Cartão roxo

Em maio de 2017, o Itaú comprou metade da XP pelo equivalente, na época, a US$ 2 bilhões, o que levava a uma avaliação do negócio em US$ 4 bilhões.

Nesta semana, o fundo TCV investiu US$ 400 milhões para comprar 4% do Nubank, uma fintech que tem como maior diferencial um cartão de crédito roxo. Este investimento leva a uma avaliação do negócio em US$ 10 bilhões.

Alguns dos principais bancos brasileiros listados em bolsa valem o seguinte:
Itaú: US$ 88 bilhões
Bradesco: US$ 74 bilhões
BB: US$ 37 bilhões
Banco Panamericano: US$ 2,9 bilhões
Banrisul: US$ 2,6 bilhões
Banco Inter: US$ 2,4 bilhões

Com esta avaliação, o Nubank valeira tanto quanto as Lojas Renner e mais do que empresas como BR Distribuidora, Localiza, Brasil Foods (dona das marcas Sadia e Perdigão), Lojas Americanas, Pão de Açucar, Cemig. O Nubank valeria praticamente o triplo da Embraer e da Gol.

Tenho 3 filhos entre os 12 milhões de correntistas do Nubank. Eles não rendem um centavo para a empresa, a não ser o fato de toparem fazer parte de suas estatísticas de usuários, o que promete trazer muito retorno no futuro. Pelo menos, é nisso que acredita o fundo que avaliou a empresa em US$ 10 bilhões. Esse cartão roxo tem poder!

Pobre Japão

O Japão é um país pobre, com muitos problemas sociais. Por isso, se preocupam em economizar cada centavo na construção de instalações para as Olimpíadas, atentos ao que chamam de questão do “elefante branco”.

O Japão não é como o Brasil, um país rico, onde os problemas sociais são marginais. Aqui, pudemos gastar muito dinheiro público na construção de estádios padrão FIFA em Manaus, Maceió e Brasília, onde o futebol é inexistente, ou na Vila Olímpica do Rio, sub-utilizado e com problemas graves de manutenção.

Um dia, quem sabe, o Brasil será tão pobre como o Japão, e terá que usar os recursos públicos com mais responsabilidade.

Decepção

Quando vi o artigo “Onerar mais não é o caminho”, de crítica à PEC da reforma tributária ora em tramitação no Congresso, pensei: enfim, poderei ler uma crítica consistente ao atual projeto de reforma. Escrita por expoentes como Ives Gandra Martins e Everardo Maciel, seria a primeira crítica de peso ao projeto, oferecendo alternativa ainda melhor.

Que decepção.

O artigo crítica a atual proposta com base em dois pilares: atentaria contra o Pacto Federativo e aumentaria impostos.

Segundo o artigo, a PEC atentaria contra a Federação porque a arrecadação seria centralizada na União, fazendo com que Estados e Municípios deixassem de ter discricionariedade sobre as alíquotas. Bem, é justamente isso que a proposta almeja: acabar com o pesadelo de inúmeras formas diferentes de cobrar impostos. Além disso, se se quer uma Federação de verdade, cada Estado tendo sua própria autonomia para cobrar impostos, então que aprovemos uma PEC que proíba a União de socorrer financeiramente os Estados. Porque é muito bonito falar de Pacto Federativo, desde que, na hora do aperto, os governadores não corram para Brasília com o chapéu na mão.

Quanto ao suposto aumento de impostos (os articulistas espertamente não falam em aumento de carga tributária), fica claro que a preocupação é com a PRÓPRIA carga tributaria. Escritórios de advocacia seriam onerados com a proposta, pois deixariam de pagar apenas o imposto municipal, via de regra mais baixo, para pagar o imposto federal. Ou seja, os doutros especialistas não escondem que estão preocupados com a oneração dos próprios serviços. Muito justo, desde que admitam que o artigo faz parte de um lobby.

O artigo termina com o clássico “sou a favor da reforma, mas não essa que está aí”. No melhor estilo da esquerda, se dizem a favor de alguma reforma tributária, mas se eximem de dizer qual seria. Talvez esta tenha sido a minha maior decepção: li o artigo até o fim procurando a proposta de técnicos tão respeitados, mas só encontrei “isso aí não”. No fundo, defendem o confortável (para eles) status quo.

Sacar o FGTS: vale a pena?

O FGTS sempre foi conhecido como o pior investimento do Brasil. Rendendo TR + 3% ao ano, perdia sempre de lavada para qualquer outro investimento de baixo risco, como a Poupança ou Fundos DI. Mas, com a Selic a 6,5%, a coisa mudou de figura. Vejamos.

Com esse nível de Selic, a Poupança rende 70% da taxa básica. 70% de 6,5% dá 4,55%. Cerca de 50% a mais que o rendimento do FGTS, mas não o dobro como era antigamente.

