do Rio, cidade onde passava minhas férias na infância. O Museu Nacional era passeio obrigatório. Adorava aquele lugar. Tanto que, já adulto, fiz questão de levar meus filhos para visita-lo, em 2010. Apesar da deterioração já visível, a sua majestade ainda estava ali.

Na última vez que estive no Rio a passeio, com o tempo apertado, tive que selecionar o que visitar. Fui ver a descrição do tal Museu do Amanhã, no site: “O Museu do Amanhã é um museu de ciências que tem como objetivo explorar as possibilidades do futuro. Por meio de ambientes audiovisuais, instalações interativas e jogos, o público é levado a examinar o passado, entender as várias tendências da atualidade e imaginar futuros possíveis para os próximos 50 anos”.

Não vou aqui condenar quem gosta disso. Mas a descrição me levou a concluir que aquilo não passava de uma caixa de vento. Poderia ser chamado de, sei lá, “Espaço Multimídia do Amanhã”. Museu, para mim, é onde se guarda o passado. Deixei o Museu do Amanhã de fora do meu roteiro.

Construir coisas novas é relativamente fácil. Inaugurar escolas, hospitais, museus, rende fotos e votos. O duro é manter esses equipamentos em boas condições ao longo dos anos.

Lula se gaba de ter feito não sei quantas universidades federais. Qual será o estado de conservação desses edifícios daqui a, digamos, 10 anos?

O Museu do Amanhã custa R$40 milhões anuais, sendo que R$12 milhões são bancados pela prefeitura do RJ. O Museu Nacional tinha orçamento anual de R$500 mil.

Cansamos de ouvir que “falta dinheiro”. Sim, sempre faltará dinheiro quando as prioridades não são bem feitas. Preferimos construir caixas de vento e estádios bilionários ao invés de preservar o que já existe.

Neste momento ouço uma nota revoltada da Fundação Roberto Marinho na Globo News lamentando o ocorrido. A mesma Fundação que arrecada, junto a parceiros privados, R$28 milhões anuais para a manutenção do Museu do Amanhã. Afinal, o que dá mais Ibope? A questão de prioridades não se limita aos governos.

Quando você ouvir alguém condenando o governo pelo “descaso” com nosso patrimônio histórico, pergunte: onde estava você quando construíram o Museu do Amanhã? A resposta a essa questão dirá muito sobre os bandidos e mocinhos dessa história.