Não há solução

Falamos hoje do BRT carioca, objeto de matéria no Estadão. Coincidentemente, O Globo publicou matéria sobre o teleférico do Alemão (leia aqui), obra que custou R$ 253 milhões de recursos do finado PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e está parado há 3 anos, por falta de condições de manutenção. Os cabos são importados, e não há recursos para troca-los, como seria necessário.

O teleférico do Alemão é exemplo acabado da doença primeva da administração pública brasileira: somos craques em inaugurar, mas pernas de pau em manter. Quando os políticos têm um dinheiro sobrando, vão correndo inaugurar alguma coisa nova. Como aquilo vai ser mantido ao longo do tempo, é problema que será resolvido pelo próximo político. As emendas parlamentares, em grande parte, são isso: verbas para construir e inaugurar coisas.

Isso vale também para a contratação de pessoas e aumento de salários: quando sobra dinheiro, é um festival de contratações e aumentos salariais para o funcionalismo; no tempo das vacas magras, falta dinheiro para pagar os salários. E assim vamos.

Tem solução? Sim: basta que os políticos deixem de ser populistas, e somente invistam em obras se houver recursos no orçamento para mantê-las ao longo do tempo.

Pensando bem, não há solução.

O pulso ainda pulsa

A matéria conta o caso do Espírito Santo, que baniu a taxa de conveniência e viu filas gigantescas se formarem para a compra de ingressos para o filme Avengers. A Assembleia Legislativa do Estado obviamente “reviu” a lei.

Tragédia brasileira

Esse caso do BRT carioca talvez seja o resumo mais bem acabado, paradigmático até, do desperdício de recursos públicos no Brasil. Uma ode à incompetência associada ao populismo.

Foram investidos quase R$ 1 bilhão na construção do BRT Transoeste, parte dos esforços para melhorar a logística da futura sede dos Jogos Olímpicos. Quase R$ 1 bilhão que hoje estão incorporados à dívida pública brasileira (alô pessoal da auditoria da dívida pública, vai tomando nota).

A obra foi inaugurada com pompa e festa pelo então prefeito do Rio, Eduardo Pães, pelo então governador do RJ, Sérgio Cabral e pelo então ex-presidente da República, Lula.

Em janeiro deste ano, menos de 7 anos após a inauguração, a prefeitura do Rio decretou intervenção na concessão do BRT, em função dos péssimos serviços prestados. Mas vamos aos detalhes:

– As vias foram em grande parte construídas com asfalto de péssima qualidade, que não aguentaram o peso dos ônibus articulados que circulam pelo BRT. Vários quilômetros dessas vias precisariam ser totalmente reconstruídas.
– As vias de péssima qualidade fazem com que os custos de manutenção dos ônibus sejam muito maiores do que o previsto.
– A concessionária estima em 74 mil/dia o número de evasões, ou seja, pessoas que usam o sistema sem pagar. Para quem não conhece, o pagamento se dá nas estações, mas é facilmente burlável.
– Estações construídas no estilo “Brasil Grande” estão depredadas e servem de abrigo para moradores de rua e camelódromos. São 22 estações fechadas, quase 20% do total.

A concessionária afirma que já vinha alertando o poder concedente sobre os problemas do asfalto e da falta de segurança, mas nada havia sido feito. A intervenção, pelo visto, serviu como uma resposta política, mas, a julgar pela reportagem de hoje, pouca coisa mudou, na prática, para o usuário.

R$ 1 bilhão, inauguração com festa, materiais de terceira, usuários que não pagam. Não consigo pensar em melhor tradução da tragédia brasileira.

Assim é se assim lhe parece

O Estadão traz hoje algumas tristes histórias de alunos cujas bolsas de estudos para o exterior foram cortadas. Fora o fechamento de bandejões e linhas de ônibus internas nos campi. Muito triste.