Já um fundo DI com 1% de taxa de administração vai render 5,5% antes do imposto de renda. Depois do imposto de 22,5% (para resgates antes de 6 meses), o retorno líquido fica em 4,26%. Ainda superior aos 3% do FGTS, mas muito distante daqueles rendimentos de dois dígitos de um passado não muito distante, quando a Selic estava em 14%.

Mas a taxa Selic vai cair. O BC deve começar a cortar a Selic agora em julho, mas ainda não sabemos para quanto. Digamos que, após alguns cortes, a Selic chegue a 5,5%.

Com esse nível de taxa básica, a Poupança vai render 3,85% e um fundo DI com 1% de taxa de administração vai render 3,49%. Ainda mais próximos dos 3% do FGTS.

Mas tem um detalhe adicional: o FGTS vai passar a distribuir 100% dos seus lucros para as contas dos trabalhadores. Com essa distribuição, é bem possível que o FGTS renda mais que a Poupança ou os Fundos DI do mercado.

Moral da história: não vale a pena se dar ao trabalho de sacar do FGTS para investir na Poupança ou em um fundo DI, pois o rendimento será praticamente o mesmo. Vale a pena sim se você quiser colocar seu dinheiro em modalidades mais arriscadas de investimento com retornos maiores, ou se tiver dívidas para pagar ou se simplesmente quiser gastar o seu rico e suado dinheirinho.

O COAF e o sigilo dos dados

Não sou especialista em processo legal, então não posso dar uma opinião técnica sobre esse assunto do repasse de dados do COAF. O que posso fazer é raciocinar em termos lógicos.

Existem duas grandes partes envolvidas nessa história: governo e cidadãos. Todos os atores envolvidos na decisão de Toffoli são governo: COAF, Receita, Polícia Federal, Procuradoria. Quando o COAF repassa dados para a Receita, os dados continuam dentro dessa grande entidade chamada governo. Há dois pontos nevrálgicos no caminho desses dados: o momento em que eles adentram a esfera governamental e o momento em que são usados para processar cidadãos.

O governo toma conhecimento dos dados sigilosos dos cidadãos através de vários canais: declaração do IR, registro de imóveis e automóveis e, o mais importante aqui, o reporte que os bancos fazem de movimentações acima de um determinado patamar para o COAF. Essas sim, representam invasão de privacidade dos cidadãos pelo governo. Não vi Toffoli preocupado com esse ponto.

O segundo ponto é ainda pior: a Receita Federal pode usar esses dados para autuar os cidadãos, ao largo do Poder Judiciário. A Receita multa os cidadãos em um processo administrativo, sem a autorização de um juiz. O cidadão pode entrar na justiça a posteriori, como fizeram os donos do posto de gasolina autuados. Mas a dor de cabeça já está instalada.

Agora, vamos ao caso em tela: a Polícia Federal e a Procuradoria não podem, ao contrário da Receita, iniciar processo sem autorização judicial. Esses órgãos usam os dados do COAF justamente para instruir esses processos. Ou seja, impedir o repasse de dados do COAF para órgãos de investigação sem autorização judicial é simplesmente antecipar a autorização à etapa anterior à própria investigação. O efeito prático disso será entupir o judiciário com um monte de pedidos de quebra de sigilo que eventualmente não chegariam à fase processual. Tornará a justiça ainda mais lenta no combate à corrupção.

Novamente: o sigilo já foi quebrado, sem autorização judicial, no momento em que os bancos repassam dados para o COAF. Que o COAF repasse dados para órgãos de investigação é apenas o corolário natural do processo. Exigir decisão judicial nessa fase da investigação servirá apenas aos interesses dos corruptos e sonegadores.

Almoço de graça

Um dia, um milionário qualquer, entediado com o dolce far niente da vida de milionário, teve uma ideia: “vou desenvolver um app que envelhece a cara das pessoas. Todos darão gostosas gargalhadas e eu terei com que me ocupar durante um tempo”. E assim nasceu o FaceApp.

Só que não.

O FaceApp, um aplicativo “gratuito”, nasceu como todos os outros aplicativos “gratuitos”: com a intenção de usar a gigantesca base de dados de usuários que acreditam em “coisas de graça” para fazer negócios.

Os “reis” incontestáveis desse tipo de aplicativo são o Google e o Facebook. Mas estes são apenas a face mais saliente de uma indústria de apps “gratuitos”, onde o produto comercializado é o próprio usuário.

Já escrevi aqui que, se o Facebook quisesse, poderia criar uma versão paga do seu app, em que os dados do usuário pagante ficariam a salvo do comércio. Só não lançou porque, provavelmente, avaliou que a demanda ficaria próxima de zero. Aqui, quem pagaria para usar o Facebook? Ou o FaceApp? Pois é…

Fico realmente surpreso com a surpresa expressa na matéria. Uau, estão negociando com os dados dos usuários! Como se houvesse outra forma de monetizar o app. Parece até que o repórter acredita na parábola do milionário entediado.