O governo federal contingenciou um total de 3,4% das verbas das universidades públicas. Discutir remanejamento dos outros 96,6% dos recursos para essas momentosas necessidades não está na pauta. Afinal, trata-se de “verbas obrigatórias”, o que inclui a aposentadoria precoce de milhares de professores. Pelo contrário, grande parte desses alunos foi contra a reforma da Previdência, que poderia liberar, no futuro, verbas para essas outras necessidades que foram agora cortadas.

Ok, vamos criminalizar os 3,4% e deixar os 96,6% de lado, como se fosse um fato da vida. Assim é se assim lhe parece.

A lacroeconomia de Piketty

Na quinta-feira, o Valor Econômico publicou artigo sobre a reforma da Previdência do famoso Thomas Picketty, autor do best-seller “O Capital do Século XXI”. Por esta obra, Picketty é considerado o patrono da causa das desigualdades causadas pelo capitalismo. Sim, não foi fácil, mas li este livro até o fim.

Quando li o artigo de Picketty e outros autores (incluindo um professor da (surpresa!) Unicamp) tive imediata vontade de escrever um post apontando seus vários erros. A começar pelo título malandro, que insinua que a reforma da Previdência estaria atendendo a interesses escusos. Quando começa assim, difícil chegar a boas conclusões.

Não tive tempo para escrever, pois demandaria muita pesquisa. E também pensei: bom, Pedro Fernando Nery deve também estar lendo este artigo e vai escrever algo muito melhor do que eu seria capaz. Batata!

Abaixo, o artigo de Picketty do dia 11, e a resposta de Nery, publicado hoje no Estadão. Não preciso dizer mais nada.

Embaixada familiar

Bolsonaro justifica a indicação do 03 para chefiar a mais importante embaixada brasileira indicando (e rejeitando) dois outros nomes possíveis, e dizendo que ele já esteve em vários países da Europa e é fluente em inglês.

Tem uma estagiária trabalhando no escritório cujo hobby é fazer mochilão pelo mundo. Já visitou 47 países de todos os continentes, e é fluente em inglês. Portanto, por este critério, já teria as credenciais para assumir a embaixada em Washington.

Bolsonaro apresenta Celso Amorim e Aloysio Nunes como as outras alternativas, para justificar a escolha do 03. O argumento faria sentido se houvesse uma lista tríplice. Mas obviamente não é este o caso. Nomes de pessoas bem mais preparadas, como o diplomata Nestor Forster e o analista político Murillo de Aragão foram citados ao longo do caminho, mas há uma lista imensa de candidatos com mais credenciais. Menos uma: a de ser filho do presidente e tudo o que isto simboliza.

Ao nomear o 03 como embaixador, Bolsonaro quer passar uma mensagem para o país amigo: a nossa aliança é tão importante para nós, que ofereço meu filho como embaixador. Mais ou menos como acontecia com o casamento dos filhos dos príncipes medievais. Se fosse com qualquer outro presidente norte-americano, a coisa talvez tivesse menos efeito. Com Trump, que também toca a sua própria empresa familiar na Casa Branca, pode funcionar. Tanto é assim que corre o boato de que o presidente dos EUA poderia indicar o 03 dele para a embaixada aqui.

Não conheço as filigranas técnico-jurídicas, mas não me parece que seja um caso de nepotismo. O cargo de embaixador não é um “emprego público”, para o qual se entra através de concurso. Trata-se de um cargo politico, assim como o de ministro. Muitas pessoas já foram indicadas ao cargo pelas suas qualidades. A qualidade do 03 é ser o filho do presidente, e sinalizar uma espécie de “pacto de sangue” com o governo Trump. Bolsonaro faria bem em parar de passar ridículo ao tentar convencer a opinião pública de que o seu filho tem “credenciais” para assumir a Embaixada. Isso só serve para criar memes. A única credencial que importa é justamente a de ser seu filho, e tudo o que isso representa junto ao governo amigo.

O lobby venceu!

Escrevi aqui comemorando os 379 votos na aprovação da reforma da Previdência. Me arrependi.