A conclusão é uma só, como sempre: não há almoço grátis. Se um app é de graça, você está pagando de uma forma oculta. Não quer pagar? Saia da rede.

Empresários a favor da CPMF

O grupo de empresários Brasil 200 lançou manifesto pela CPMF com alíquota de 5% (2,5% para quem paga, 2,5% para quem recebe). O “P” seria de Permanente, não mais de provisória.

A Comissão Europeia vem estudando um imposto sobre transações financeiras desde a crise de 2008. A ideia era que os bancos “pagassem” pelo seguro contra crises financeiras. Até hoje não conseguiram chegar em um modelo que não arruinasse o sistema financeiro. O imposto sobre transações ainda está no campo das ideias.

Por algum motivo, este tipo de imposto não existe em lugar nenhum do mundo. E o motivo é este: desbancariza a economia, quando hoje o esforço dos governos vai justamente na direção contrária, até para controlar lavagem dinheiro, fora os ganhos de produtividade.

A proposta do Brasil 200, ingenuamente, afirma que não haveria como escapar do imposto, pois o saque seria onerado em 5%. Sim, no início funcionaria. Mas, em seguida, aquele dinheiro sacado não seria mais depositado de volta no sistema bancário. Ao longo do tempo, as pessoas não precisariam mais sacar, pois as transações passariam a ser, em grande parte, feitas em dinheiro. Os salários seriam pagos em dinheiro, as mercadorias seriam pagas em dinheiro, os fornecedores seriam pagos em dinheiro. Viraríamos uma economia baseada em papel moeda, com tudo o que isso significa em termos de insegurança e ineficiência. A base de tributação diminuiria, o que levaria ao aumento da alíquota para manter a arrecadação, em um círculo vicioso.

Investimentos com menos de um ano de prazo deixariam de fazer sentido. Com um Tesouro Selic rendendo 6,5% ao ano (e vai cair), investir no Tesouro por menos de um ano com uma alíquota de 5% na cabeça perde o sentido. Resultado: os investidores teriam retorno menor para os seus investimentos, com efeitos não desprezíveis sobre a Política Monetária. Aliás, exportaríamos o sistema financeiro para praças onde não há impostos sobre transações. Ações e derivativos seriam negociados lá fora. Isso já acontecia parcialmente quando a alíquota era de 0,38%.

Aliás, gostaria de saber se há exportadores nesse grupo Brasil 200. Pois uma alíquota de 5% sobre cada passo da cadeia produtiva seria uma oneração insuportável sobre as exportações. Aposto que começariam daí as “exceções” ao sistema, que ficaria mais e mais complexo na medida em que outras exceções fossem concedidas. É o Brasil, né?

Não me impressiona, de maneira alguma, que tenha sido um grupo de empresários a sugerir essa aberração. O que mais me parece é um grupo de apoio ao governo, qualquer que seja a proposta. Se a ideia foi somente “jogar a ideia para debate”, funcionou. Assim, enterramos esse assunto logo de uma vez.

O início de tudo

O caso que deu início à suspensão do processo contra Flavio Bolsonaro chegou à Suprema Corte há dois anos, junho de 2017. Trata-se de uma prosaica sonegação de impostos por donos de um posto de gasolina em Americana.

Acompanhe comigo: 10 meses depois, em abril de 2018, a Corte julgou que se tratava de um caso de repercussão geral, e marcou julgamento para 11 meses depois, março de 2019. Ocorre que em março, o julgamento foi adiado para novembro, 6 meses depois. Se tudo desse certo, portanto, o recurso do casal de Americana seria julgado 2 anos e 5 meses depois de ter chegado à Corte.

Mas aí acontece a mágica: o advogado de Flávio Bolsonaro descobre que o seu cliente está sendo acusado com provas obtidas da mesma forma com que foram conseguidas as provas contra os proprietários do posto de Americana. Entra com um recurso no Supremo e… voilá, tudo suspenso. Fosse depender do curso “normal” das coisas, é possível que os anônimos de Americana morressem sem ter um veredito do Supremo Colegiado.

A Nova Política, aos trancos e barrancos, vem ganhando seu espaço no relacionamento com o Legislativo. Mas quando se trata de proteger os seus da longa mão da justiça, ainda vale a lógica da Velha Política.

O maior imposto do mundo

Na briga pela “melhor” versão da Reforma Tributária, a equipe econômica calcula que o IVA criado pela reforma da Câmara teria que ter alíquota de, no mínimo, 30%, pois substituiria impostos nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal. Seria “o maior imposto do mundo”, segundo o governo.

Então, pelo que entendi, o governo prefere continuar escondendo alíquotas em vários impostos, de modo a “não dar muito na cara”. Afinal, uma alíquota de 30% explicitaria a vergonhosa carga tributária que incide sobre tudo o que o brasileiro consome.

Os 30% de alíquota do “maior imposto do mundo” é a melhor coisa que pode acontecer. Deixará claro quanto custa o Estado de Bem-Estar Social brasileiro.