O projeto precisava de 308 votos para a aprovação. Obteve 71 votos de “gordura”. Para tanto, foram feitas várias concessões, entre as quais essa VERGONHA da aposentadoria dos policiais federais. Pergunto: quantos votos seriam perdidos se não fosse feita essa concessão? 30? 40? Ainda assim teríamos votos suficientes para a aprovação. E teríamos uma Nova Previdência com um pouco menos de privilégios.

Maia desfila como o “rei da Reforma”, mas na verdade concedeu muito mais do que o necessário para sair bem na foto. E nós, pobres mortais sem lobby, vamos pagar pela “paridade” e “integralidade” dos intocáveis da administração pública. 🤬🤬🤬

Nova Política

O Valor Econômico traça hoje um perfil bastante simpático do deputado Alexandre Frota (PSL-SP). Neófito na Câmara, Frota destacou-se como um dos principais articuladores dentro do partido no governo durante a tramitação da reforma da Previdência.

Na matéria, Frota “descriminaliza” as emendas parlamentares e os cargos indicados por deputados. Mas o trecho abaixo resume a descoberta da Política por parte do deputado, que aprendeu rapidamente a transitar em um mundo onde a “vontade do povo” é ouvida através da cacofonia de muitas vozes dissonantes, e onde os consensos são alcançados somente com muita conversa e concessões de lado a lado.

Essa é a Política, com P maiúsculo, que não pode ser confundida com crime.

Erros acontecem. O que importa é o que você faz com o erro.

No ano passado fiz uma reforma em meu apartamento e troquei os armários embutidos. O resultado final até que foi bom, mas houve alguns problemas recorrentes, principalmente nas portas de correr. Chamei a empresa várias vezes para consertar as portas. Em todas as vezes, eles responderam rapidamente, enviando um funcionário para resolver o problema.

Em determinado momento, o dono da empresa agradeceu-me pela paciência com que eu estava encarando os problemas. No que eu respondi: “eu que agradeço o seu serviço de pós-venda. Errar faz parte, só não erra quem não faz. O difícil é admitir o erro e procurar remedia-lo. Isso vocês estão fazendo muito bem.” Desde o pedido de desculpas até os esforços por remediar os problemas fizeram com que os erros cometidos fossem relevados.

Lembrei desse evento ao ler o caso do erro da Magazine Luiza, que ofereceu um cupom de desconto claramente errado. Assim como aconteceu quando Luiza Trajano caiu ao correr com a tocha olímpica, a Magazine Luiza aproveitou o erro para fazer marketing. Não se escondeu, não lutou contra a realidade. Fez do limão uma limonada, para usar um jargão batido.

Errar todo mundo erra. O que diferencia as empresas e as pessoas é como lidam com o erro.

Odor de um cadáver insepulto

O que há contra Aécio? Basicamente, uma gravação em que o então senador pede R$ 2 milhões a Joesley Batista para custear seus advogados.

Juridicamente parece pouco. Pedir dinheiro a alguém, sem uma contrapartida clara, não é passível de ser classificado como corrupção. Aécio e Joesley podem ser amigos de longa data, e pedir dinheiro a amigos não é crime. Isso é o campo estritamente jurídico.

Politicamente, é uma bomba. Joesley, ao lado de Marcelo Odebrecht, fazem a dupla “Capeta e Coisa Ruim” da política brasileira. Encarnam a corrupção. Pedir dinheiro ao Joesley é, politicamente falando, assinar um atestado de corrupto com papel passado em cartório.

FHC agarra-se ao domínio jurídico para defender o quadro histórico do PSDB. Faz de conta que o problema não é político. Quer repetir o erro que o partido fez no caso de Eduardo Azeredo, o ex-governador mineiro pego no chamado “mensalinho mineiro”. O partido teve que carregar o defunto político por anos e anos, porque Azeredo não havia sido condenado pela nossa célere justiça.

Enquanto FHC pontifica de sua cátedra, quem tem eleições pela frente sabe os efeitos do odor de um cadáver insepulto sobre o eleitorado.